domingo, 31 de março de 2013

A TRANSFERÊNCIA NO PROCESSO CRIATIVO



            Nas últimas semanas algo saltou aos meus olhos: em duas sessões com pacientes diferentes, após a produção de um trabalho expressivo, o resultado e os símbolos produzidos ficaram em segundo plano e reflexões interessantíssimas foram levantadas ao expressarem o que sentiam enquanto produziam.
            Uma paciente demonstrava inquietude, ansiedade. Enquanto eu a observava ela disse:
- Eu fico muito nervosa fazendo esses trabalhos pois a minha sensação é que estou sendo avaliada... Eu acho que você está avaliando meu trabalho.
            Ser avaliada. Uma questão para a paciente. A partir de então ela começou a falar de si, como teme a avaliação e a percepção das pessoas sobre ela.
            Em outra ocasião a paciente relatou a sensação ruim de não saber o que fazer. Mesmo em um segundo momento encontrando um caminho para a produção criativa, deu ouvidos ao incômodo inicial com o fato de “ter que produzir algo rápido” e “ter que satisfazer o meu pedido, a minha expectativa”. (Quem disse que ela tinha que ser rápida? E quem disse que ela tinha que fazer o que eu pedi?)  Naquele dia toda a reflexão girou em torno de como a pressa e a satisfação do outro marcavam as suas relações.
            Cenas que apareceram durante o processo criativo, mas que na verdade são repetições de dinâmicas que os pacientes vivenciam no seu dia a dia, em seus relacionamentos. Em ambos os casos as pacientes relataram suas fantasias em relação à terapeuta enquanto produziam. Mas seus sentimentos não surgiram apenas nestas situações específicas e não se aplicam à pessoa da terapeuta, e sim repetem experiências anteriores. São na verdade um revivência artificial de sentimentos primitivos. Na teoria da psicanálise este fenômeno é denominado por Freud de transferência, e tomar consciência destas repetições faz parte do trabalho analítico.
            Em arteterapia, muitas vezes se prioriza a reflexão sobre o resultado ou o símbolo produzido. De fato, o que o paciente produz traz muitos conteúdos a serem pensados na terapia. Mas desenvolver o olhar para o processo cada vez tem me convidado mais. É notório que mesmo em sessões de arteterapia em que o paciente está com a atenção voltada para seu próprio processo criativo, o fenômeno da transferência se impõe e deve ter o seu lugar.

Um comentário:

  1. Muito interessante essa angústia do paciente... O ser humano precisa ser menos robô. Precisamos aprender a nos expressar mais livremente... Jane

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