segunda-feira, 27 de março de 2023

MITOS E AUTOCONHECIMENTO: ARTETERAPIA E TCC

 Por Juliana Mello – RJ

entrelinhas.artepsi@gmail.com 

“Há de se falar, mas também entrar em contato com algo que está além do organismo desorganizado, que é o Ser profundo dessa pessoa”. (LELOUP, 2021, pg. 28)

Muitas pessoas procuram atendimento com queixas específicas, mas no decorrer do percurso percebem que precisam melhorar seu autoconhecimento, desenvolvendo a capacidade de olhar verdadeiramente para si e aprimorar seus questionamentos sobre seus sentimentos, pensamentos e comportamentos diante das diversas situações da vida.

Desenvolver o autoconhecimento é importante, pois nos faz repensar sobre nossos padrões de funcionamento, nossas crenças e nos traz a opção de escolher fazer diferente, a partir do momento que tomamos consciência de quem somos, do que queremos, gostamos. Nos traz de volta ao nosso processo de individuação, nos possibilitando ressignificar o que nos incomoda, limita e paralisa.

Como repertório para nossa autoanálise, neste texto quero referenciar dois mitos Gregos, que manifestam simbolicamente nossos padrões disfuncionais e, muitas vezes, rígidos.

“E que o tempo seja o grande devorador até das coisas essenciais, pois a tudo devora, mas a memória dos mitos nos preservará”. (VASQUES, 2015, pg 6)

Mito de Narciso

Da mitologia grega, Narciso era um caçador, que fascinado pela própria beleza, desprezava todas as pretendentes. Ele preferia viver só, pois não encontrava ninguém à altura que pudesse corresponder ao seu amor. Uma ninfa, chamada Eco, ao ter seu amor desprezado, procura a deusa da Vingança Nêmesis, que lança sobre ele a maldição de que que se apaixonará, mas não será correspondido.

Ao ser atraído, pela ninfa Eco para uma fonte, viu seu reflexo na água cristalina e ficou completamente encantando pelo que viu. Não percebeu que a imagem era seu próprio reflexo e não conseguindo possui-la, passou dias sem comer e nem beber admirando a imagem na fonte, e morreu.  

Mito de ECO

Também da mitologia grega, Eco era uma ninfa da montanha, que adorava a própria voz. E como sua voz era bela, conseguia manter uma pessoa entretida durante muito tempo.

Hera, ao desconfiar das traições de Zeus, vai em sua procura e Eco ficou com o papel de entreter a deusa, para que ele pudesse fugir. Quando Era descobre que foi enganada pela Eco, amaldiçoa a ninfa, que passa a repetir somente a última palavra de qualquer conversa, não conseguindo mais iniciar uma conversa.

 

Mas o que esses dois mitos têm a ver com autoconhecimento?

“Os mitos narram experiências que têm sido vividas repetidamente por toda história da humanidade, retratam a grande experiência interna que é o processo de individuação” (DINIZ, 2014, pg. 18)

Muitas vezes tentamos encontrar respostas para nossos questionamentos pessoais externamente, nas fontes de águas que parecem cristalinas: ficamos focados em situações, pessoas, circunstâncias, memórias e não agimos para mudar o que está nos incomodando. Não percebemos que as respostas estão no nosso reflexo, isto é, dentro de nós.

Em muitos casos também, não procuramos ajuda de profissionais que podem ajudar a sair desse estado de hipnose, que podemos identificar na TCC como a distorção cognitiva de Atenção Seletiva, onde permanecemos no que está disfuncional. E acabamos por morrer simbolicamente nesta situação, isto é, gastamos nossa energia psíquica e emocional em algo que aparentemente está fora, mas que é interno, através da crença “eu consigo sozinho”, por exemplo.

E, olhando para o reflexo no lago, repetimos nossos padrões de comportamento, como um eco, que começam a surgir desde a infância e vão ecoando ao longo de nossas vidas, sendo repetidos em diversas situações e momentos diferentes. Passamos a ter os mesmos resultados, mas ficamos tão fixos no externo ou no problema, que não reparamos que repetirmos as mesmas atitudes e mantemos os pensamentos, não ressignificando as nossas experiências internas e externas.

E como podemos trabalhar a ampliação desse olhar?

Em TCC podemos identificar os pontos fortes, os pontos a melhorar, desenvolver habilidades interpessoais, identificar crenças e padrões de funcionamento, dentre outras coisas, para ampliar o repertório diante do dia a dia e da vida.

E quando estamos tão fixados em nossos lagos e nossos ecos, que não conseguimos nos perceber? Podemos trabalhar a Arteterapia.

“Os símbolos são parte do processo de autoconhecimento e transformação, vão aonde as palavras não pisam, alcançam dimensões que o conhecimento racional não pode atingir. Conectam a essência de cada ser [...], apontando o rumo que a energia psíquica segue”. (DINIZ, 2014, pg. 13)

Com atividades lúdicas, é possível trabalhar a percepção que a pessoa tem de si mesma, no processo de dar-se conta do seu funcionamento, ampliando o repertório pessoal e o fortalecimento de si, para posteriormente flexibilizar e ressignificar suas escolhas, pensamentos, comportamento, resultando em uma maior inteligência emocional e qualidade de vida.



Como exemplo de atividades que podemos trabalhar essa autopercepção são o acróstico e a mancha do nome, onde, de forma intuitiva e projetiva, é feito um autorretrato simbólico da pessoa.

Para não expor os pacientes, apresentarei o trabalho inicial com o meu nome, em vivências arteterapêuticas pessoais, e os conteúdos simbólicos foram feitos em atendimento por pacientes.

O primeiro acróstico foi feito através da escrita, de forma intuitiva, o segundo como colagem, através de palavras encontradas em revistas. As palavras das revistas foram recortadas conforme iam chamando a atenção do olhar, acreditando assim, na sincronicidade da vida.            

 A segunda atividade, a Mancha do Nome, foi realizada em um grupo de meninas, que possuem algum comprometimento cognitivo, direcionado por mim e pela psicóloga e arteterapeuta Sheila Leite. Aqui, não entrarei em detalhes sobre as questões das pacientes, mas apresentarei o resultado simbólico da atividade.





Dobramos um papel ao meio, escrevemos o nome e recortamos seguindo o contorno da escrita, sem recortar a parte inferior. Em seguida abrimos, e cada uma percebe a imagem que apareceu, de forma inconsciente e significativa.

Nos trabalhos apresentados foram, respectivamente, uma dualidade de emoções, uma porta e uma cabeça cheia de pensamentos. Cada uma pode expressar de uma outra forma, conteúdos que as palavras não davam conta.

Nas duas técnicas apresentadas acima, é possível perceber que o olhar fixo para o lago e a repetição de comportamentos. No acróstico, por exemplo, as pessoas extrovertidas (no sentido junguiano) costumam olhar no entorno procurando palavras para completar sua atividade. Não é raro escutar: “Não consigo encontrar nada”, e assim, peço para respirar e buscar dentro de si. São também pessoas que buscam se encaixar no perfil do outro, ecoando essas buscas em várias áreas de sua vida.

Na mancha do nome, peço para que digam o que a imagem representa para si, o que significa, o que encontra. Também não é raro o significado ser o que a pessoa pensa sobre si mas não se dá conta, ou algum comportamento que se repete. Por exemplo, a imagem da porta foi representada por uma pessoa que fica dentro do seu quarto, não olha para si, e lamenta que outras pessoas não a deixam fazer nada, revelando um olhar para fora, uma espera do outro, que precisa começar com ela mesma. Através desse espelhamento, a paciente pôde se ressignificar ao dar-se conta de sua própria imagem.

 

Bibliografia:

DINIZ, Ligia. Mitos e arquétipos na arteterapia: rituais para alcançar o inconsciente. Rio de Janeiro: Wak editora, 2ª edição, 2014.

LELOUP, Jean-Yves. Uma arte de cuidar: estilo alexandrino. Petrópolis: Editora Vozes, 4ª edição, 2021.

Mito de Narciso. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~labfil/mito_filosofia_arquivos/narciso.pdf Acesso em: 14/03/2023.

VASQUES, Marciano. O voo de Pégaso e outros mitos gregos. São Paulo: editora Volta e Meia, 2ª edição, 2015.

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Sobre a autora: Juliana Mello

Psicóloga, Arteterapeuta e Coach

Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia

Palestras e Workshop motivacionais.

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