segunda-feira, 3 de outubro de 2022

NO MEIO DA MEIA IDADE VEIO A MENOPAUSA: COMO A ARTETERAPIA PODE AJUDAR?


Fotos do grupo Autocuidado: Mulher 45+, para mulheres no climatério


Por Isabel Pires - RJ

bel.antigin@gmail.com 

Nos dias de hoje, pensar a meia idade tornou-se muito relevante, já que, com o aumento da expectativa de vida, vivemos mais tempo nessa etapa de vida do que alguns anos atrás. Por exemplo, nos anos 40, o brasileiro esperava viver até os quarenta e cinco anos, segundo dados do IBGE (educa.ibge). Hoje, a população brasileira na faixa dos quarenta representa um quarto da população do país, a qual apresenta, também, uma queda na taxa de natalidade.

Mas, por conta das recentes mudanças na pirâmide etária do país, definir o que é a meia idade tornou-se menos óbvio. Até pouco tempo atrás, uma pessoa com 35 anos poderia considerar-se na meia idade, mas, hoje, situa-se essa fase entre os 40 e os 60 anos, embora não haja consenso sobre isso. Essa etapa do desenvolvimento humano é marcada pela chamada crise da meia idade, com importantes consequências na vida dos indivíduos. Apesar disso, pouco se sabe, pouco se estuda, pouco se fala sobre essa famosa crise.

No entanto, os teóricos junguianos Murray Stein e James Hollis fizeram importante contribuição sobre o tema. Stein (2007) chama essa fase de meio da vida e diz que é um momento de reestruturação da vida intrapsíquica e de profundo contato com o inconsciente. Para o autor, é a hora de se livrar da persona, do antigo modo de atuar na vida, entrar em contato com a sombra e gerar um novo estado, em contato com a alma. Já Hollis (1995) chama essa etapa de passagem do meio e afirma ser um momento de reavaliação da vida, de autoconhecimento e de renovação. Segundo o autor, é aí que se devem enfrentar os dragões internos, ouvir a alma negligenciada até aqui e assumir a responsabilidade sobre sua própria vida. “Somos convidados a recobrar a própria vida, a vivê-la mais conscientemente, a extrair da desgraça um significado” (HOLLIS, 1995, p. 24). Porém, sem saber da existência e das características dessa crise, muitas pessoas destroem casamentos, largam suas profissões e, assim, perdem uma oportunidade de autotransformação profunda.

No caso das mulheres, além da crise da meia idade, entre os 45 e os 55 anos, a mulher entra no climatério, enfrentando um período crítico de mudanças físicas, emocionais e psicológicas. Por sua vez, este momento marcante na vida da mulher madura também precisa ser mais explorado e estudado como uma fase do desenvolvimento feminino com características próprias e determinantes na vida da mulher.

Antes de mais nada, é preciso definir climatério. O termo é usado tanto para homens quanto para as mulheres, mas hoje se fala apenas, praticamente, em andropausa, no caso masculino, e menopausa, no caso feminino. A menopausa é um evento pontual, que marca o momento da última menstruação da mulher, após uma ausência consecutiva de menstruação por 12 meses. Já o climatério se refere à perimenopausa ou pré-menopausa (antes da menopausa) e à pós-menopausa. Nesse momento, o corpo da mulher passa por muitas transformações, advindas principalmente da queda dos hormônios sexuais estrogênio e progesterona. Algumas das manifestações físicas mais frequentes do climatério são as ondas de calor, a secura vaginal e a dificuldade de concentração. Mas, hoje, é comum também, neste período, a depressão e a irritabilidade. Junte-se a isso a crise da meia idade, pois a menopausa atinge a mulher no meio da fase de meia idade. Ou seja: é um momento sério, importante, que tem sido relegado, até agora, pelos estudiosos, em geral, e pela psicologia, em particular. Mas, na terapia, acredito ser fundamental levar em conta esses fatores quando se atende uma mulher na meia idade. E o que a arteterapia pode fazer por essa mulher que vive uma mudança generalizada? Muito, pois a arteterapia permite o desenvolvimento completo do indivíduo - corpo, mente, espírito –, e a arte, instrumento do trabalho arteterapêutico, leva à transformação, característica chave deste momento da vida feminina.


Fotos do grupo Autocuidado: Mulher 45+, para mulheres no climatério

Primeiramente, o processo climatérico começa no corpo, quando as taxas hormonais diminuem e vêm os calores, as falhas de memória, o ressecamento da pele, entre outras manifestações. Assim, podemos pensar num trabalho arteterapêutico que desenvolva a linguagem corporal, como a dança e outras técnicas de expressão corporal ligadas ao autoconhecimento e a uma expansão da consciência. No climatério, muitas vezes, por desconhecimento das alterações pertinentes a essa fase, a mulher madura tem a sensação de não se reconhecer mais num corpo em rápida transformação. Além do mais, ao perceber os primeiros sinais de envelhecimento corporal, é invadida pelo medo da velhice e da morte. Várias mulheres climatéricas também temem perder sua feminilidade, quando sua vida reprodutiva se encerra, e apresentam dificuldades sexuais e baixa autoestima. Ao trabalhar a expressão corporal no ateliê de arteterapia, a mulher madura poderá reconhecer e escutar seu corpo, o que levará a um aumento de autoestima e a um autocuidado físico necessário para a melhora na sua qualidade de vida. Ademais, sentir o próprio corpo permitirá à mulher na menopausa encontrar respostas autênticas e intuitivas para as suas várias questões internas.

É preciso lembrar que, independentemente de um trabalho específico de expressão corporal, em arteterapia, o corpo trabalha o tempo todo na criação artística, através do manuseio dos materiais artísticos.

O corpo está cheio de símbolos, gestos, movimentos e significados, que podemos aprender a ouvir, dar uma forma, uma cor no espaço arteterapêutico, permitindo enriquecer não só o repertório expressivo do sujeito, como também ampliar a percepção de si. (POLICARPO, 2022)

            Em relação à psique, como já foi dito, na meia idade, o indivíduo vive uma transformação interna profunda. No caso da mulher madura, é necessário ressignificar a menopausa, que costuma ser vinculada a uma ideia de decadência. Numa sociedade em que apenas o jovem é belo e valoroso, envelhecer é uma ameaça. Para a mulher madura, o envelhecimento tem ainda mais peso, pois, desde cedo, a mulher sofre maior cobrança social em relação à sua aparência física. Assim, a mulher climatérica frequentemente vê-se quase que “forçada” a buscar juventude eterna, através dos diversos tratamentos estéticos e produtos disponíveis no mercado e da famosa reposição hormonal. Neste caso, um trabalho arteterapêutico pode ajudá-la, através da expressão artística, a estimular sua criatividade e a despertar habilidades e talentos adormecidos, o que levará ao desenvolvimento de sua autonomia e autoestima.

O trabalho artístico conduz à abertura ao novo, a novas experiências e à criatividade necessária para lidar com as próprias dificuldades. Assim, a mulher climatérica poderá se reinventar, recriar-se e encontrar novos caminhos e significados para sua vida. Na crise da meia idade, a mulher madura poderá, através da arte, despir-se de sua antiga persona, no confronto com suas criações artísticas, e vivenciar diferentes modos de se expressar. Desta forma, conseguirá passar pela transformação necessária de forma mais leve e criativa.

Finalmente, em relação ao aspecto espiritual, esse momento da crise de meia idade do indivíduo, em geral, e da mulher climatérica, em particular, requer o resgate do sentido da vida e a busca por novos objetivos. Nesta etapa da vida, a dimensão espiritual aflora e o encontro com o numinoso, o transcendente passa a ser ansiado. Aí é que um trabalho com a arte se torna fundamental, pois “a arte é a linguagem da alma”, como nos diz Lígia Diniz (2018). Na arteterapia, a expressão artística propicia a materialização de símbolos, provindos do inconsciente, pois a arte é a ponte entre a consciência e o inconsciente. Essa vivência simbólica propicia a experiência com o numinoso, a conexão com o mais profundo e sagrado dentro de nós mesmos. Assim, a mulher madura terá a chance de desenvolver sua espiritualidade e dar voz à sua alma.

No caso da mulher na menopausa, o trabalho arteterapêutico em grupo pode potencializar/otimizar os benefícios do processo terapêutico pela arte. No grupo, não precisará viver o climatério e suas manifestações de forma solitária, como é comum acontecer, já que falar no tema ainda gera constrangimento e preconceito. Nele, poderá encontrar apoio emocional e experimentar acolhimento, aceitação, companheirismo, compreensão, compartilhamento e cooperação, para citar alguns dos sentimentos vividos dentro de uma experiência grupal. Costumo trabalhar com grupos arteterapêuticos de mulheres de meia idade, com vistas ao autocuidado físico, emocional e espiritual, com vistas a uma qualidade de vida mais plena.

Para terminar, acho importante lembrar do poder da imagem. Nos dias atuais, somos invadidos por imagens o tempo todo, de forma tão intensa e avassaladora, que dificilmente conseguimos processá-las de maneira mais crítica. Por isso, o trabalho arteterapêutico se torna ainda mais fundamental, sobretudo para a mulher de meia idade, a qual se vê dominada por imagens (quase sempre alteradas por Photoshop) de rostos jovens que refletem um padrão de beleza imposto pela sociedade de consumo. Neste caso, a expressão artística propicia o trabalho com as próprias imagens, advindas do inconsciente, imagens essas que trazem símbolos e significados relevantes para dar sentido ao seu viver.

 


Fotos do grupo Autocuidado: Mulher 45+, para mulheres no climatério


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Educa.ibge. Pirâmide etária. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18318-piramide-etaria.html#:~:text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20acima%20de%2030,anos%2C%204%2C9%25. Acesso em: 28/09/2022.

Policarpo, D. O corpo na arteterapia. Disponível em: https://www.institutofreedom.com.br/blog/o-corpo-na-arteterapia/ Acesso em: 29/09/2022.

STEIN, M. No meio da vida: uma perspectiva junguiana. São Paulo: Paulus, 2007.

 HOLLIS, J. A passagem do meio: da miséria ao significado da meia idade. São Paulo: Paulus, 1995.

 DINIZ, L. Arte Linguagem da Alma: arteterapia e psicologia junguiana. Rio de Janeiro: RJ, 2018.

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SOBRE A AUTORA:



Oi! Eu sou Isabel Pires psicóloga, professora de línguas e arteterapeuta. Também possuo formação em Jornalismo e em Antiginástica® Thérèse Bertherat e pós-graduação em Psicologia Junguiana. Já publiquei alguns textos aqui no blog do Não Palavra e um deles, “Vygotsky e a arte”, faz parte do livro Escritos em Arteterapia: coletivo Não Palavra (2021). Faço atendimentos individuais e em grupo (presencial e online), como o trabalho de autocuidado da mulher de meia idade. Adoro gatos e viagens, presenciais ou através dos livros, que tenho em abundância. Se quiser falar comigo, pode me contactar pelo Whatsapp: (21) 97567-568; pelo e-mail: bel.antigin@gmail.com ou pelo Instagram:@isabelpires.artepsi.

20 comentários:

  1. O telefone saiu incompleto: (21) 97657-5685. Houve um erro meu de repetição no texto, no final do penúltimo parágrafo. Correção: "Costumo trabalhar com grupos arteterapêuticos com mulheres de meia idade, focando no autocuidado físico, emocional e espiritual, com vistas a uma qualidade de vida mais plena". Desculpem-me. Sempre receio os meus textos, mas algo sempre acaba escapando. Bjs

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  2. Maravilhoso seu trabalho Isabel! Um grupo de vivências em Arteterapia ajuda passar por essa fase e auxila no autoconhecimento.

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    1. Obrigada, Fabi, por acreditar e participar do meu trabalho!!!😘

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  3. Muito obrigado por compartilhar este excelente texto! Bjs Ale

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  4. Obrigada, Alessandra! Que bom que gostou!!!🥰😘

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  5. Parabéns pelo belo texto.

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  6. Parabéns! Seu trabalho está cada vez mais bonito e profundo. Sucesso pra você, sempre! 👏👏👏💕🌸✨

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  7. Obrigada, Ivana querida, pelo carinho de sempre!🥰😘

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  8. Parabéns, Isabel, pelo trabalho tão importante para o entendimento dessa fase de vida!!

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    1. Obrigada! Temos que falar sobre a meia idade! Bjs

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  9. Parabéns Isabel. Excelente texto e lindo trabalho esse com as mulheres. Bom saber. Vou indicar. Bjs

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  10. Isabel, este texto está excelente ! A leitura dele é bastante agradável e trouxe muito conteúdo ! Me identifiquei demais com ele ainda mais agora que vou entrar para o clube dos 60+ !!!
    Parabéns Isabel !!!
    Abraços aí, Claudia Abe

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    1. Obrigada, Claudia querida! A ideia é que estejamos mais informadas sobre essa fase importante, porém frequentemente negligenciada por médicos, terapeutas e pela mídia. Beijos.

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  11. Isabel, que riqueza esse texto! Parabéns! Realmente é um tempo de muitas transformações e mudanças radicais. Nem sempre surfar nesta onda é fácil, mas ainda bem que a Arteterapia oferece um caminho possível de atravessar este tempo. Obrigada por disponibilizar este espaço de acolhimento e de construção para as mulheres. Ah, sobre o livro do HOLLIS, é um livro incrivel e de uma leitura cativante. Caminhemos com artes e esperança! Bjs.

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  12. Obrigada, querida Tânia! Já que falamos de transformação, que melhor caminho do que a Arteterapia? Beijos

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