segunda-feira, 11 de abril de 2016

PSICANÁLISE E ARTETERAPIA: Encontros e desencontros (Parte I)



Por Eliana Moraes

A formação de Arteterapia no Brasil se dá basicamente por embasamento teórico na Psicologia Analítica de Carl Jung e é inquestionável sua contribuição teórica para esta prática terapêutica. Entretanto, percebo que ao aceitarmos o convite para o aprofundamento na teoria junguiana, somos sutilmente convidados a torcer o nariz para Freud, psicanálise e afins (o inverso também é verdadeiro).

Lembro-me dos tempos da faculdade em que eu frequentava paralelamente grupos de estudos freudianos e junguianos e quando observava algum olhar de interrogação sobre esta prática, pensava: “Pessoal, Freud e Jung brigaram em 1913, mais de cem anos se passaram, a gente não precisa continuar brigando.”

Penso ser um engano deixar de estudar as teorias desenvolvidas a partir de tanto estudo e observação apurada do ser humano (tão plural) justificando-se por passagens da biografia do teórico, seus afetos e desafetos. E penso que não há como um terapeuta que se proponha a trabalhar com o conceito de inconsciente não ler Freud, o primeiro a sistematizar este conceito e seus desdobramentos.

Desta forma, eu uma arteterapeuta (por formação, vocação e prática) venho me aprofundando nos estudos sobre a psicanálise e articulando com a prática da Arteterapia. Esta é uma teoria que contribui muitíssimo para o olhar e o manejo na clínica e tem sido um caminho instigante pensar sobre os encontros e desencontros entre estes dois saberes.

Uma articulação que venho me debruçando se dá na associação entre o divã e a Arteterapia. A ideia de se deitar ao divã no setting psicanalítico assusta muita gente. Eu particularmente não compreendia a potência desta prática até me submeter a ela (sim, sou paciente de psicanálise ortodoxa desde 2014).

Um dos motivos pelos quais se usa o divã é para que o paciente se liberte do olhar do analista, pois de costas o paciente não poderá buscar sutis expressões faciais, qualquer sinal em seu olhar - aprovação, espanto, decepção.. - ou que busque nele uma “resposta” que influencie ou contamine o fluxo do seu discurso. O paciente se liberta da expectativa de manter um diálogo construído, coerente (racionalizado) com seu analista, e nesta configuração segue trilhando um caminho muito próprio, e a partir da associação livre vai adentrando por caminhos desconhecidos e profundos que lhe pertencem.

Neste sentido, cada vez mais tenho explorado o potencial de não estar no campo de visão do meu paciente. Posso pedir que ele “simplesmente” colora um desenho ou “apenas” fique manipulando um pedaço de argila enquanto fala. Percebo que este procedimento coopera para que o paciente rebaixe sua consciência (resistência), desloque um pouco da expectativa do diálogo com sua terapeuta e fale mais livremente. Abre-se um campo para o espontâneo (tão potente!) e percebo que no fim deste processo, fatalmente tanto a expressão verbal quanto a imagem surgida falaram surpreendentemente.

Em outro momento, quando o paciente mergulha em um processo criativo, em um profundo diálogo com o material (consigo mesmo), me desloco para uma posição lateral, para que ele tenha espaço para “caminhar”. Este formato coopera para que o paciente invista de si naquela produção, responsabilizando-se como autor e protagonista de sua obra/vida. Ele caminha, pensa, (se) cria e (se) constrói.

Muito se brinca com a imagem do analista desatento, sentado, cochilando enquanto o paciente fala sem vê-lo. Mas esta imagem não é real se estamos falando de um terapeuta com comprometimento ético e que tem amor pelo seu paciente. Este lugar de estar ao lado sustentando pela transferência um campo de batalha interna, um espaço de autoconhecimento e promoção de saúde para um sujeito, deve ser ocupado por alguém consciente e preparado para sua tamanha responsabilidade.


Em um próximo texto darei seguimento a esta instigante investigação sobre os encontros e desencontros entre duas das minhas grandes paixões: a Psicanálise e a Arteterapia. 

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