segunda-feira, 5 de setembro de 2022

A ARTE NO CONTAR

Por Silvia Quaresma - SP

othila.arteterapia@gmail.com

As histórias aparecem em diferentes povos, diferentes culturas. As narrativas serviam para entreter (bobo da corte), estreitar laços de afetividade (ouvir as façanhas do tio, o encantamento da vovó), entender situações (lições fornecidas pelos mestres do caminho), ou até ajudar pessoas a resolveram problemas. Por meio das histórias o individuo é atraído pelo que elas oferecem (contextos, metáforas) e é feita uma relação inconsciente com a própria história de vida.

Apesar de afastados dos registros nas cavernas ou impossibilitados de estar ao redor do fogo, em rodas para ouvir histórias, basta um “Era uma vez...” para que a curiosidade seja aguçada.

“As fogueiras e lareiras, ao redor das quais pessoas de todas as idades se reúnem em busca de conforto e calor sob os lentos movimentos do sol, da lua e das estrelas são imagens de nossos eus interiores. Temos um local gerador de calor e luz dentro de nós. Ao redor desta fonte, sentimentos, imagens e palavras se encontram. Na medida em que nos conectamos com plenitude a esse fogo interior, tudo que se move em direção a essa chama curativa, seja na forma de um amigo ou de um inimigo, será aquecido e iluminado.” (MELLON, 2006, p.23). 

Em um processo arteterapêutico, quando observada relação entre o enredo literário e a vida do ouvinte, esta pode ser entremeada de curiosidade, desconforto, porém mostrar-se-á curativa.

O valor terapêutico está em aceitar que as histórias sempre fizeram parte do cotidiano humano. Diariamente se tem algo a dizer ou informar e para tal são usadas narrativas para explicar situações vividas ou sentidas.

Você, como todo ser humano, é um contador inato de histórias. Você nasceu com um estoque inesgotável de temas pessoais e universais. É importante abrir-se para receber essa vasta riqueza imaginativa que vive dentro de você. Construa uma fogueira em seu interior e deixe que ela se transforme em um círculo de proteção. Dentro dela, a sabedoria do seu coração poderá arder e inflamar”. (MELLON, 2006, p.23). 

Trabalhar narrativas num contexto terapêutico é promover um movimento de reestruturação num diálogo entre história literária e humana. Ler, reler, escrever, reescrever são fases que obedecem a um tempo de elaboração de conflitos. A narrativa traz enredos, consequentes tramas e dramas, superação de obstáculos, desfechos felizes ou não. Sentimentos que surgem amor, raiva, desesperança, esperança, vontade, e outros, colaboram para a ressignificação num processo de individuação.

O tempo de escuta de cada história não obedece a Chronos, não se limita ao início, meio e fim “Viveram felizes para sempre... ou não” mas segue à generosidade de Kairós que respeita o tempo de entremear os fios pessoais entrelaçando-os aos das histórias para que nova trama apareça.

Quanto aos benefícios da contação de histórias é importante estar atento ao lugar de cada história, fazer com que ela converse com o fio condutor do processo arteterapêutico, que promova reflexão e mudança. É preciso envolver o ouvinte para que este tire o máximo de proveito da contação de história:

“Peça para que tudo aquilo que está concentrado no fogo dos céus, terras e mares criados por sua imaginação possa fluir com boa vontade. Permita que qualquer um que o escute receba de forma aberta o que é criado dentro das fronteiras seguras do seu mundo de histórias.” (MELLON, 2006, p.23). 

Em minha experiência como arteterapeuta tenho trazido histórias. Peço para ouvir, conto. É um transitar pelo consciente e inconsciente. É só trazer uma “Há muito, muito tempo atrás... num reino distante...” e começar a alinhavar os pontos, ver aparecerem linhas imaginárias tão significativas, cheias de símbolos. Personagens e ouvintes misturam o que sentem, pensam e agem. Incrível como que na vida, dependendo do momento, se assume o papel de herói, de vilão, de vítima, de algoz.

A narrativa contribui para que você seja o protagonista da sua própria história, cheio de erros talvez, confuso, indeciso, mas não coadjuvante.

Tenho refletido sobre o poder das histórias no setting terapêutico e no meu instagram @othila.arteterapia; será um prazer te receber por lá.

E que se possa continuar escrevendo a própria história, do jeito possível, pulando linhas, errando palavras, esquecendo expressões, ignorando títulos. Mas que seja escrita por si e lida pelos outros... e não ao contrário.

 

“Uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar..."

Cliente em processo arteterapêutico, 2021

 

Bibliografia

MELLON, Nancy. A Arte de Contar Histórias, Rio de Janeiro: Editora Rocco. 2006.

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Sobre a autora: Silvia Quaresma 


Arteterapeuta

AATESP 665/0720

Graduada em Letras, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema - SP

Pós-Graduada em Finanças, Ibmec - SP

Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade – Instituto Freedom – Faculdade Vicentina em parceria com NAPE

Professora especialista de artesanato

Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia

Idealizadora Othila Arteterapia em ação (@othila.arteterapia)

Idealizadora do Fio que sente (@fioquesente)

Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários

Atendimento em Arteterapia (individual e grupos



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