segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O USO DO GIZ PASTEL SECO NA ART NOUVEAU DE MUCHA

 


“Zodiac” – Mucha

Por Claudia Abe 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

Instagram: @claudia_abe_ 

Há algum tempo sentia vontade de levar desenhos impressos para meu pai e minha tia materna colorirem, com o tema Art Nouveau, do artista tcheco Alphonse Maria Mucha. Ainda mais depois de eu ter ido à uma exposição belíssima deste artista, na sede da FIESP* na Av. Paulista, em São Paulo.

Pesquisei alguns sites na internet, para saber um pouco mais sobre a Art Nouveau e Mucha e complementar esse meu texto:

A Art Nouveau foi um movimento artístico iniciado na Europa no século XIX. Surgiu como um desejo de rompimento dos padrões clássicos da arte acadêmica das Belas Artes. Buscava a originalidade tanto na forma de expressão como pelo uso de materiais pouco explorados nas artes, como vidro, madeira, ferro e cimento, e havia também uma presença marcante de elementos orgânicos como flores, plantas e folhagens. Tiveram a influência de técnicas usadas na arte japonesa, assim como o uso de linhas e formas mais arredondadas que imprimiam movimento e elegância às obras.

Alphonse Mucha era pintor, escultor, fotógrafo, decorador e professor. Ganhou fama a partir de 1895, quando seu primeiro cartaz para a atriz Sarah Bernhardt passou a circular em Paris. Aliás, os painéis da cidade acabaram se tornando “galerias ao ar livre”, trazendo um “sopro de ar fresco” à cena artística parisiense. Mucha passou a realizar campanhas publicitárias encomendadas por gráficas além de criar painéis decorativos para interiores, como forma de arte acessível ao público em geral.

O estilo Mucha representaria o Art Nouveau, com suas formas sinuosas, linhas orgânicas e uma gama sutil de tons pastel.

Voltando para o nosso encontro arteterapêutico...

Escolhi três gravuras para impressão. Como meu pai e minha tia já haviam trabalhado anteriormente com giz pastel seco, achei que não haveria nenhuma dificuldade.

O pastel seco é um material intermediário, pois ele permite a passagem do controle e da segurança do traço para a leveza e a fluidez das tintas. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 84)

Para iniciar a sessão, como sempre, contei um pouco sobre o artista e mostrei algumas obras deste artista pelo celular, para o meu pai e tia materna. Coloquei duas gravuras sobre a mesa e minha tia deixou meu pai escolher primeiro. Ele escolheu a obra “Le Fruit” por ter muitas frutas desenhadas e ela ficou com a obra “La Plume”. Distribuí uma caixa de giz pastel seco para cada um. Pai ficou com as cores fortes e básicas e tia com as cores fluorescentes.

Meu pai começou colorindo as frutas e pintou as unhas sem elas estarem desenhadas na gravura. Perguntou quanto tempo teria para pintar, se era para terminar no mesmo dia. Respondi que teriam uma hora. Sua pintura começou a ficar borrada pelo fato dele ir passando a mão por cima do giz, espalhando as cores, cobrindo inclusive os traços pretos originais do desenho.

Os pastéis mais macios deslizam com facilidade, porém deixam um resíduo que se espalha e “borra”, que podem dificultar o trabalho, por isso, é necessário conhecer e experimentar a linguagem do material e seus recursos. Quando se tem por objetivo integrar esses resíduos ao desenho e dar um ar mais esfumaçado e fluido na composição, integrando as cores, o resultado pode ficar muito bom, tornando-o mais uniforme, caso contrário pode “estragar” o trabalho, borrando-o. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág.83)

Minha tia começou pintando o rosto, a boca, o braço na gravura. Fez com delicadeza e cuidado. Uma pintura bem suave, esfumaçando o giz com o dedo, com muita calma.

Porém, para dar um efeito mais bonito, o melhor mesmo é usar o dedo para espalhar o pastel. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 84)

Deixei um pedaço de papel toalha umedecido para cada um limpar as mãos sujas pelo giz.

Sempre me chama muito a atenção a forma de trabalhar do meu pai. As estratégias dele vão desde o uso de materiais de apoio como régua e pinça, até outras formas de execução do trabalho. Por exemplo: usar a régua para limitar o desenho na hora da pintura com o giz, fazendo uma barreira física de proteção. Usar um pedaço de papel higiênico sobre a pintura para protegê-la e não borrar a mesma. Acabei eu mesma aprendendo este artifício e ensinando minha tia. Por um momento, ele acabou passando papel higiênico por toda a pintura para retirar excessos de pó.

Pai sorriu e fez um sinal de positivo com as mãos. “Descobri que essa coisa funciona no papel, retira o excesso” (o uso do papel higiênico sobre o desenho pintado). Usou direto o movimento de pintar e passar o papel por cima. Transformou o vestido que era azul escuro em azul claro.

Contei a eles que os artistas pintavam quadros enormes com giz pastel seco. Pai deu uma suspirada. Falei que da próxima vez traria um desenho do tamanho da parede para eles pintarem.

Avisa o dia que você vem, que eu falto, eu alego doença na perna”, disse meu pai, brincando.

Ele mostrou um ponto preto no braço da mulher no desenho e disse: Isso aqui é a vacina que ela tomou. Mamma mia, quanto lavoro**. Essa mulher me deu muito trabalho. Se você me deixasse aqui eu ainda pintava. Não pode, né?

Perguntei por que ele precisaria de mais tempo –Tá muito leve. Eu queria fazer as frutas com círculos (para dar volume), e com defeitos na pera. Aproveitei para mostrar pelo celular, um detalhe na obra “Cesto de Frutas” do pintor italiano Caravaggio, sobre as marcas das frutas pintadas que mostram seu amadurecimento, e conversamos um pouco mais sobre outras obras de Caravaggio.

 


 Cesto de Frutas – Caravaggio 

Pai terminou seu trabalho apesar de querer continuar. Puxa, podia caprichar na pera, nas uvas, dar aquele brilho. Não tô satisfeito com a minha obra. Frutas saborosas. Eu ainda queria pintar melhor. Minha obra não está ainda como eu gostaria. Tem pedaços que está sem pintura. Se eu puser “Tudo Saudável”, a moça parece saudável, as frutas frescas. Tudo parece apetitoso. 

Compartilhamento  


Tia: Dirigindo-se a uma festa.

 

Eu achei fácil de pintar, achei o colorido ficou bom. Gostei da gravura.

 


Pai: “Aspecto saudável”

 

Para mim seria: “Frutas delicadas nos braços de uma jovem”.

Parece que me faltou um pouco de habilidade porque eu costumo pintar com força, com cor mais forte. A uva eu pintaria de preto. A uva preta dá muito mais aspecto. A pera seria amarelo avermelhado, bem maior. Acho que aqui as cores não estavam bem fortes para mim. Traz outra gravura. Você traz outra gravura e você vê a habilidade do pintor. Se for fazer só coisa fácil...aí...japonês em Tóquio...Mamma mia...moleza.

Quando cheguei em casa, eu mesma resolvi colorir com giz pastel seco, a gravura que havia imprimido – “Zodiac” de Mucha (foto no início deste texto). E foi então que ao longo do processo, fui percebendo o quão difícil era pintar com o giz em áreas pequenas com muitos detalhes; fiquei me perguntando como meu pai e minha tia tinham conseguido fazer as pinturas num período tão curto de uma sessão. Como já era tarde da noite, acabei dando um “tapa” para finalizar meu trabalho e fui dormir.

 

Nota 1: Ao olharem seus trabalhos finais, mostrei novamente as pinturas de Mucha e frisei que nestes trabalhos a proposta era o uso de cores em tons pastel, suaves.

Nota 2: *FIESP = Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

Nota 3: **quanto lavoro (em italiano) = quanto trabalho

Nota 4: Dedico esse texto ao amigo Arthur Blade, psicanalista, artista plástico, historiador da arte, fotógrafo, ator, diretor de teatro, cineasta, escritor e poeta. Ele mesmo produz uma linha de sketchbooks – Art Blade.Books. Não sei que horas ele dorme, mas realiza tudo e com excelência! @blade.arthur

 

Bibliografia:

CARRANO, Eveline e REQUIÃO, Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

Internet:

https://www.significados.com.br/art-nouveau/ Acessada em 31/07/2022.

https://dasartes.com.br/materias/alphonse-mucha/ Acessada em 31/07/2022.

https://www.google.com/search?q=cesto+de+frutas+caravaggio&tbm=isch&source=iu&ictx=1&vet=1&fir=u-qVUT7gAAMRWM%252ClMJnCnaboDYkZM%252C%252Fm%252F08zlvc%253BMGX9xd233cvM3M%252CRsn4lLCCDPsDJM%252C_%253BSH7sDYxjd2teeM%252C-Dup-eRdfSnJtM%252C_%253B7JSnEMimfWD_QM%252Cz82lQlOdZEFcUM%252C_%253BFkQq88Qw3dUkUM%252CVvOUp05jYTLsBM%252C_&usg=AI4_-kR10ZTgQg2avtrzTrEUezsvHbE2-A&sa=X&ved=2ahUKEwiNzbeMyaT5AhUCArkGHV8dDE8Q_B16BAhgEAE#imgrc=u-qVUT7gAAMRWM Acessada em 31/07/2022.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

19- Tô Vivo! – 22/08/22

18- A Massa Caseira como Recurso Arteterapêutico – 18/07/22

17- As Bailarinas de Degas – 16/05/22

16- Degas e as Mulheres – 21/03/22

15- Ah, o Tempo... – 14/02/22

14- As Cores em Marilyn Monroe – 13/12/21

13- Um Desafio – 11/10/21

12- O Branco no Branco – 23/08/21

11- Tudo Começa em Pizza – 28/06/21

10- Um Material Inusitado – O Carimbo de Placenta – 10/05/21

9- As Vistas do Monte Fuji – 22/03/21

8- É Pitanga! – 07/12/20

7- O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

6- Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

5- Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

4- Tempo de Corona Vírus, Tempo de se reinventar – 13/04/20

3- Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

2- Salvador Dalí e “As Minhas Gavetas Internas” – 11/11/19

1- “’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe

 

 

Arteterapeuta e Farmacêutica-Bioquímica

Curtindo a exposição Mostra UMAPAZ: Yoshio Abe & Luciana Orfei: Arte na Melhor Idade...eu e os autores das obras – pai e tia, setembro 2022.

Meu contato pelo Instagram: @claudia_abe_


13 comentários:

  1. Eu acho o máximo a sua dedicação, o seu profissionalismo e o carinho com seu pai e sua tia. Gosto muito de ver como eles são detalhadas e querem sempre caprichar mais. Parabéns pelo lindo trabalho e dedicação. Beijinhos 💋

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  2. Oi Claudia! Seus trabalhos com seu pai e tia são lindos! A forma como é mostrada a atividade com base na História da Arte é maravilhosa.
    Deixá-los pensar livremente é entender a particularidade de cada um e saber respeitá-los com amor.
    Parabéns pela sua dedicação!

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  3. Simplesmente sou fã do seu notório trabalho, conectando-se com eles e os fazendo interagir com o mundo!
    Kamile

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  4. Celia Milhorança É sempre gratificante ver seu pai e tia trabalhando com tanto interesse. Seu pai extrovertido, sua tia na dela.
    O resultado foi muito bom, coordenação motora ótima numa figura com tantos pequenos detalhes . Parabéns aos 3

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  5. Dalva Polli Lopes.Achei lindo o trbalho do seu Pai e de sua Tia.Acho que não conseguiria fazer e tbem em Monte Azul não acharia os materiais.Mas li o seu trabalho e fiquei encantada.Parsbens querida amiga

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  6. Muito bacana seu trabalho. Gostei da foto de vocês, tinha vontade de vê-los

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  7. Mais uma vez, parabéns por seu trabalho e pela delicadeza com que cuida de seu pai e sua tia! Sua alma é nobre💐 Cilene G Peoença

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  8. Reforço as falas anteriores. Lindos trabalhos, trazendo vida e emoção. A idade é isso. Vida e emoção. Devemos nos orgulhar. Cida

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  9. Claudia, parabéns !!!
    Que bela narrativa!
    Quanta dedicação com a arte, incluindo seu pai e sua tia na cultura artística!
    Adorei!!! Mari-pilates 😍

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  10. Cláudia, cada vez que você traz um texto novo é impressionante como nos sentimos convidados a participar/entrar na vivência! Nossa! Você não traz somente um texto; traz narrativas de 03 vidas (sim, porque a sua está pulsando e vivendo a experiência) - que postura de "observador/observação" você tem Cláudia! Uau! Você sai do lugar de quem está no comando e deixa os dois lindos também conduzirem a experimentação! E eles respondem à altura! Demais né? Acredito muitooooo em formas de acolhimento que aos poucos vão sendo construídas! Que fogem de modelos prontos desse nosso mundo tão repetitivo e infelizmente pouco criativo! A Arte que fala a verdade que precisamos ouvir é isso! É remédio para a alma! É zelo! É respeito e aprendizado novo! É sairmos da arrogância do Ser Terapeuta e nos permitirmos também sermos atendidos e tratados! Nossa! Claudia, você transborda isso! Viajo nessa leituras! Para um mundo imaginário onde não distância física de onde estou Rio x São Paulo...ler seus textos é um voo! Q D+! Daqui aprendendo!

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  11. São umas graças seu pai e sua tia. Parabéns pelo lindo trabalho!

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  12. Cláudia, muito grata eu fico pelo que você nos entrega. É muito amor.

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  13. Olá, Cláudia e Leonardo!

    Inicio este comentário dando "Olá" para a Cláudia e também para o Leonardo pois são amigos por quem tenho muito apreço. Eles vêm acompanhando meus trabalhos e aprendo demais com as considerações de ambos! São de uma perspicácia de verdadeiros críticos de arte, extremamente minuciosos e pertinentes!

    Cláudia, muito obrigado por dedicar este texto a mim! Eu amo Art Nouveau!!!

    Adorei o texto e o modo como você conduz a sessão de arteterapia é fantástico! Suas observações e direcionamentos de seu pai e sua tia são incríveis. E os desenhos pintados ficaram incríveis!

    Parabéns pela exposição da UMAPAZ e pela sua garra e tenacidade !!!

    A Arte é tudo, a raça humana é essencialmente artística!!

    Muitíssimo obrigado!

    Arthur Blade

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