segunda-feira, 29 de setembro de 2025

VISITA A MUSEUS COMO RECURSO PARA AMPLIAR A EXPRESSÃO NO FAZER ARTÍSTICO




Por Claudia Tona - RJ

claudiatona63@gmail.com

@libelula_psicopedagogia_arte

 

“Há beleza na vida, há beleza em tudo. Vocês veem?… Há beleza na alegria, e mesmo na saudade, na tristeza, no sofrimento e até na partida, há beleza. A vida é uma beleza.” (Nise da Silveira)


Como educadora, sempre valorizei a “aula passeio”, termo cunhado por Celetin Freinet. Para ele, a aula-passeio é uma prática que liberta estudantes do ambiente estritamente escolar para explorar o entorno, fomentando o contato com a realidade e a conexão entre teoria e prática. No contexto arteterapêutico, meu trabalho continua sustentado pelo mesmo pilar. Assim, com este relato, apresento um recorte das experiências que venho fazendo com o grupo de mulheres maduras, Sementes ao Pôr-do-sol – oficinas de arte para pessoas no entardecer da vida – incluindo as visitas guiadas a museus. Mas antes, é necessário contextualizar os pensamentos que me fizeram adotar uma prática mais comum na área da Educação, observando algumas conexões entre pensadores que considero importantes para o tema.


Comecemos pela Abordagem Triangular, da arte-educadora Ana Mae Barbosa, cujas ideias se conectam com a Arteterapia no sentido de como essa visão pode enriquecer e aprofundar o processo arteterapêutico, em se tratando das aulas passeio. Enquanto a Arteterapia foca na expressão e no autoconhecimento por meio da arte, a abordagem de Ana Mae oferece uma estrutura para que essa expressão ganhe maior consciência crítica e contextual, tanto para o paciente, quanto para o arteterapeuta. Trata-se do conhecer (contextualizar), apreciar (fruir) e fazer (produzir) Arte.


O fazer artístico é parte fundamental do processo arteterapêutico, onde o cliente materializa conteúdos do inconsciente por meio de diferentes linguagens artísticas e esta expressão se torna um ponto de partida para a reflexão sobre o seu mundo interno. A apreciação e a leitura da imagem são essenciais para o processo reflexivo em Arteterapia. Com o acompanhamento do arteterapeuta, o cliente conhece sua própria obra, compreendendo os símbolos, as formas e as cores como manifestações de seu inconsciente, bem como os materiais e as técnicas utilizadas. Na contextualização, a abordagem de Barbosa sugere um enriquecimento. O arteterapeuta pode levar o paciente a relacionar suas criações não apenas com sua história pessoal, mas também com o contexto histórico, social, cultural e familiar em que vive, permitindo uma compreensão mais completa das influências externas sobre seus sentimentos e comportamentos, pois todos nós vivemos no coletivo. A contextualização é o diferencial que a teoria de Ana Mae oferece à Arteterapia. Ao encorajar a reflexão sobre as condições sociais e culturais, o processo terapêutico se aprofunda. Por exemplo, a obra de um paciente pode refletir questões de gênero, racismo ou preconceitos, que ganham mais profundidade se analisadas sob uma perspectiva abrangente. 

A Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa é um recurso para a organização da prática arteterapêutica ao oferecer uma estrutura que integra a expressão emocional (fazer artístico) com a reflexão estética e crítica (apreciação e contextualização), promovendo um processo mais consciente, completo e libertador para o paciente quando em visita guiada a museus, o que pode ser uma ferramenta complementar e enriquecedora para a arteterapia, pois proporciona um encontro direto com obras de arte em seu contexto original, estimulando a reflexão, a ressignificação e a expressão emocional dos pacientes. O museu se torna o espaço para a leitura mais aprofundada, coletiva e individual de imagens, indo além das obras produzidas na sessão. Os clientes têm contato com diferentes técnicas, estilos e épocas, ampliando seu repertório visual e estético. O arteterapeuta vai mediar a observação, incentivando o cliente a explorar como diferentes artistas representaram temas universais como medo, alegria, tristeza ou esperança. Essa análise pode trazer insights sobre as próprias emoções. Além do mais, o museu pode e deve ser um espaço de integração social, onde o cliente questiona seu lugar na arte e na sociedade. Para a Arteterapia, isso pode ajudá-lo a ressignificar o pertencimento e a identidade. O fazer artístico que acontece depois, na sessão de Arteterapia, se aprimora com a visita a museus. O contato com as obras pode inspirar e dar novas ideias aos pacientes, que retornam ao ateliê com um repertório ampliado para a criação, produzindo uma releitura pessoal, baseada nas percepções, emoções e reflexões que surgiram durante a visita, fortalecendo a autenticidade e a autoria. E as vantagens terapêuticas da visita a museus não param por aí. 



A prática pode promover a redução da ansiedade e estresse: a contemplação de obras de arte em um ambiente tranquilo pode ter um efeito calmante, ajudando a restaurar a atenção e a reduzir a ansiedade; o aumento da autoconsciência e da criatividade (ao se conectarem com as emoções expressas na arte e refletir sobre a própria história, os clientes podem aumentar sua autoconsciência) estimula a criatividade, abrindo novas possibilidades de expressão; o pertencimento social, sobretudo para grupos em situação de isolamento ou com questões de saúde mental, pois a visita ao museu, especialmente em contexto terapêutico, fomenta a coesão social e a sensação de ser pertencente; o enriquecimento da narrativa pessoal, já que a arte pode evocar memórias e sentimentos, levando o sujeito a refletir sobre suas experiências de vida e a ressignificar sua narrativa. 

Convido ainda para esta conversa, a psiquiatra Nise da Silveira, pioneira na luta contra o estigma da loucura, demonstrando o potencial criativo de seus clientes. Ela valorizava o sujeito em sua totalidade, independentemente de seu estado psíquico. Foi a criadora do Museu de imagens do Inconsciente, no Rio de janeiro, com a função de preservar, estudar e divulgar as obras dos clientes, dando a elas o estatuto de arte. O museu foi pensado como um espaço de reconhecimento e dignidade para a produção de quem era historicamente marginalizado, além de um espaço de pesquisa para cientistas nacionais e internacionais. A expressão do inconsciente através da criação artística era o ponto central do trabalho de Nise. Ela via a arte como a manifestação do mundo interior. Utilizava a interpretação das obras para entender os processos psicológicos dos clientes, fazendo uso da Psicologia Junguiana e da mitologia. Ela contextualizava o trabalho em relação ao universo simbólico e inconsciente de cada indivíduo.

Bem, então vamos à prática! Antes da visita guiada, o grupo de 5 pessoas de 60 a 80 anos já havia trabalhado com sua identidade, suas memórias desde a infância, usando materiais e técnicas diversas. Uma delas se interessa pela fotografia e este foi o gancho que eu precisava para que a minha proposta de saída cultural acontecesse. Na mesma rua da instituição, foi reinaugurado recentemente o Museu Antonio Parreiras, que estava fechado há mais de dez anos. Quando lancei a ideia, elas se entusiasmaram e então, passei à etapa da organização: o agendamento da visita guiada, informando o perfil do grupo à equipe do museu, o preparo do grupo sobre qual seria a consigna e, claro, o lanche para um piquenique coletivo. Todos esses preparativos fazem parte do acolhimento com afeto e são disparadores da vivência.

O MAP é cercado de verde. O som do vento nas folhas e dos pássaros e pequenos animais silvestres superam o movimento da rua onde é localizado. Combinamos o encontro no local e ali mesmo, no jardim, começou essa experiência sensível, emocional e afetiva, pois algumas haviam conhecido o Museu antes dele fechar. A visita guiada pela Exposição em cartaz foi enriquecida por uma experimentação sensorial, na qual usamos vendas para sentir cheiros e tocar em elementos da natureza sem o sentido da visão. Ao abrirmos os olhos, estávamos diante de duas obras de Parreiras que retratavam um incêndio na floresta e uma árvore morta (ambas dos anos 1930), o que explicou o aroma inicial de ervas e o barulho de chuva, substituídos posteriormente pelo cheiro de fumaça e estalidos de fogo. Foi um momento de reflexão profunda sobre a natureza e a importância do ecossistema, planejado e executado com maestria pela equipe do Educativo do MAP. Depois desse momento, o grupo ficou livre para fotografar o que mais as tocaram em todo o espaço de visitação, incluindo o jardim. Acompanhei o movimento de longe, mas com olhar e escuta atentos. Percebi que cada uma por si buscava cantos e recantos que as chamavam para perto, penetrando num outro plano, numa envolvente atmosfera de passado, presente e elucubrações futuras.



Pedi que elas enviassem as fotos mais significativas (em suas visões) para o grupo de WhatsApp e passei as orientações para o encontro seguinte, já na sede da Fundação: elas deveriam, além de me enviar as fotos, escolher uma delas, a mais importante para cada uma, e levar impressa.

Uma semana depois, o fazer artístico estava ali, se materializando. A consigna era: o que está além dos meus sentidos na visita ao Museu Antonio Parreiras? A técnica foi a amplificação de imagem, usando a foto selecionada e o material disponibilizado foi lápis aquarelável e aquarela, mas algumas me solicitaram lápis grafite e régua. Para sensibilização, exibi um vídeo com todas as imagens que elas me enviaram, possibilitando que elas revisitassem o Museu e relessem aqueles registros tão caros a elas.

Durante o processo de produção expressiva, houve comentários, como: “sinto-me uma criança brincando de pintar.”; ou “eu me lembro do momento exato em que fiz essa foto.” Percebi o quanto estavam envolvidas naquele trabalho de estimulação cognitiva, tão essencial para um envelhecimento saudável, ainda mais com Arte, afeto e diversão.



Essa vivência ainda não terminou, está acontecendo ainda, se amplificando e, a cada semana, elas descobrem algo a incluir nessa visão abrangente do seu mundo interno. E assim segue o grupo Sementes ao Pôr-do-Sol, para pessoas no entardecer da vida, semeando sempre, pois, no pensamento de Ana Mae Barbosa:

“A arte une mais que experiências de outra natureza. São as relações de fazer e padecer, e a energia de ida e vinda que fazem com que a experiência da Arte seja uma experiência renovadora e constantemente renovável”. BARBOSA, 2021.


REFERÊNCIAS


BARBOSA, Ana Mae e CUNHA, Fernanda Pereira , Abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. 1ª ed. Ed. Cortez. SP, 2012

BARBOSA, Ana Mae. Arte na Pedagogia. 200 Revista GEARTE, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 200-209, maio/ago. 2021. http://dx.doi.org/10.22456/2357-9854.117498

FREINET, Celestin. A Pedagogia do Bom Senso. Ed: ‎ WMF Martins Fontes (POD). 8ª edição. SP, 2022.

https://educacaointegral.org.br/reportagens/ana-mae-barbosa-e-educacao-por-meio-da-arte/#:~:text=Aluna%20de%20Paulo%20Freire%2C%20desenvolveu,apreciar%20uma%20obra%20de%20arte.

https://mow.arquivonacional.gov.br/index.php/not%C3%ADcias/68-nise-da-silveira-e-o-museu-de-imagens-do-inconsciente.html 

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0197455616300879#:~:text=Popular%20authors%20and%20philosophers%20de,reminiscence%20and%20other%20psychological%20needs.

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Sobre a autora: Claudia Tona




Formanda em Arteterapia pelo Espaço terapêutico Caminhos do Self, no Méier, RJ.


Como Pedagogoga e Psicopedagoga, atuou em todos os segmentos da Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio, EJA e Educação Especial e Inclusiva, tanto como professora quanto gestora; nas escolas públicas e privadas, a Arte sempre foi seu instrumento principal, sua varinha de condão.


Atualmente, faz atendimentos individuais e em grupo, tendo como base a Psicopedagogia com abordagem em Arte. 


É Coordenadora do Solar do Guri, segmento infanto-juvenil do Solar Artes e Terapias em Piratininga, onde organiza junto com a Trupe Ensolarada, eventos para celebração do brincar através da Arte.


Compõe a equipe multidisciplinar do Espaço Terapêutico Cíntia Magacho, no Centro de Niterói, onde realiza atendimentos individuais e participa da organização de Workshops periódicos sobre aprendizagem e saúde mental.


Na Fundação Cultural Avatar, no Ingá, promove a Oficina Sementes ao Pôr-do-sol, com pessoas maduras as protagonistas do presente relato.


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

RELATO DE EXPERIÊNCIA: O USO DO ILEÍSMO EM UM GRUPO DE MULHERES NO CONTEXTO DA ARTETERAPIA ORGANIZACIONAL

Por Milena Medeiros - RJ

O conceito de Ileísmo, derivado do latim ille (aquele) e o sufixo -ismo, ganhou destaque nas práticas terapêuticas a partir dos anos 2000, especialmente nas abordagens narrativas em que o foco é reescrever ou reinterpretar a própria história em terceira pessoa.  Desenvolvida na década de 1990, a Terapia Narrativa visa distanciar o indivíduo de seus problemas, permitindo que ele os perceba como algo separado de si. Esse distanciamento facilita a releitura da própria história, proporcionando uma nova perspectiva sobre as experiências e auxiliando na construção de uma identidade mais forte e integrada.

Conforme White e Epston (1990, 2007), na perspectiva narrativa, não há uma única maneira de descrever uma experiência. Ao narrá-la, certos aspectos ganham mais destaque, o que resulta em uma narrativa dominante que pode limitar as ações e a visão de identidade da pessoa, muitas vezes obscurecendo outros elementos que poderiam ajudar a construir narrativas alternativas (Ribas, Lion & Souza, 2024).

Embora o Ileísmo não seja amplamente abordado como uma técnica isolada, ele é altamente eficaz em processos de autoconhecimento e na gestão de experiências dolorosas. Em abordagens como a TCC, o uso da terceira pessoa ajuda o indivíduo a observar seus pensamentos e emoções de forma mais clara, promovendo maior controle emocional e reduzindo a reatividade. Na psicologia Positiva, estudos mostram que a técnica pode reduzir a ansiedade, aprimorar a tomada de decisões e ampliar a estabilidade emocional. O uso dessa técnica não se limita à terapia – em contextos educativos com crianças, o Ileísmo facilita o entendimento e nomeação das emoções, criando um distanciamento saudável para lidar com frustrações. Ela também aparece na literatura, onde o discurso indireto cria um distanciamento emocional que também permite a reinterpretação das vivências; e na autoterapia, facilitando o processamento das emoções e promovendo uma nova compreensão sobre si mesmo.

Na Arteterapia, o Ileísmo surge como um recurso simbólico e afetivo de distanciamento emocional, favorecendo a autoaceitação, a reorganização dos sentimentos e o fortalecimento da relação interna, com foco na redução da autocrítica. Na vertente da “Arteterapia Expressiva”, a técnica do Ileísmo se expande além da narração em terceira pessoa para incluir não apenas materiais artísticos, mas também formas de expressão corporal como gestos, movimentos e elementos do teatro. Segundo a americana Cathy Malchiodi, arteterapeuta, terapeuta em artes expressivas e conselheira em saúde mental, o uso combinado de recursos expressivos e do corpo como ferramenta simbólica amplia a capacidade de externalização das emoções e vivências. Em The Art Therapy Sourcebook (2006), a autora destaca que a criação artística oferece ao indivíduo um espaço simbólico seguro, permitindo o distanciamento necessário para reorganizar sua narrativa pessoal de forma mais leve e construtiva.

“A criação artística, através de formas como a narrativa ou o desenho, pode ser usada para reescrever e reinterpretar as experiências de vida, criando uma distância simbólica que possibilita a cura e a reconstrução da identidade.”
Cathy Malchiodi, "The Art Therapy Sourcebook" (2007).

O distanciamento narrativo é uma ferramenta terapêutica valiosa, mas seu uso inadequado, especialmente em contextos traumáticos ou transtornos dissociativos, pode prejudicar a integração emocional e afastar a pessoa da realidade, dificultando o enfrentamento das emoções. Quando mal orientado, pode gerar alienação emocional e prejudicar o processo terapêutico. Embora o Ileísmo seja eficaz em muitos contextos, seu uso excessivo ou dissociado pode estar relacionado a distúrbios do pensamento, como na esquizofrenia, em que a dissociação não é controlada, pois há uma perda de contato com a realidade. A linha entre distanciamento saudável e dissociação patológica é muito tênue, dependendo de como a técnica é aplicada e da intenção terapêutica. Por isso, é fundamental usá-la com sensibilidade, respeitando os limites individuais ou de grupo para que seja um recurso promotor da saúde e do fortalecimento da identidade. Contexto e intenção são essenciais.

Com base nessa premissa, o caso a seguir ilustra a aplicação do Ileísmo em um grupo de mulheres no ambiente corporativo. O uso da técnica ocorreu em um momento oportuno, ao final de um ciclo de encontros já consolidados, quando o vínculo de confiança entre as participantes, dentro do processo, já se encontrava fortalecido. Esse contexto proporcionou um espaço seguro para que elas compartilhassem conquistas e desafios de forma reflexiva. O distanciamento emocional oferecido pelo Ileísmo permitiu observar as experiências sob uma perspectiva externa, favorecendo a reflexão sem a sobrecarga emocional do momento presente.

 





Durante o estágio realizado em 2019, um dos encontros mais significativos foi justamente o encerramento desse ciclo arteterapêutico. A proposta da sessão foi simbolizar a Jornada de Heroínas, utilizando o ritual de coroação como forma de resgatar os aprendizados e mudanças vivenciadas ao longo do processo. A técnica do Ileísmo foi cuidadosamente integrada ao processo grupal, respeitando o momento evolutivo do grupo e garantindo que a atividade ocorresse de forma segura.

O grupo era composto por cinco participantes: Atena, Hebe, Héstia, Íris e Afrodite. A sessão teve início em um ambiente externo, acolhedor e descontraído, acompanhado por um lanche artesanal que contribuiu para a criação de um clima afetivo. Em seguida, foi proposta uma atividade de contação de histórias, na qual cada integrante narrou sua trajetória pessoal em terceira pessoa.  Esse distanciamento narrativo possibilitou que experiências difíceis fossem acessadas de maneira mais leve e reflexiva, favorecendo a elaboração emocional sem que as participantes fossem consumidas pela dor. 




As histórias compartilhadas foram intensas e marcantes. Atena, que estava prestes a deixar o grupo, celebrou sua aprovação em um concurso público e sua mudança para uma nova cidade com a filha, observando com particularidade o que a participação no processo implicou em sua nova visão de vida “liberdade de escolha, de ação, leveza na alma e certeza de que posso me sentir mais feliz”.  Héstia trouxe à tona a dor pela perda recente da mãe “tudo mudou após a morte de SUA mãe” sendo acolhida com sensibilidade pelo grupo. Íris, inicialmente reticente e emocionada, conseguiu expor e compartilhar sua história, sendo aquela a primeira vez que expressou algo sobre sua vida particular. Afrodite, que não havia finalizado a confecção de sua coroa na sessão anterior, trouxe-a pronta, encerrando simbolicamente seu processo junto às demais e HEBE, corajosamente se expressou com emoção e firmeza. As histórias de vida revelaram trajetórias marcadas por grandes perdas familiares, financeiras, ausência de moradia e dificuldades na relação com a figura materna. Essa sessão foi especialmente catártica e comovente, conforme relataram as próprias participantes. Houve profunda comoção por parte das ouvintes a cada narrativa. 

Em seguida, cada participante foi convidada a se dirigir até um trono simbolicamente decorado, representando o reconhecimento de sua jornada de autoconhecimento e conquistas. Nesse momento, elas declararam seus desejos e intenções para o futuro, em um gesto de autoafirmação e fortalecimento pessoal. Os símbolos utilizados – a coroa , o manto branco de renda e seda, e o cetro improvisado a partir de uma baguete da mesa do café, reforçaram a autonomia e a potência de cada mulher. Apesar da simplicidade dos elementos, o impacto foi profundo, contribuindo para que as participantes se reconhecessem como protagonistas de suas próprias histórias.

Esse relato ilustra como a técnica do Ileísmo, aliada a rituais simbólicos, pode ser valiosa dentro da Arteterapia. Mais do que narrar experiências, trata-se de oferecer meios expressivos e simbólicos que favoreçam o distanciamento saudável, o reinventar de vivências e o fortalecimento emocional — especialmente em contextos grupais, com foco na reconstrução do sujeito a partir de sua própria história.

 

Referências

Ribas, J. C., Lion, C. M., Souza, L. V. (2024). Práticas Narrativas no Brasil: Panorama e Difusão. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003269019

MALCHIODI, Cathy A. The art therapy sourcebook. New York: McGraw-Hill, 2006.

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Sobre a autora: Milena Medeiros



Arteterapeuta AARJ1122

Com mais de 15 anos de experiência em Gestão de Gente e Negócios no mercado Corporativo, hoje atua com a Arteterapia Clínica e Empresarial

Coautora e Coordenadora do Projeto de Atendimento Social Não Palavra Arteterapia

Pós Graduada em Arteterapia pela Clínica Pomar RJ

Certificada pela Escola Humana de Negócios em Arteterapia nas Empresas

Certificada em Visão Sistêmica Organizacional – Systems Team Awarebess – Mundo VUCA – Metaforum Internacional SP

Certificada em Visão Sistêmica com base psicoterapêutica de Bert Hellinger Instituto Luz do Ser/SC e MG

Practioner em PNL pelo Instituto Espaço SER/SC

Certificada pela UNAT- Brasil – 101 Introdutório Oficial de Análise Transacional. Abordagem psicológica de Erick Berne.

   Gestão em PMES – Universidade Metodista de SP

terça-feira, 16 de setembro de 2025

ARTETERAPIA - COMO ARTE-RE(HABILITAÇÃO COGNITIVA NA DOENÇA DE ALZHEIMER (PINTURA COM MASSA DE EVA)


Por Milena Cavalheiro - SP

            A Arteterapia com Longevos é desafiante e recompensador. Têm dias, que pensamos que estamos indo pelo caminho errado, que não temos mais ideias... Fazemos vários questionamentos sobre o ser arteterapeuta.

                        Muitas incertezas sobre o método utilizado. Pensamos: Será que isso que estou fazenso é Arteterapia?

                        Em grupos de longevos com diferentes níveis cognitivos, diferentes habilidades, será que é conveniente aplicarmos a mesma atividade?

                        Eu estou há 08 anos, trabalhando com esse público e ainda não encontrei uma fórmula. O que eu faço é observar cada um, individualmente, e possibilitar processos onde o atendido possa explorar as suas habilidades preservadas.

                        Nesses anos de trabalho, já me frustrei muito, por em alguns momentos achar que estou fazendo o certo e não era. Quantas vezes eu cheguei em um residencial, com um material, a atividade pronta e no momento de aplicar, eu ter que mudar os planos. Essas mudanças foram me tornando mais criativa, mais dinâmica e ampliando o meu leque de possibilidades de atuação com eles.

                        Hoje, trago um caso de um senhor, de um dos residenciais em que atendo, vou chamá-lo de Severino.

                        O Sr. Severino, chegou ao residencial por volta de três anos, num estágio avançado da Doença de Alzheimer, mas ainda falava e interagia. Adorava as atividades de estimulação cognitiva com a bola. Apesar da Doença de Alzheimer tinha o senso de lateralidade e direção preservados.

                        Mas, no final de 2022, ele sofreu um AVC e o comprometimento cognitivo dele, foi de moderado a severo muito rapidamente.

                        São quase três anos, convivendo com a re(ha)bilitação dele, que ficou com o lado esquerdo paralisado.

                        Em alguns dias, não conseguimos fazer nada, mas em outros e com persistência, ele consegue, inclusive realizar sozinho o processo, por um período curto de tempo, mas consegue.

                        O que eu quero dizer com isso, que com insistência e pela repetição, por mais que o nosso atendido esteja com comprometimento cognitivo severo, nós conseguimos extrair algo deles.

                        E, em muitos casos, só o fato de você estar ali, com o seu atendido, contando uma história, lendo uma poesia, mostrando uma obra de Arte, segurando na mão dele para que ele possa colorir, ou trabalhar com massinha, como é o caso do Sr. Severino, você está proporcionando um momento precioso e raro para ele, que está ali, isolado do mundo real, vivendo apenas das lembranças do passado, sem conseguir fixar-se no momento presente.

                        O Sr. Severino, me surpreendeu. Segue o processo com massinha que realizamos em três encontros.

                        A massinha de EVA, foi um achado, pois ela não gruda não do atendido, é bastante macia, tem uma textura gostosa para modelar, não umedece o papel, podendo assim ser trabalhada tanto na modelagem como na pintura.

                        Com o Sr. Severino, o último processo foi realizado com pintura. Peguei a seguinte imagem da internet: 

 


(Imagem retirada do site: https://www.lavoretticreativi.com/)

 

                        Os espaços são grandes, sem muita dificuldade para realizar a pintura com a massinha.

                        Com esse atendido, eu sempre que posso, trabalho com massinha, faço massagem com a bolinha de tênis ou leio para ele, então nós já temos um vínculo formado.

                        No primeiro dia, mostrei a imagem para ele, que estava meio sonolento. Mostrei as possibilidades de cor de massinha, e ele apontou para a massinha marrom. Como ele estava sonolento, eu iniciei o processo, fazendo uma bolinha junto com ele e depois segurando a sua mão, fizemos o movimento de prensa. No primeiro momento, não obtivemos muito sucesso. Eu não insisti, para não deixá-lo nervoso.

Dia 1

 

 


 

                        Já no segundo dia, ele estava mais disposto e iniciamos pela escolha da cor, como ele não escolheu, eu sugeri o azul, que é uma cor que ele gosta, ele aceitou, então pintamos mais um pouquinho, ele com um pouco mais de autonomia. Tanta autonomia, que quase não entendemos o que ele fala, mas quando ele não quis mais, ele disse: “Chega, não quero mais!”. Novamente, acatei a sua decisão.

Dia 2

 


 

                        E no último dia desse processo, ele realizou uma boa parte da pintura sozinho. Eu o estimulando, pedindo para que ele ‘esticasse ou puxasse’ a massinha mais um pouquinho e foi esse o resultado.

 

Final do Processo (Dia 3)

 

 


 

                        A massinha de modelar estimula a gnosia táctil, trabalha com a coordenação motora e quando nós vamos orientando os caminhos a serem seguidos durante o processo, os nossos atendidos fluem.

                        O que eu quis dizer com esse texto é que através da repetição de estímulo nós conseguimos resultados, que podem parecer pequenos, mas são de grande importância para o acolhimento, a estimulação e o contato com os nossos atendidos.

                        A arteterapia neste caso serve como arte (com licença poética): arte-re(ha)bilitalação, pois estamos estimulando as funções cognitivas, as praxias e alimentando o emocional do nosso atendido. Ao finalizar o processo, quando você o parabeniza por ter concluído, a auto-estima, a auto-valoração, o amor próprio vem, ainda que seja por frações de segundos, mas este indivíduo se sente reconhecido e recolocado no mundo. Ainda que, neste caso, ele se esqueça, mas ele viveu aquele momento. Ele ficou no momento presente, por alguns instantes e isso faz total diferença na vida do longevo.

 

Milena Cavalheiro de Siqueira

AT - UBAAT: 08/846/1121

SP 11-09-2025


Referências Bibliográficas

 

COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com Idosos - Ensaios e Relatos. 2 ed. Rio de Janeiro. Wak, 2015.

FORTUNA, Sônia Maria. Doença de Alzheimer, Qualidade de vida e Terapias Expressivas. 2 ed. Campinas. Alínea, 2005.

FRANCISQUETTI, Ana Alice. Arte-Reabilitação. 1 ed. São Paulo. Memnon, 2011.

FRANCISQUETTI, Ana Alice. Arte-Reabilitação: Um caminho inovador na área da Arteterapia.     1 ed. Rio de Janeiro. Wak, 2016.

MARTINIE, Josy Mariane Thaler. FILHA, Maria Tereza Junqueira Carvalho. MENTA, Sandra Aiche. Arteterapia: Recurso terapêutico ocupacional na terceira idade.

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 Sobre a autora:  Milena Cavalheiro de Siqueira

 


É atriz, arteterapeuta, estimuladora cognitiva e mestranda em Gerontologia. Trabalha em ILPI’s desde 2017. O trabalho desenvolvido com idosos surgiu de maneira inesperada e apaixonante. Realiza atendimentos em Clínica de transtornos alimentares e já trabalhou em clínica de desospitalização com atendidos de diversas idades, ampliando a sua visão sobre as possibilidades de ampliação no campo da Arteterapia e expansão da criatividade.

É movida pela arte. Adora compartilhar conhecimento.

Atendimentos: individual, em grupos. Hoje facilita grupos de estudo sobre Arteterapia e Envelhecimento.