segunda-feira, 16 de junho de 2025

ENTRE MATÉRIA E IMAGINAÇÃO: O DIÁLOGO ENTRE VIK MUNIZ E A ARTETERAPIA

Por Débora de Castro

@deborarteterapia

 

A frase do artista Vik Muniz, "De longe vê-se a imagem, a ideia. Ao aproximarmos, vemos o material. Este é o momento mágico quando uma coisa se transforma em outra", essa fala do artista, nos convida a refletir sobre a complexidade e a beleza do processo criativo. No documentário Lixo Extraordinário, essa perspectiva se torna ainda mais impactante ao vermos materiais descartados ganharem nova vida e significado por meio da arte.

 


Documentário – Lixo Extraordinário

Essa citação que  Muniz descreve no documentário, também é essencial no contexto da Arteterapia. Quando um participante começa a criar, ele muitas vezes parte de uma ideia ampla e difusa, algo que, à distância, parece ser apenas uma imagem ou sensação. Mas, à medida que mergulha no processo, o material seja tinta, papel ou outros elementos,  revela histórias, emoções e significados escondidos. É nesse encontro íntimo entre a ideia e a matéria que surge a transformação: o ordinário se torna extraordinário, e o processo de criação se torna um espelho da própria jornada de autodescoberta.

No setting terapêutico, esse "momento mágico" descrito por Muniz ocorre quando a criação artística transcende sua forma física e dá lugar a descobertas emocionais e psicológicas. Um pedaço de papel amassado pode revelar sentimentos de desapego ou renovação; uma combinação de cores pode expressar estados de espírito muitas vezes difíceis de verbalizar. O material, assim como os resíduos no filme, carrega o potencial de transcender seu significado inicial, oferecendo novos olhares e narrativas.

Esse processo nos ensina que, no espaço terapêutico, não buscamos apenas a "imagem", mas o diálogo íntimo entre o participante e o material. É nesse espaço de encontro e criação que reside o poder transformador da Arteterapia, onde o ordinário se torna extraordinário e onde uma nova compreensão de si mesmo pode emergir. A mágica, portanto, está na transformação, tanto do material quanto do ser humano que o molda.

Assim como no trabalho de Vik Muniz, a Arteterapia nos ensina que a transformação não ocorre apenas na obra final, mas principalmente no percurso, nos detalhes que enxergamos ao nos aproximarmos de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. Cada material, por mais simples ou descartado que pareça, carrega o potencial para algo novo,  seja uma obra de arte ou um insight profundo.

Esse é o poder da criação: enxergar além da superfície, aproximar-se com curiosidade e permitir que a magia aconteça.

Concluindo a reflexão sobre o documentário com a Arteterapia, penso que  aplicar as inspirações do documentário no setting terapêutico, encontramos a possibilidade de dar novos sentidos a materiais simples ou descartados, enquanto resgatamos narrativas pessoais e promovemos a reconstrução de identidades. Assim, Lixo Extraordinário reforça que a verdadeira transformação ocorre quando nos permitimos olhar para o ordinário com novos olhos, enxergando nele o potencial para algo extraordinário.

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Sobre a autora: Débora Castro



Sou Débora de Castro, educadora apaixonada pelo poder da arte e do conhecimento. Graduada em Pedagogia e Educação Artística, com pós-graduação em Psicopedagogia e Educação Especial e Inclusiva, sigo aprofundando minha jornada acadêmica como graduanda em Psicologia.

Com formação em Arteterapia (AARJ/1411), atuo há mais de 28 anos na área da Educação, compartilhando saberes como professora de Artes Visuais e História da Arte. Atualmente, dedico-me à coordenação de um grupo de Arteterapia para Mulheres e à condução de oficinas arte terapêuticas, tanto no formato online quanto presencial.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

CONTRATRANSFERÊNCIA: UMA DANÇA ENTRE ARTETERAPEUTA E CLIENTE QUE MERECE ATENÇÃO

 

Figura 1 – Diálogo

Por Bruna Della - SP

@arteterapias.online


Existe quase que uma dança entre arteterapeuta e cliente que, no início da nossa clínica, podemos não perceber. Vou me explicar contando uma situação fictícia.

O Senhor Alfredo iniciou suas sessões de arteterapia com o propósito de lidar com a perda da esposa. Os filhos de Alfredo, que o encaminharam para a arteterapia, esperavam que ele pudesse encontrar um espaço de acolhimento. Após poucos meses conhecendo o Alfredo e algumas produções, a arteterapeuta Leandra começou a sentir-se angustiada toda vez que o horário da sessão de Alfredo chegava. Alfredo parecia não se engajar muito nas atividades, e Leandra ficava com receio do que falar, do que perguntar e de qual a melhor materialidade ou atividade para o que o Senhor Alfredo trazia.

Leandra começou a se sentir angustiada: comprou cursos, participou de workshops, comprou livros e consumiu diversos artigos sobre luto, terceira idade e outros temas. Mesmo assim, aquele sentimento surgia. Era interessante, pois Leandra lidava com outros processos de luto, e nenhum a fazia sentir-se assim. Ela começou a refletir sobre a possibilidade de encaminhar o cliente, também sentia que ele não estava interessado nas sessões. Antes de tomar qualquer atitude, levou o caso para a supervisão e lá, sentindo-se à vontade, desabafou sobre o quanto se sentia perdida e angustiada toda vez que ia atender o Senhor Alfredo.

Foi em uma situação parecida que minha supervisora me questionou (usarei a situação fictícia como exemplo):

“Leandra, o quanto o Senhor Alfredo não deve estar sentindo-se angustiado e perdido?”

(Choque.)

“Olhe para as produções desinteressadas e inseguras do Senhor Alfredo, observe essas imagens e as respostas que ele te dá. Uma pessoa que viveu a vida toda casado não vai se sentir inseguro e desinteressado pela vida durante essa perda?”

(Outro choque.)

“A angústia que você sente não é sua, é do cliente. Isso é a contratransferência.”

E foi mais ou menos assim que percebi na prática do que se tratava a contratransferência.

Com a orientação da supervisora, Leandra levou essas palavras e sensações para o cliente, que afirmou no mesmo instante que era exatamente daquele jeito que ele se sentia: perdido, sem chão, com medo e angustiado. O Senhor Alfredo falou que às vezes ficava até com raiva e fingia para os filhos que não se importava, exatamente a postura que ele adotava nas sessões. Após esse diálogo, as sessões de arteterapia tomaram outro rumo. Leandra levou esse assunto também para a própria terapeuta e constatou que ela também precisava olhar para algumas questões suas que estavam emergindo.

Foi imersa nessa palavra que passei a me interessar mais pelo tema e a observar mais as sensações com cada cliente. Desse interesse e com esse olhar atento, comecei a ler livros, e eu e uma colega até contratamos um ex-professor da pós-graduação para nos dar uma aula específica sobre transferência e contratransferência na visão do Jung, da qual fiz ainda mais conexão entre teoria e prática.

É esse entendimento que quero compartilhar com vocês por aqui.

Vamos nos lembrar que nossos conteúdos inconscientes são percebidos nos outros; o que está dentro se projeta em algo que está fora. Ao acordarmos e vermos pela janela que o dia está chuvoso, cada um de nós reagirá de uma forma específica: alguns animados, outros com vontade de nem sair das cobertas, alguns melancólicos e até algumas crianças, que estavam animadas para ir à praia, sentirão raiva por não poderem sair de casa. Não dá para acreditarmos que a relação cliente-arteterapeuta sairia impune, né? Para Jung, já na escolha do arteterapeuta, a projeção — que, em relação ao processo terapêutico, chamamos de transferência, já começa a ocorrer. Existe um motivo para o cliente encontrar o gancho em você e não em outros diversos profissionais existentes mundo afora.

Segundo Jung (1875-1961, p. 10):

"Na relação médico-paciente, há, no fundo, dois sistemas psíquicos que se inter-relacionam."

                Logo, quando começamos a atender em nosso setting arteterapêutico, não estamos imunes às transferências do cliente e tampouco a sermos tocados pelas demandas. O inverso também é verdadeiro: o terapeuta não é nenhum ser superior e está vivenciando o processo junto com o cliente. Daí a importância de estarmos em nossas supervisões e, principalmente, também estarmos em terapia.

Quando iniciamos um processo arteterapêutico com um cliente, os egos concordam, mas temos nossos lados inconscientes que também estão em jogo. Em O encontro analítico, de Mario Jacoby, ele nos apresenta um diagrama que nos mostra a complexidade dos encontros terapêuticos.

 



Figura 2 – Fonte: Desenho criativo adaptado do modelo de Mario Jacoby (1984, p. 37).


Nesse mesmo livro, Jacoby diz que, muitas vezes, o paciente se comporta e reage ao terapeuta da mesma forma que reage a todas as pessoas com quem mantém um relacionamento próximo. Em meus estudos com o professor, chegamos à conclusão que a transferência é algo que o cliente projeta em cima do terapeuta (informação verbal¹).

Logo, a contratransferência é a resposta emocional inconsciente e pode ter relação com a transferência do cliente ou até ser questão do próprio terapeuta (informação verbal¹).

Segundo o livro de Jacoby, existem alguns tipos de contratransferência, e perceber nossas emoções, sensações e sentimentos diante de cada cliente pode nos ajudar a compreender melhor os caminhos possíveis dentro das sessões, onde e quando cutucar algumas coisas, onde e quando sustentar e onde e quando não sustentar.

Se não tivesse uma supervisora atenta que me chamasse atenção para isso, talvez eu teria desistido do caso e não teria crescido tanto como arteterapeuta. Não teria percebido que o processo estava sim acontecendo, o Senhor Alfredo não teria sentido-se escutado e Leandra continuaria frustrada.

Arteterapeutas, estarmos atentos a essa dança é também estarmos atentos ao não-palavra, como o nome do blog diz. É um exercício constante de recalcular rotas, de perceber o invisível e nos transformarmos como pessoas e como arteterapeutas.



“O encontro de duas personalidades é como a mistura de duas substâncias químicas diferentes: no caso de se dar uma reação, ambas se transformam” (Jung, 1875-1961, p. 68).

 

E por aí, como esses encontros têm te transformado?

 

Referências Bibliográficas:

¹ Fala do professor Claudio Akira Fujii no curso online de Transferência e Contratransferência em 02 de novembro de 2024.

Figura 1 – Fonte: Bruna Della

Figura 2 – Fonte: Desenho criativo adaptado do modelo de Mario Jacoby (1984, p. 37).

JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. 16ª ed. Vozes, 1961.

JACOBY, Mario. O encontro analítico: transferência e relacionamento humano. 16ª ed. Vozes, 1984.

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Sobre a autora? Bruna Della

AATESP 799/0521




Formação: Arteterapia de Abordagem Junguiana - Universidade de São Caetano do Sul (2023), MBA em História da Arte - Universidade de São Caetano do Sul (2019),  Licenciatura em Artes Cênicas - Faculdade Paulista de Artes (2018), Licenciatura em Letras - Inglês (2024) e Pedagogia (2025) - Centro Institucional de Cursos Educacionais e Profissionalizantes, Tecnólogo em Marketing - Faculdade Descomplica. (2023).

Área de atuação: Arteterapeuta de Abordagem Junguiana com foco em acompanhamento individual e em grupo online e vivências presenciais em São Paulo e ABC Paulista. Atualmente vem focando nos atendimentos de mulheres, em especial jovens adultas e profissionais da educação e artistas de todas as idades. 

terça-feira, 3 de junho de 2025

A ARTETERAPIA NO CONTEXTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL - PARTE II



Por Lucia Palermo - RJ

llpalermo5@gmail.com 

 

 INTRODUÇÃO

 

ARTETERAPIA E A INTERDISCIPLINARIDADE

                A Arteterapia é uma área do conhecimento que propõe a integração das diferentes linguagens e áreas do conhecimento, pois “como se vê no caso da Carta da Transdisciplinaridade (documento elaborado por Freitas, Morin e Nicolescu, em 1994, no primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade [...]) no qual seu Artigo 3 registra que “... transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravesse e as ultrapasse. E neste contexto, a Arteterapia vai interligar arte, criatividade, teorias psicológicas, antropológicas e inúmeros outros campos de conhecimento, ultrapassando suas limitações formais e acadêmicas e criando uma urdidura em que a informação de cada campo completa e é completado pelas outras.” (Phillipini, 2011)

 

ARTE MARAJOARA: mais antiga Arte do Brasil 

 “Segundo os conhecimentos atuais a respeito do passado, o homem surge na história como um ser cultural. Ao agir, ele age culturalmente, apoiado na cultura e dentro de uma cultura [...] cultura são as formas materiais e espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem, nas quais atuam e se comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para a geração seguinte”. (OSTROWER, 2002, P.13)

A Arte dos povos indígenas antes da colonização, ou seja, antes da chegada de Pedro Álvares Cabral, chama-se Arte Pré-Cabralina. Nesse período pré-cabralino dois conjuntos de produção artística se destacam: a fase Marajoara e a cultura Santarém. A fase Marajoara é a quarta das cinco fases em que se dividiu a produção cultural dos povos da ilha de Marajó, a Nordeste do estado do Pará. Esta produção destaca-se sobretudo pela cerâmica, que é conhecida também, por suas cerâmicas decoradas com motivos gráficos, geométricos e figurativos. Suas características são de inspiração na fauna, flora e mitologia indígena da região, representações de animais, humanos, simetria, padrões geométricos, círculos, losangos e triângulos. O Museu de Marajó, localizado em Cachoeira de Arari, no Pará, foi fundado em 1972 por Giovanni Gallo, e atualmente completa três anos de reabertura e ganhará sala de cinema, que além da exibição de filmes, a sala será espaço para palestras, cursos e oficinas, com atividades de segmentos audiovisuais. Até os dias atuais, a Cerâmica Marajoara é produzida, comercializada e exposta, sendo símbolo da identidade cultural da região. A mais antiga arte do Brasil continua a inspirar artistas e designers.

 

A GEOMETRIA, ARTE E A ARTETERAPIA.

“Em Arteterapia com abordagem junguiana, o caminho será favorecer suportes materiais adequados para que a energia psíquica plasme símbolos em criações diversas. Estas produções simbólicas retratam múltiplos estágios da psique, ativando e realizando a comunicação entre inconsciente e consciente”. (PHILLIPINI, 2008)

A Matemática produzida historicamente, objetivando desenvolver o pensamento geométrico, apresenta representações simbólicas, que caracterizam seus aspectos sociais, cognitivos e culturais, e que são parte da evolução histórica do homem desde os primórdios da raça humana. A Arte matemática dos grafismos, simetria e ornamentos decorativos geométricos presentes na Cerâmica Marajoara, de acordo com a BNCC – Base Nacional Comum do Currículo, propõe “nessa unidade temática, estudar posição e deslocamento no espaço, formas e relações entre elementos de figuras planas e espaciais pode desenvolver o pensamento geométrico dos alunos. Esse pensamento é necessário para investigar propriedades, fazer conjecturas e produzir argumentos geométricos convincentes”, representou a base de estudo nas produções em Arte, com cunho Arteterapêutico, desenvolvendo a sensorialidade, sensibilidade, a percepção..., proporcionando assim, a busca do desenvolvimento das habilidades cognitivas de um grupo de alunos Deficientes Visuais cegos e baixa-visão/visão subnormal, na faixa etária de 9 até 21 anos, do Ensino Fundamental/Séries Iniciais, do IBC - Instituto Benjamin Constant, tendo a matéria-prima barro/argila, como recurso tátil, auxiliando no processo da leitura e escrita, e que teve subjacente o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento das habilidades básicas necessárias ao preparo da leitura e escrita, em Braille (sistema de leitura e escrita tátil) e em Tinta (método de escrita tradicional, impressa em tinta, em alto relevo para facilitar a leitura tátil) , através de uma diversidade de noções conceituais de forma concreta, propiciando uma aprendizagem significativa. “Ensinar a uma pessoa uma habilidade nova implica maximizar o potencial de funcionamento de seu cérebro. Isso porque aprender exige necessariamente planejar novas maneiras de solucionar desafios, atividades que estimulem diferentes áreas cerebrais a trabalhar com máxima capacidade de eficiência”. (RELVAS, 2010, p.15).

 

DESENVOLVIMENTO 

A Arteterapia em Educação se difere essencialmente, tanto em sua proposta quanto em sua concepção da aula de Educação Artística, pois o objetivo desta última é a aprendizagem artística, enquanto que o objetivo da Arteterapia é a apropriação de recursos que possibilitem a expressão do sujeito (Sei e Gonçalves, p.103,2010), 

 Em uma obra de arte, ao contemplá-la, observamos muitos detalhes, como as cores, formas geométricas, as texturas, linhas, enfim os elementos da linguagem visual, além das sensações e emoções, que nos transmite. Artistas cujas obras de Arte têm uma forte presença das figuras geométricas: Joan Miró, Paul Klee, Wassily Kandinsky, Beatriz Milhazes, Piet Mondrian .... Nise da Silveira verificou, no seu trabalho junto a esquizofrênicos, no Museu do Inconsciente, que as imagens geométricas revelavam esforços instintivos para acalmar conflitos emocionais, transformando-os em construções estáveis e palpáveis (pela identificação da forma construída”. (Silveira, 1981, p.100 apud Urrutigaray, 2008).

  

TECNOLOGIA E ARTE

            “A tecnologia tem ajudado a tornar a arte mais acessível para pessoas com deficiência visual. Isso pode ser feito por meio de descrições audiovisuais, releituras em alto relevo, impressão 3D e tecnologias vestíveis (também conhecidas como wearables, que são dispositivos eletrônicos que podem ser usados no corpo. Eles podem ser semelhantes a acessórios do dia a dia, como relógios, pulseiras ou óculos)”. (Chat IA,2025)

 

RECONHECENDO E CONHECENDO OBRAS DE ARTE DOO ARTISTA PIET MONDRIAN

Recurso tátil: textura.

Recursos tecnológicos utilizados pelos alunos deficientes visuais do IBC: DOSVOX (é uma série de ferramentas que permite que pessoas cegas interajam com o computador)

 JAWS (é um leitor de tela que permite a pessoa com deficiência visual ler e navegar na internet). Comunicação com o usuário por síntese de voz; editor e leitor de texto; amplificador de tela para pessoas com visão reduzida. (Chat IA) 



Os alunos apresentavam, durante a conversa em grupo, o interesse em aprender Geometria. A interação propiciada pela temática, teve como ponto de partida a vida social e cultural da Cerâmica Marajoara e sua Geometrização, contada de forma contextualizada e assim, em cada encontro era enriquecida a busca do processo de aprendizagem e o desejo deles de construírem suas peças de cerâmica não muito volumosas. O processo de aprendizagem é desencadeado a partir da motivação e que esse processo se dá no interior do sujeito, estando, entretanto, intimamente ligado às relações de troca que o mesmo estabelece com o meio, principalmente, seus professores e colegas, afirma Relvas (2010). Nas situações escolares, o interesse é indispensável para que o estudante tenha motivos de ação para apropriar-se do conhecimento”. Enquanto eu, estagiárias e alunos, trabalhávamos sobre o que poderíamos acrescentar, diminuir, modificar e adaptar de forma a atender, a especificidade de cada um, pois eram de séries diferentes e possibilidades diferenciadas, foi observado as conexões criativas e pedagógicas que eles promoviam no pensamento e exteriorizavam verbalmente, já com autonomia.

 

SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO

“A sensação é o primeiro contato com os estímulos e dá-se através dos órgãos dos sentidos: visão, paladar, audição, olfato e tato. Já a percepção consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos, ou seja, é o processo de organização da informação sensorial. Assim, a percepção é a função do cérebro que atribui significado aos estímulos sensoriais a partir do histórico de vivências do indivíduo”. (Moraes, p.99, 2018) 



  A constante exploração tátil (é um sentido que permite perceber o toque) e sensorial (se refere a todos os sentidos) nos diferentes processos da argila, dos objetos basilares da Geometria e de alguns elementos básicos da comunicação visual/tátil, apresentados inicialmente, foi possibilitando o desenvolvimento da proposta de “Como se aprende de forma concreta? ”  E assim, como afirma Gil (op cit, p.44), “o aprendizado da leitura e da escrita em Braille requer um elevado desenvolvimento das habilidades motoras finas, além da flexibilidade nos punhos e agilidade nos dedos”.

 

ELEMENTOS DA LINGUAGEM VISUAL / TÁTIL NA ARGILA

Após o desenvolvimento sensorial, o conhecimento e reconhecimento da arte Marajoara nas réplicas concretas de peças de cerâmica, os alunos iniciaram a prática dos elementos da linguagem visual/tátil, através do tato. E assim, foram desenvolvidas as adaptações curriculares, que são estratégias que favorecem o desenvolvimento do estudante no contexto escolar de sua escola, considerando suas individualidades, através do princípio de atenção à diversidade, pois nesse aspecto centrado na aprendizagem, a informação é arquitetada e reconstruída continuamente (JOSÉ e COELHO, 1989. In CARLOU, 2019. Desta forma o estímulo sensorial, com a manipulação da argila, experenciando sensações e  desenvolvendo o tônus muscular (para uso da reglete: instrumento criado para a escrita Braille e do punção: é um instrumento em madeira ou plástico no formato de pera ou anatômico, com ponta metálica, utilizado para a perfuração de pontos na cela Braille), propiciaram onde mão e massa se encontraram, e então veio o momento de dar forma.

 

EXPOSIÇÃO INTERATIVA NO IBC/INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT 



 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Considerando que em todos os momentos foi dada ênfase às potencialidades dos alunos e não às dificuldades, foi alcançado na medida de suas possibilidades, a superação de alguns obstáculos e limitações. A percepção da “forma”, realizada com a argila terracota e posteriormente se tornado cerâmica, favoreceu o desenvolvimento e a formação da consciência, tanto no processo arteterapêutico no qual a argila age como um material transformador promovendo o caminho do equilíbrio,  como no pedagógico, pois o desenvolvimento do pensamento geométrico, que gerou representações simbólicas a partir das réplicas da Arte Marajoara produzida pelos alunos Deficientes Visuais, através de estratégias pertinentes à proposta do Projeto/Oficina para o desenvolvimento do processo de alfabetização em Braille e Tinta, caracterizaram os aspectos reflexivos, sociais, cognitivos e culturais que assinalam a evolução dos alunos, e em geral da raça humana.

 

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Ministério da Educação. BNCC- Base Nacional Comum Curricular 

CARLOU, Amanda. Estratégias Pedagógicas para Ensino-Aprendizagem – n.205 –Junho/2018 – mensal – Ano VII. 

GIL, Marta Pires. Deficiência Visual. Caderno da TV Escola. Brasília: Mec. Secretaria de Educação a Distância, N1/20000. 80.;I/(Cadernos da TV Escola. 1.ISSN 1518-4692. 

MORAES, Eliana. Pensando a arteterapia. 1. Ed. – Divino de São Lourenço, ES : Semente Editorial, 2018. 

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. -Petrópolis, Vozes, 1987.

 PHILIPPINI, Angela. Grupos em Arteterapia: redes criativas para colorir vidas/Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

 RELVAS, Marta Pires. Neurociência e educação: potencialidades dos gêneros humanos na sala de aula. 2 ed. – Rio de Janeiro: Wak Ed., 2010.

SEI, Maíra Bonafé .GONÇALVES, Tatiana Feccio C. (Orgs).-São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. (Coleção arteterapia) 

SELENI, Coletti. Matemática: a geometria da arte. NOVA ESCOLA – Maio/2022. https://novaescola.org.br 

https://museus.pa.gov.br/noticia/4/museu-do-maraj

https://museus.pa.gov.br/noticia/125/biblioteca-antnio-landi-no-mep--fonte-de-  pesquisa-no-par

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Sobre a autora: Luigina Lucia Palermo Antas

 


 

Formação:

Arteterapeuta AARJ 672/0515

Graduação em Pedagogia/Licenciatura Plena

Graduação em Educação Artística-Artes Visuais

Pós graduada em Arteterapia em Educação e Saúde

Pós graduada em Psicopedagogia

Formação Clínica em Arteterapia na Clínica POMAR

 

Área de atuação/ Projetos/Trabalho

 Professora de Artes Plásticas/Visuais do Município do Rio de Janeiro, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.

Proponente, coordenadora e docente do Projeto Caminhos Facilitadores do Desenvolvimento Humano – Desenvolvido no IBC / Instituto Benjamin Constant – Integrantes: Equipe de Saúde Multidisciplinar e estagiárias do Curso de Pedagogia da Universidade Veiga de Almeida .

 Publicado no site Instituto Arte na Escola em Relato de Experiência; Publicado no Caderno de Resumo dos Anais do CEDERJ, após conclusão do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva para Professores de Educação Básica/Fundação CECIERJ.

Projeto Todos Somos: Arte e Cultura Africana. Instituto Arte na Escola. Projeto Semifinalista XIX Prêmio Arte na Escola Cidadã. São Paulo. Brasil

Projeto Caminhos Flexíveis para a Aprendizagem. Caminho Educativo percorrido com Abordagem Terapêutica Breve/Junguiana. Rede Municipal de Ensino/RJ. Turmas do Ensino Fundamental/Alfabetização. E.M. Pedro Ernesto/Lagoa/RJ

 

Pesquisa Independente em Arteterapia, Arte e Educação : sem vínculo institucional.

Publicação:

https://nao-palavra.blogspot.com/2024/05/dialogo-do-barro-com-o-processo-de.html

Diálogo com o  Barro com o Processo de Aprendizagem de alunos com Deficiência Visual

terça-feira, 27 de maio de 2025

ESCOLHAS E O MEDO DA FRUSTRAÇÃO - TCC E ARTETERAPIA



Por Juliana Mello - RJ

@vivendotccearte 

Seguindo com o tema escolhas, uma das principais queixas que percebo no consultório é o de fazer uma escolha e esta “dar errado”, não ser exatamente como planejada e isso causar frustração, que é um sentimento super desagradável. No Livro Emocionário podemos encontrar a seguinte definição para frustração: “É o mal-estar e o aborrecimento que nascem quando você não consegue fazer algo que desejava ou quando as coisas não acontecem como você esperava”.

Muitas vezes, as coisas não acontecerem como planejada, não significa que não se alcançou o objetivo, porém o pensamento rígido sobre algo faz com que o nosso foco fique em uma única possibilidade de acontecimento. Muitas vezes não são as escolhas que causam a frustração (“Ah! Se não saiu exatamente como eu planejava, fiz uma escolha errada!”), mas, sim, a forma como reagimos ou interpretamos elas.

O primeiro passo a ser trabalhado na Terapia Cognitivo-Comportamental é naturalizar os sentimentos e o desconforto que alguns podem gerar. Os sentimentos não são nossos inimigos, mas termômetros para nos indicar alguma coisa em determinada situação. E a frustração quer dizer que algo não saiu como planejado ou não aconteceu. Como não ter desconforto com isso? Mas, ao perceber essa emoção, é possível trabalhar na resolução de problemas, com mudanças de estratégias.

Fazer os prós e os contras sobre as situações e, posteriormente, se pensar em quais resultados podem ser alcançados com as escolhas, também ajudam a reduzir o desconforto, caso algum tipo de frustração possa ocorrer. Porém, é importante ressaltar que é na ação que podemos ir analisando as possibilidades.

No início do ano, ocorreu a primeira atividade do grupo Quiron, um grupo voltado para Arteterapeutas, orientado pela Eliana, do  blog “Não Palavra”. Achei a atividade super interessante e nela foi possível perceber alguns pensamentos gerados pela frustração.

A primeira etapa da atividade consistia em escrever 2025 em um papel e recortar. As imagens abaixo foram apresentadas pela Eliana, para exemplificar como poderia ser feito:

 


 


 Aqui, já era possível vivenciar um pouquinho de frustração, pois os números não saíram tão certinhos como eu imaginava. Porém eu poderia escolher continuar, ou parar. Continuei.

 


 O próximo passo foi colar os números em papel A3, na posição que desejasse, como durex ou fita, trazendo cores para o 2025. Minha pintura, inicialmente, começou a “dar errado”, a “borrar”, porque eu não colei os números direito, a forma como eu pintava, em alguns momentos passava por baixo do número. Alguns pensamentos começaram a surgir: “Ixi, não vai dar certo!”, “meus números vão ficar sem forma, pois estão saindo do molde”, “o desenho que eu pensei não vai sair certo.” E eu poderia ter paralisado com o medo de me frustrar com o resultado. Mas percebi meus pensamentos, no instante em que estava realizando a atividade e mudei de estratégia, coloquei mais durex para segurar os números e mudei a direção de como eu pintava. E o resultado foi:

 

                                                                                                

Algumas manchinhas ficaram nos números, porém eu amei o resultado. Coloquei o foco, não no que não tinha saído como eu pensava, mas na conclusão do meu resultado, que gostei muito. A Arteterapia auxiliou na identificação dos pensamentos, de forma lúdica e ativa, permitindo ressignificar e escolher a forma como eu gostaria de agir, auxiliando na flexibilização cognitiva..

Aaron Beck, um dos fundadores da TCC, escreve:

 “Se nosso pensamento fica atolado de significados simbólicos distorcidos, pensamentos ilógicos e interpretações erradas, nos tornamos, de verdade, cegos e surdos.”²

 

 

Bibliografia:

² As 8 melhores frases de Aaron Beck. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/as-8-melhores-frases-de-aaron-beck/ Acesso em 30/01/2025.

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Sobre a autora: Juliana Mello



Psicóloga, Arteterapeuta e Coach

Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia

Palestras e Workshop motivacionais.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS COMO RECURSO ARTETERAPÊUTICO





Por  Erika Coracini - SP

 erikacoracini22@gmail.com

 @erika.coracini

A contação de histórias tem permeado os percursos arteterapêuticos conduzidos por mim: a história narrada como ponto de partida para uma criação artística, e para o reconhecimento e a elaboração de um sentimento ou de um conflito em questão. 

Quem ouve histórias imagina os personagens e as situações de acordo com as experiências que já vivenciou. O sujeito se projeta nas situações vividas pelas personagens, e através desta projeção consegue identificar sentimentos e reações suas na história contada. Assim, o sujeito tem maior facilidade em elaborar e em expor seus sentimentos, seja pela palavra ou por imagens simbólicas. 

Segundo Bonaventure (1992), os contos nos mostram como os personagens processaram conflitos como os da infância, da adolescência, os grandes problemas da existência, e como a sabedoria popular os resolve. Há como que um encantamento, um efeito observável e também misterioso, vindo de sua linguagem mágica. 

As histórias e contos representam o universo simbólico e os problemas da humanidade, pois trazem sentimentos, conflitos e inquietações que permeiam o pensamento de todos: cada história apresenta, através da narrativa do personagem, uma maneira de resolver esses conflitos e assim humaniza os desafios vividos por todos. 

É com este intuito que a história está presente no setting terapêutico: o paciente se reconhece e através da materialização artística proposta em seguida, pode elaborar como aquela história perpassa sua vida e seus conflitos. A possibilidade do sujeito se identificar e a percepção de não estar sozinho, alivia e impulsiona o sujeito a elaborar e encontrar caminhos para si. 

“Outro aspecto importante a ser destacado, quanto aos benefícios do uso terapêutico dos contos ou histórias infantis, é a melhora na comunicação e capacidade de expressão, à medida que as narrativas auxiliam o processo cognitivo de construção do verbal, levando as crianças a criarem suas próprias histórias, enriquecendo a vida imaginária, ampliando assim, as possibilidades de representar afetos e conteúdo emocional. “ (MARTINS, 2020, p. 17) 

Ler e ouvir histórias faz o sujeito pensar em si mesmo, muitas vezes entrando em contato com sentimentos e conflitos difíceis de lidar. Segundo Perrow (2013, p. 16), as histórias são poderosas pois trazem à tona emoções internas e questões presentes em todas as pessoas, seu trabalho é invisível, sem se darem conta as pessoas identificam-se e transformam-se junto com as personagens e o enredo da história. 



O livro Vestido de Menina de Tatiana Filinto e Anna Cunha por exemplo, tem proporcionado boas vivências terapêuticas na minha clínica. O livro conta a história de uma menina que tem um vestido feito de muito fios diferentes, durante a história ela vai se dando conta que os fios nasciam de conversas ouvidas na sua casa, fios ora compridos, ora truncados, fios nascidos nas gargalhadas do dia a dia familiar, alguns grossos e cheios de nós, e assim, pouco a pouco seu vestido foi crescendo junto com ela, e a menina vai se dando conta que alguns fios pesados não são dela, percebe que às vezes seus fios se emaranham nos fios de outras pessoas, e por fim, a menina, crescida, se dá conta de que pode se tornar ela mesma a narradora da história dos fios que compõem o seu vestido. 

A primeira pergunta que o livro nos traz é “com quantos fios se faz uma história?”. A partir desta pergunta, propõe-se que cada um escolha um fio comprido que representa a sua própria história, em seguida, vem o convite para se dançar com o fio da história de cada um, até que o fio trace um caminho numa folha de papel. Quase sempre o fio ganha alguns nós durante a dança. O caminho/fio é observado pelo paciente e ele escolhe um trecho para representar uma cena de sua história pessoal. E assim, o paciente se apresenta à partir daquela memória. 

Essa história reaparece instigando outras perguntas no setting: “quais fios carregamos que não são nossos?”; ou “ como a história da minha infância foi compondo o vestido que eu uso para estar no mundo?; ou “como podemos pegar nas mãos este fio e sermos enfim narradores da nossa própria história?” Assim, cada paciente vai trazendo seu olhar, e cada pergunta vai trazendo novas perguntas para o processo terapêutico. 

Através da Arteterapia embalada por histórias, é possível revelar e desbloquear o potencial criativo do paciente e estimular sua capacidade de identificar e expressar suas emoções. Assim, mesmo diante da dificuldade de acessar o afeto e a entrega, as histórias trazidas, propõem aos pacientes um exercício de autorregulação e gerenciamento dos inúmeros sentimentos que vivenciam todos os dias. 

De acordo com Perrow (2013), na elaboração de histórias, as metáforas surgem contribuindo para uma construção de uma ponte com a imaginação do ouvinte, integrando os estados de desequilíbrio e desconforto, como também os de equilíbrio, reconfortantes. 

“O próprio enredo constrói a “tensão” conforme a história se desenvolve, levando a trama para dentro ou através do comportamento “desequilibrado” e novamente para fora, na direção de uma solução integral e positiva (que não induz à culpa).” (PERROW, 2013, pg 16) 

A escuta e contação de histórias, a elaboração de narrativas, o espaço de fala, e as produções a partir dos inúmeros instrumentos arteterapêuticos que podem ser utilizados durante as sessões, oferecem recursos para que os pacientes elaborem seus sentimentos, reconhecendo seus espaços de dor, para que se possa percorrer os caminhos e vislumbrar dissoluções de conflitos. 


Bibliografia 

BONAVENTURE, Jette. O que conta o conto? São Paulo: Editora Paulus, 1992. 

DUCHASTEL, Alexandra. O Caminho do Imaginário: O Processo de Arte-terapia. Paulus Editora; 1ª edição (1 dezembro 2010). 

MARTINS. Tatiane Terres. A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS NO PROCESSO ARTETERAPÊUTICO DE CRIANÇAS ABRIGADAS - Revista Arteterapia Cores da Vida, Ano 16 - Volume 27 - Número 2 - Julho – Dezembro - 2020 

PERROW, Susan. Histórias Curativas para Comportamentos Desafiadores Ed. Antroposófica. 2ª edição 2013. 

URRUTIGARAY, Maria Cristina - Arteterapia - A transformação pessoal pelas imagens. - Maria Cristina - Ed. Wak - 6ª edição – 2023.

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Sobre a autora: Erika Coracini



 Arteterapeuta, atriz, arte

 educadora, contadora de histórias e mãe.

 Especializou-se em Arteterapia no Instituto Faces, onde também cursou Orientação e Arteterapia Familiar. Em formação de Análise Bioenergética pelo IABSP. Formada pela ECA/USP, Mestra pela USP sob o tema “Jongo e Teatro – Leitura de Princípios Performáticos da Festa”. Foi docente da Escola Superior de Artes Célia Helena. É fundadora do grupo Tá na Boca do Conto. Realiza vivência corporais,  atendimentos individuais e grupais emArteterapia.


segunda-feira, 12 de maio de 2025

A ARTETERAPIA E A DOENÇA DE ALZHEIMER - RELATO DE EXPERIÊNCIAS

 


Por  Anderson Amaral RJ/CE 

 

Para contextualizar a Doença de Alzheimer é possível dizer que trata-se de uma crise global de saúde, pois tem afetado mais de 55 milhões de pessoas em todo o mundo, conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2024). Trata-se de uma condição neurodegenerativa progressiva e sem cura, mas que pode ser gerenciada por meio de abordagens terapêuticas diversas. Dentre essas, destacam-se as intervenções farmacológicas, como os inibidores da acetilcolinesterase e moduladores do glutamato, além das não farmacológicas, como exercícios cognitivos, musicoterapia, terapia assistida por animais e Arteterapia.

A Arteterapia, em particular, tem sido amplamente estudada por seu potencial em estimular funções cognitivas, promovendo o bem-estar emocional e fortalecendo a socialização de pessoas com Doença de Alzheimer (EMBLAD; LADINSKA, 2021). É uma intervenção valiosa que visa aprimorar não apenas o aspecto cognitivo, mas também o afetivo e social dos participantes.

As Oficinas de Arteterapia

As oficinas tiveram como objetivo apresentar a Arteterapia como uma intervenção integrativa, buscando o aprimoramento cognitivo, afetivo, motor e social dos participantes, além de promover o controle do humor, o bem-estar e a qualidade de vida. Utilizamos técnicas expressivas e nutrição imagética por meio de movimentos artísticos, promovendo a expressão pessoal, o autoconhecimento e o equilíbrio emocional, com base nos princípios da Arteterapia e seus principais representantes.

Durante os 12 encontros, foram abordadas as obras e técnicas de artistas renomados, como Jackson Pollock, Henri Matisse e Vincent Van Gogh, para público masculino, ou seja, homens com idades variando de 71 a 85 anos e com diagnóstico de Doença de Alzheimer.

Cada sessão começava com uma técnica de relaxamento, visando organizar emocionalmente os participantes e despertar sua atenção. Após isso, era projetado um vídeo com as principais obras do artista da sessão como estratégia de nutrição imagética, acompanhado por músicas suaves. Em seguida, realizavam-se as intervenções arteterapêuticas, onde os participantes eram incentivados a expressar-se livremente.

 Encontro com Vincent Van Gogh: "O Quarto em Arles" e "A Noite Estrelada"



No oitavo encontro, o foco foram as obras de Van Gogh. Como parte do processo de nutrição imagética, foi exibido um vídeo com as principais obras do artista, acompanhado da música "Starry, Starry Night", interpretada por Lianne La Havas. Após a projeção, dois quadros de Van Gogh foram apresentados: "Noite Estrelada" e "O Quarto em Arles - 2ª versão".

Os participantes foram convidados a observar e contemplar as imagens das obras. Em seguida, receberam versões em branco dos desenhos e puderam escolher uma para pintar livremente. Todos optaram por "O Quarto em Arles" e, para a execução da atividade, foram disponibilizados lápis de cor e giz de cera. Essa diversidade de materiais permitiu que cada um selecionasse a opção mais adequada à sua pegada, proporcionando maior conforto e acessibilidade, especialmente para aqueles com distúrbios de movimento ou dificuldades articulares.

Para garantir um processo criativo livre de influências externas, a imagem do quadro "O Quarto em Arles" foi retirada do telão antes do início da pintura. Após a conclusão da atividade, os participantes foram convidados a refletir sobre a escolha da obra, explorando as sensações, emoções e memórias despertadas, além de observarem o resultado de seus trabalhos. Esse momento possibilitou uma conexão mais profunda com o processo criativo, permitindo que cada um se reconectasse com seus próprios sentimentos e vivências.

Observações e Reflexões sobre as Reações dos Participantes

As emoções mobilizadas durante a sessão terapêutica foram predominantemente de alegria, bem-estar e afeto, evocando lembranças positivas da infância e da relação com os filhos. No entanto, a reação à obra "A Noite Estrelada" foi diferenciada, despertando sentimentos de tristeza e incômodo, principalmente devido à sensação do cair da noite, associada pelos participantes a um desconforto emocional. Esse foi o principal motivo para a não escolha dessa obra na hora de realizar o trabalho plástico.

Esse relato ganha relevância quando analisado à luz da literatura sobre a Síndrome do Pôr do Sol, uma condição frequentemente observada em pessoas com Doença de Alzheimer. É um fenômeno clínico de grande significância e amplamente disseminado entre pacientes com demência, resultando em um sério fardo para os cuidadores. Sua prevalência atinge mais de 60% em alguns estudos. A síndrome se manifesta com inquietação, agitação, irritabilidade ou confusão, especialmente no final da tarde e início da noite (REIMUS; SIEMINKI, 2025).

A predominância de tons frios e a movimentação expressiva das pinceladas de "A Noite Estrelada" podem ter potencializado essa percepção emocional. Cores como o azul intenso e o preto, combinadas à dinâmica das formas no céu, podem evocar sensações de melancolia e introspecção, aprofundando a conexão entre a obra e os sentimentos dos participantes.

A Experiência com "O Quarto em Arles"

Em contraste com outras obras, "O Quarto em Arles" proporcionou uma experiência emocionalmente oposta, transmitindo sensações de acolhimento, conforto e tranquilidade. A obra, com seus tons quentes de amarelo e laranja, criou uma atmosfera aconchegante e segura, evocando um ambiente intimista e acolhedor. Para muitos participantes, a pintura despertou profundas memórias afetivas, remetendo aos quartos de sua infância, às casas onde viveram ou aos quartos de seus filhos. Esse resgate emocional fortaleceu o senso de familiaridade e pertencimento, tornando a experiência visual mais reconfortante e prazerosa.

Algumas das frases evocadas pelos participantes incluíram:

"Esse quadro me fez lembrar da minha época de infância, onde morava em um quarto simples como esse, mas repleto de amor."

"O quadro me fez recordar da época de infância de meus filhos."

"Esse quadro me lembrou do quarto da minha avó, onde eu costumava ir aos finais de semana quando era criança."

"Lembro-me do quarto da minha mãe, que era o espaço onde nos reuníamos para conversar, trocar carinho e histórias."

Essas reações destacam como essa obra de Van Gogh, com sua simplicidade e acolhimento, foi capaz de resgatar memórias afetivas significativas, proporcionando uma sensação de conforto e pertencimento aos participantes.

Conclusão

Relatos como estes enfatizam ainda mais o potencial transformador da Arteterapia no contexto da Doença de Alzheimer, destacando como essa abordagem pode promover o bem-estar emocional e cognitivo dos pacientes. As intervenções arteterapêuticas, exemplificadas pela utilização das obras de Van Gogh, mostram como a arte facilita o resgate de memórias afetivas, proporcionando uma sensação de acolhimento e tranquilidade. Ao estimular a percepção sensorial e a expressão emocional, a Arteterapia contribui significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

Esta experiência também reforça que, por meio da contemplação e da criação artística, a Arteterapia possibilita uma conexão profunda com as memórias pessoais e permite que os pacientes explorem suas emoções. As reações dos participantes às obras de Van Gogh ilustram a importância de personalizar as intervenções arteterapêuticas, ajustando-as às necessidades emocionais de cada indivíduo, uma vez que diferentes obras podem gerar respostas emocionais variadas.

Além disso, exemplos como o programa do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que utiliza a arte como ferramenta de estimulação cognitiva para pessoas com Alzheimer, demonstram o impacto positivo da arte na promoção da criatividade e no fortalecimento da identidade e dignidade dos pacientes. Dessa forma, a Arteterapia não apenas ressignifica a vida dos pacientes, mas também cria momentos de conexão emocional e bem-estar, favorecendo o autoconhecimento e a socialização.

Obs: Relato de experiência faz parte do pré-requisito para a conclusão da Formação em Arteterapia do Espaço Psi, no Rio de Janeiro, sob a coordenação e supervisão da Arteterapeuta Naila Brasil. 


Referências bibliográficas:

EMBLAD, S.Y.M.; LADINSKA, M. Creative Art Therapy as a Non-Pharmacological Intervention for Dementia: A Systematic Review. J Alzheimers Dis Rep. 2021. Disponível em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8203286/

MUSEU DE ARTE MODERNA DE NOVA YORK (MoMA). História do Projeto Alzheimer do MoMA. Disponível em https://www.moma.org/visit/accessibility/meetme/resources/index_sp.html?utm_source=chatgpt.com#history_sp

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Mês Mundial do Alzheimer 2024: é hora de agir pelas pessoas com demência. 2024. Disponível em https://www.paho.org/pt/noticias/9-9-2024-mes-mundial-do-alzheimer-2024-e-hora-agir-pelas-pessoas-com-demencia

REIMUS, M.; SIEMINSKI, M. Sundowning Syndrome in Dementia: Mechanisms, Diagnosis, and Treatment. Journal of Clinical Medicine. 2025. Disponível em https://www.mdpi.com/2077-0383/14/4/1158

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Sobre o autor: Anderson Amaral



Arteterapeuta, Mestre em Saúde e Tecnologia, Pós-graduado  em Geriatria e Gerontologia, Pós-graduado em Neurosicologia com ênfase em Reabilitação Cognitiva, Pós-graduado em Neurociência e Longevidade.  Professor da Oficina de Estimulação Cognitiva do UNATI/NucEH/UERJ, Membro do Projeto de Extensão Terapias Não Farmacológicas na Atenção à Saúde do Adulto e do Idoso UNIRIO, Pesquisador e Colaborador do projeto “Estimulación Cognitiva en Adultos Mayores Frank País Cuba e Professor da Pós-graduação em Gerontopsicomotricidade (Associação VemSer).

Autor dos livros: Jogos Cognitivos: Um Olhar Multidisciplinar; Jogos de Estimulação Cognitiva e Motora; Animada (Mente) Estimular através do jogo (Portugal); Diferentes Perspectivas da Animação e do Envelhecimento (Portugal); Envelhecimento como Perspectiva Futura (Portugal); Diálogos em Gerontologia – UnATI/UERJ; Tratado de Jogos de Regras e Manual de Telerreabilitação Cognitiva pós-COVID.

Autor dos E- books: Jogos & Atividades Psicomotoras; Estimulação Cognitiva pós-COVID, Os Benefícios das Atividades Físicas para um Envelhecimento Saudável; Terapias Mente & Corpo em Gerontologia; Teleoficinas: Exercícios Cognitivos UNIRIO; Arte & Ludicidade: Teleoficina Atendimento Remoto (UnATI/ UERJ), Programa de Animação Terapêutica (Portugal), Gerontoteca: Espaços Terapêuticos e Tele-Estimulação Cognitiva.

Coautor dos Livros: Estimulação Cognitiva para idosos: ênfase em Memória