segunda-feira, 4 de abril de 2016

QUASE UMA, "limitações construídas."

por Flávia Hargreaves

Não Palavra entrevista Alex Neoral, diretor e coreógrafo da Focus Cia. de Dança.


Espetáculo "Quase Uma", Focus Cia. de Dança. Bailarinos: Alex Neoral e Carol Pires. Foto: Paula Kossatz.


“Em cena, bailarinos se deparam constantemente com limitações construídas, e a partir de regras são criados novos corpos. QUASE UMA busca encontrar uma construção coreográfica partindo de um lugar onde não se é livre nunca. Dentro desta ideia, a movimentação ultrapassa sua primeira instância e se mostra plena ao longo da coreografia. O foco principal, apesar de em cada momento os bailarinos enfrentarem novas impossibilidades, é a ideia de superação gerando novas possibilidades de movimento. É um espetáculo que explora as relações entre o corpo e seus traços no espaço, e a cada momento se experimentam novos caminhos, que se reinventam a cada segundo.” (texto do catálogo).
Hoje o Não Palavra inicia uma série de conversas com o artista, buscando possíveis diálogos entre o processo criativo na Arte em suas diversas linguagens e estilos e a prática da Arteterapia. “Como” e “se” este processo se reproduz no setting arteterapêutico?

Ao longo dos últimos anos, o Não Palavra tem explorado o temas da Arte e a Arteterapia, mas ainda não havia nos ocorrido a possibilidade de “estar” fisicamente diante do artista e poder dialogar com ele sobre seu processo.

NA PLATÉIA

No dia 11/03/16, eu e Eliana Moraes nos aventuramos na tempestade e fomos ao Teatro Cacilda Becker assistir ao espetáculo QUASE UMA da Focus Cia. de Dança. O espetáculo causou um impacto muito grande e embora eu já o tivesse assistido algumas vezes anos atrás, percebi que a cada vez que nos deparamos com uma obra, esta desperta uma nova experiência. E assim foi. Ficamos profundamente afetadas, pois o espetáculo provocou projeções de nossas questões pessoais atuais. Mas seria tudo projeção nossa? O que o artista quis expressar, o que a obra “diz”? Lendo o texto do catálogo reproduzido acima, e ouvindo o diretor da companhia falando com a plateia após o espetáculo, nos mobilizamos para esta nova pesquisa que compartilhamos com vocês neste blog.

CONVERSANDO COM ALEX NEORAL


Alex Neoral. Foto: Marcelo Rodolfo.

Dia 15/03/16 fui conversar com Alex Neoral sobre o espetáculo e sobre nosso interesse em estabelecer conexões entre sua obra e o processo terapêutico.

Nos encontramos no intervalo de ensaio em Copacabana. Alex contou que o espetáculo, que estreou em 2005, foi criado a partir de um solo executado pela bailarina Carol Pires. Nasceu de um desejo intenso de criar uma companhia, fruto de uma busca que, de certa forma, contrariava o caminho “natural” para o qual sua carreira apontava. Na ocasião era bailarino da Cia. Deborah Colker, e, de fato, foi necessária muita convicção para que este projeto se materializasse.

A ideia inicial do solo era explorar as peças de xadrez e a movimentação das peças de acordo com as regras do tabuleiro. Bispo, Cavalo, Peão ... porém ao observar o que havia criado se deparou com outra imagem: a limitação. Percebeu que cada peça trazia uma limitação, “como jogar com estas limitações? Pernas cruzadas, pé preso no chão, mão presa à cintura, etc.” E a ideia inicial foi abandonada e esta “revelação” passa a dar o tom e a definir o caminho a seguir. O solo é ampliado para um espetáculo de 50min. com todos os bailarinos em cena e estamos diante do formato final de QUASE UMA.

Ainda conversando sobre processo criativo, Alex fala sobre seu espetáculo mais recente SAUDADE DE MIM (2014). Este traz um diálogo entre a obra Cândido Portinari e Chico Buarque, versando sobre nascimento, vida e morte.  O processo de criação desta obra traça um percurso diverso. Ela parte de um “espanto”.  Alex conta que teve o privilégio de estar em contato com os painéis Guerra e Paz, de Portinari, no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro ao ser convidado para dançar com Ana Botafogo. O impacto causado pela obra o fez buscar mais informações e se aproximar da história por traz da obra. Mas a questão que nos interessa tratar aqui é a mobilização para um processo a partir do impacto, do espanto diante da obra.

E A ARTETERAPIA?

Quantas vezes já nos deparamos com situações como esta na nossa prática em Arteterapia? O cliente parte de uma fala, consciente, elaborada, e inicia uma pintura, por exemplo.  Ao longo do processo tem forte convicção de que está criando algo sobre o tema desenvolvido verbalmente. Porém, ao terminar a imagem e se colocar diante dela, percebe-se que ela traz um conteúdo novo, inesperado, e o processo tem continuidade a partir daí. Como no caso da obra QUASE UMA que iniciou com o jogo de xadrez.

A outra experiência compartilhada por Alex, sobre a obra de Portinari, que de certa forma também diz respeito ao processo anterior ao se referir à surpresa, ao espanto, ao impacto, nos coloca diante de uma experiência comum no setting. O cliente fica mobilizado no contato com a Arte, ao ir a uma exposição, assistir a uma peça de teatro, um filme, um espetáculo de dança, ler uma poesia, etc., e traz esta experiência e o que ela mobilizou para seu processo terapêutico. Mas  é importante ressaltar aqui que a Arteterapia pode ser a responsável por promover este encontro do cliente com a Arte no próprio setting arteterapêutico, criando um ambiente para que se estabeleça um contato profundo com a pintura, com a poeisia, com música, etc. Então, estamos diante de dois modos de como esta mobilização pode se dar e chegar até nós, arteterapeutas: o cliente pode trazer uma experiência externa para o setting, ou a experiência pode se dar no próprio setting acompanhada pelo arteterapeuta. 

Estou convencida de que a aproximação com a Arte em suas diversas linguagens, trazendo-a como experiência para a nossa vida, é fundamental e enriquecedora, amplia nossos horizontes, desperta novas reflexões sobre o viver. Me parece ser essencial para o arteterapeuta que propõe uma terapia pela Arte, que este crie com ela uma relação estreita e íntima.

QUASE UMA?

Que perguntas os movimentos criados e executados com tanta precisão e sensibilidade pelos bailarinos Alex (coreógrafo), Carol, Márcio, Clarice, Gabi, Cosme, Mônica e Felipe, são colocadas diante de nós? Importante citá-los já que somos colocados diante deles e tão próximos a ponto de sentirmos sua respiração naquele pequeno teatro semi-arena. Esta proximidade também intensifica nossa exposição ao tema em torno do qual a movimentação se dá: "as possibilidades diante das impossibilidades". Estamos diante de questões como: "o que te prende?", "onde está o seu pé preso?" ... ou ainda nas palavras do próprio artista: "o que nos impede de sermos UM, o que nos mantêm no QUASE?"

Para conhecer e acompanhar a agenda da Focus Cia da Danca acesse o site
www.focusciadedanca.com.br

Partindo destas reflexões sobre a proximidade com a Arte, o Não Palavra criou o projeto "Arteterapia: Encontro com Grandes Artistas", com workshops mensais, iniciando com Kandinsky no dia 19 de abril.
Informações sobre o evento Encontro com Grandes Artistas : naopalavra@gmail.com 

Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com

3 comentários:

  1. Oi! Parabéns pelas conexões! Sou Arteterapeuta e muito me interessa os workshops mensais!
    Meu email é mantenhaosimples@yahoo.com.br
    G R A T I D Ã O

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  2. Comentário enviado por Priscila Ferreira via facebook dia 05/04/16
    Nossa. Que experiência maravilhosa. Realmente o contato com a arte/dança pode sensibilizar muito. E tornar parte do meu "eu". Adorei.

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  3. Comentário enviado por Ana Formighieri via facebook dia 07/04/16
    "Curti muito o artigo! Muito intensa a relação da arte e terapia... Com certeza nós artistas colocamos em cena muitas das nossas questões pessoais!"

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