segunda-feira, 19 de setembro de 2022

MÚSICA: UMA LINGUAGEM DEMOCRÁTICA



Por Rosangela Nery - RJ

rosanery1975@hotmail.com

Sigo compartilhando o relato sobre o projeto  que participo, onde a proposta é atender as comunidades ribeirinhas na Região do médio Rio Negro (Manaus-AM). (Para ler o primeiro texto CLIQUE AQUI). Entendendo a integralidade do cuidado oferecida pelo SUS, esse grupo também estende o cuidado espiritual para as comunidades, compartilhando um dos maiores e melhores instrumentos de cuidado: O AMOR. O Amor que torna possível olhar de forma singular para o sujeito e todas as suas limitações.

Hoje trago para dividir com vocês, o encontro com A.S, uma jovem adolescente de 17 anos, estudante do 2º ano do ensino médio, e que segundo, sua família, não saía do quarto há pelo menos dois anos, a não ser para ir até a escola. Várias opiniões acerca do que A.S tinha apareceram, mas, a fala de que ela estava com “depressão” era unânime.

Que desafio!!! O que será possível fazer durante tão pouco tempo, afinal, só estaria por ali nos próximos dez dias. Pensando na singularidade de cada sujeito e o pouco que sabia da história de A.S, decidi marcar um primeiro encontro com seus pais e uma das grandes preocupações deles era a tristezas e a introspecção de A.S, que a mantinha dentro do quarto por muito tempo, sem que eles tivessem acesso ao que poderia ser a causa de tal postura. No momento que estava me despedindo dos pais, A.S. chegou da escola e com a voz quase inaudível me cumprimentou com um boa noite. Nesse momento me apresento e pergunto se poderia vir em outra hora para conversarmos um pouco.  A.S aceita e sugere o dia seguinte às quatorze horas e é nesse horário que chego com meus materiais de arte, incluindo a pequenina caixinha de som. Ela me recebe na mesa da sua sala e nesse momento peço licença para dispor os materiais.

Uma das linguagens da arte: A MÚSICA


A música tem sido facilitadora no processo de formação de vínculo quando associada à recordações, mensagens contidas que podem ser associadas ao cotidiano e muitas vezes esquecidas ou apagadas pelo sofrimento psíquico.

Inicialmente A.S não conseguia falar muito, as perguntas eram respondidas pontualmente sem mais outras informações. Após quinze minutos com ela, perguntei se gostava de música e foi impressionante perceber a mudança no seu olhar, nos gestos... Outras linguagens foram ativadas e a partir de então, A.S pôde falar a mim através da sua  playlist.

Compartilhamos nossas playlists e assim ela foi produzindo uma colagem de apresentação com imagens e ao som de suas escolhas musicais. Quanta potência!!! Quantas conexões foram possíveis através da música. A.S está passando por sofrimentos próprios do “adolescer” e a falta de vinculação, de relação e interação com outros pares corrobora para trazer mais sofrimento durante o processo de “adultificação”, afinal, A.S está perto de fazer 18 anos.

Com relação a potencialidade terapêutica, verificou-se que a música colabora na constituição de vínculos e no desenvolvimento de mudanças pessoais e coletivas. Conclui-se que a música promove a expressão de emoções, percepção da realidade e sua utilização no contexto terapêutico favorece o equilíbrio interno e facilita espaços de troca. (BATISTA, RIBEIRO, 2016, p. 336-341)

Atendi A.S por mais dois dias durante o período que estive na comunidade, trocamos telefone e deixei o canal aberto caso A.S quisesse continuar os atendimentos on-line. Finalizo essa partilha dividindo um pouco da minha alegria e gratidão, pois, há pouco mais de um mês recebi um mensagem sua perguntando se eu poderia ouvi-la. Desde então seguimos juntas, na modalidade online, construindo e reconstruindo possibilidades para seguir em frente.

            A arte em suas várias linguagens, torna-se fundamental aliada no processo de convívio com o diferente, criando condições para que novos olhares sejam lançados ao sofrimento psíquico.




Referência Bibliográfica:

BATISTA, N.S.; RIBEIRO, M.C. O uso da música como recurso terapêutico em saúde mental.Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo. São Paulo, v.27, n.3, p. 336-341, 2016. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rto/article/view/105337. Acesso em: 28 fev. 2018. 

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Sobre a autora: Rosangela Nery




Psicóloga,  especialista em Ciência, Arte e Cultura na saúde pelo IOC - Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ  e  em Saúde Mental e atenção Psicossocial pela ENSP - Escola Nacional de saúde pública - FIOCRUZ.

Estudante de Arteterapia no Instituto Faces. 

Atendimento individual à adolescentes e adultos no Espaço Recriar-se, RJ.

Diretora do Núcleo de desinstitucionalizacão Franco da Rocha no Instituto Municipal de Assistência a saúde  Juliano Moreira/RJ.

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