segunda-feira, 3 de julho de 2023

O PROCESSO CRIATIVO DO ORIGAMI EM ARTETERAPIA E A COLETA DE DADOS



Por Isabel Pires - RJ

bel.antigin@gmail.com 

            Em meus textos anteriores mais recentes aqui no blog, venho falando sobre o uso do origami nas práticas da Arteterapia. Entre as várias características desta técnica, expus a questão da praticidade e acessibilidade do papel, o trabalho com a atenção plena, a coordenação motora, a disciplina, os limites, entre vários outros aspectos. Como fundamento da utilização da arte de dobrar, abordei a amplificação simbólica e a metáfora. E mencionei a importância do processo criativo no setting arteterapêutico e a coleta de dados, temas do meu texto de hoje.

            Em qualquer processo terapêutico, a observação atenta do cliente/paciente por parte do terapeuta é fundamental. Desde o primeiro encontro, tudo o que se nota sobre o cliente/paciente, desde a sua vestimenta até a forma como nos cumprimenta, por exemplo, serão dados relevantes que nos contarão sobre ele e farão parte da coleta de dados. Em Arteterapia, essa observação se ampliará e irá contar com o processo de criação da imagem. No processo de criar, o cliente/paciente espelha a sua psique naquilo que produz. Além disso, sua expressão corporal, à qual também devemos atentar, demonstra igualmente sua forma de atuar na vida. Aqui, cabe reforçar o quanto o papel do arteterapeuta neste momento é fundamental, pois a observação acurada do cliente/paciente contará sobretudo com a experiência, a sensibilidade e a capacidade do profissional de Arteterapia. Neste sentido, o arteterapeuta não apenas conduz o processo criativo, mas sobretudo o acompanha, buscando compreender, a todo instante, a forma como seu cliente/paciente se expressa. Assim, segundo Pires (2020): “Por intermédio da sua escuta sensível e de seu olhar atento, o arteterapeuta capacitado convida o indivíduo a explorar suas criações artísticas para a conscientização de conteúdos até então desconhecidos, que podem, assim, ser elaborados, integrados e trabalhados com autonomia pelo próprio paciente”.

            Para exemplificar, cito o caso de um atendimento individual, no qual convidei uma paciente a criar uma gaveta de origami. Escolhi um modelo com puxador (ver imagem abaixo). Há tempos eu sentia que essa paciente guardava algo de mim, até que, finalmente, a metáfora da gaveta apareceu em sua fala e pude propor a criação da dobradura da gaveta com puxador. Então, não foi de grande surpresa para mim, quando, mesmo com o modelo proposto, ela simplesmente resolveu não fazer o puxador (dobrou-o para dentro). E isso abriu espaço para que eu pudesse pontuar para ela o quanto eu a sentia resistente na terapia. Pouco tempo depois, ela acabou contando algo relevante de sua história de vida, que estava “guardado” no fundo de sua gaveta psíquica.

        


            Segundo Moraes (data), o agir criativo representa uma forma de o paciente vivenciar-se no fazer. E é nesse vivenciar que ele poderá se reinventar, descobrir-se de novas formas, desenvolver sua capacidade criativa e sua autoestima. Na maneira como se expressa na imagem, podemos percebê-lo nas linhas, formas, cores, ritmo e linguagem corporal. Cabe ao arteterapeuta saber observar a imagem produzida de variadas maneiras, em diversos ângulos, sob diferentes níveis, para compreensão do momento do cliente/paciente. A intuição do arteterapeuta, sua experiência clínica, a avaliação objetiva e subjetiva das formas presentes na imagem e o próprio sentido que o cliente/paciente dá às suas produções artísticas nos fornecerão dados indispensáveis sobre o funcionamento do mundo interior do indivíduo e de suas dinâmicas inconscientes. Esse momento de coleta de dados através da imagem e, também, do processo criativo de produção dessa imagem representa uma especificidade da Arteterapia, que dá ao arteterapeuta uma ferramenta a mais na compreensão da psique de seu cliente/paciente.

            No uso do origami, durante o processo criativo, podemos observar muitas características dos nossos clientes/pacientes. Por exemplo, no caso da paciente citada acima (a das gavetas sem puxador), enquanto fazia a dobradura, notei que parecia irritada e impaciente. Mesmo assim, ela fez tudo até o fim sem reclamar, uma característica própria sua. Quando acabou de fazer o origami, pude sinalizar para ela essa minha observação, o que lhe permitiu falar sobre sua irritação, o que normalmente não consegue fazer no seu dia a dia. Eu havia escolhido o origami exatamente por saber que uma pessoa ansiosa como ela provavelmente se irritaria com as etapas lentas do processo de produção da dobradura.

            Resumindo o que foi dito até aqui: a coleta de dados é feita durante o processo criativo, o qual se constitui em ferramenta útil e fundamental para o arteterapeuta, para ampliar o entendimento da dinâmica psíquica do cliente/paciente. Assim, muitas vezes mais importante até do que a imagem criada, o processo de criação revela a forma como o cliente/paciente interage com o ambiente e projeta conteúdos inconscientes na sua expressão artística. E todo esse processo será acompanhado pelo arteterapeuta, o que demonstra o papel fundamental desse profissional no setting arteterapêutico. Daí decorre a necessidade de capacitação do arteterapeuta, para que possa entender as mensagens implícitas na conduta e na criação artística do indivíduo que busca a sua ajuda.

            Com a clara compreensão do valor do processo criativo e da coleta de dados, podemos agora refletir sobre esses temas no uso do origami em Arteterapia. Conforme exemplifiquei acima, pode-se observar, na maneira como o indivíduo reage à arte da dobradura de papel, se ele é ansioso ou não, como reage aos limites (linhas/dobraduras) e ao desafio de algo aparentemente complexo e desconhecido (na verdade, a dobradura de papel não é totalmente desconhecida, pois faz parte da infância, com modelos mais simples como o barquinho de papel e o chapéu de soldado). É possível notar, ao longo do processo, como está sua capacidade de controle dos movimentos e de concentração, seu nível de paciência/impaciência com as etapas da dobradura e sua reação face aos passos mais difíceis ou complexos.  Com que firmeza marca os vincos? (qual a sua firmeza na vida, como deixa a sua marca naquilo que faz?) É caprichoso ou desleixado? Desiste na primeira dificuldade ou insiste e vai até o fim? Como reage à sua conquista? Consegue entrar em contato com a sua criança interior e sua ludicidade? É algo que lhe ativa prazer ou desprazer? Como está a sua noção de equilíbrio e organização espacial?

            Um último exemplo que darei hoje sobre a coleta de dados com o origami refere-se a um caso pessoal. Na primeira vez que fiz a dobradura da casa 3D, a parede à minha direita ficou meio torta, caída. Imediatamente, isso me remeteu à minha escoliose, que me faz pender para a direita. E me lembrei do quanto a metáfora da casa em Psicologia nos remete ao corpo, além contribuir para  análise da personalidade do sujeito, que também podemos aplicar na casa montada pelo nosso cliente/paciente em origami.

            Conforme explico em textos anteriores, o uso do origami no setting arteterapêutico tem feito parte da minha prática clínica de forma experimental. Percebo na técnica da dobradura de papel muitas possibilidades e propriedades favoráveis à coleta de dados no processo criativo. Tenho escolhido dobraduras mais simples num primeiro contato do cliente/paciente, que podem passar a outras um pouco mais complexas, ao longo do processo. Quando isso é possível, vejo que há uma evolução no uso da técnica, da mesma forma que a prática do bordado ou do crochê vai facilitando seu uso. Na amplificação simbólica, conforme explica Philippini (2013, p. 21), para “aumentar a possibilidade de compreensão do significado de um símbolo”, pode-se trabalhar com uma multiplicidade de modalidades expressivas ou no aprofundamento de uma só modalidade. Se optarmos por este último caso, o uso aprofundado do origami permitirá, por exemplo, maior facilidade de lidar com as etapas e as dobras e facilitará um maior desenvolvimento da coordenação motora, da concentração e da atenção plena. Isso é particularmente verdadeiro em grupos arteterapêuticos que possam focar no origami. E, neste caso, o uso do origami modular (técnica que utiliza várias dobraduras, em cores iguais ou diferentes, que se encaixam umas nas outras, formando uma outra figura) me parece particularmente interessante. Estou começando, na clínica individual, experiências com o origami modular e, mais à frente, pretendo falar desse processo em novo texto, que compartilharei aqui com vocês.

           

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

PIRES, I. Particularidades da Arteterapia. Não-palavrablogspot, 2020. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=particularidades+da+arteterapia. Acesso em: 26/06/23.

MORAES, E. A arte como instrumento em grupos terapêuticos. Não-palavrablogspot, 2016. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=agir+criativo. Acesso em: 26/06/23.

PHILIPPINI, A. Para entender a Arteterapia: Cartografias da Coragem. 5ª edição. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

 

_____________________________________________________________________________

Sobre a autora: Isabel Pires




·         ARTETERAPEUTA

·         PSICÓLOGA CLÍNICA

·         ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA JUNGUIANA

·         PROFESSORA DE INGLÊS E FRANCÊS

·         FORMADA EM ANTIGINÁSTICA ®THÉRÈSE BERTHERAT

·         FORMADA EM JORNALISMO

 

ATENDIMENTOS INDIVIDUAIS E EM GRUPO (ONLINE/PRESENCIAL)


E-MAIL: BEL.ANTIGIN@GMAIL.COM

INSTAGRAM: @ISABELPIRES.ARTEPSI

2 comentários:

  1. Obrigada, Isabel por compartilhar mais um texto excelente! Realmente é incrivel o quanto o origami pode desvelar e revelar conteúdos que talvez de outra maneira poderiam não surgir. Gostei especialmente sobre a coleta de dados pela ampliação importante e este chamado a prestar ainda mais atenção aos detalhes da própria atividade, da maneira como é feita, as implicações do processo e o resultado. Muito bom mesmo! Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Tânia! Use o origami na sua coleta de dados e depois me diga. Beijos

    ResponderExcluir