Por Anderson
Amaral e Adriana Limeira do Nascimento - CE
O envelhecimento é um processo natural e
inevitável na trajetória humana. Ao longo da vida, todos percorremos diferentes
fases — infância, adolescência, vida adulta e, por fim, a velhice. Cada etapa é
marcada por descobertas, desafios e transformações, e envelhecer, embora muitas
vezes visto com receio, também pode ser um tempo de ressignificações, novas
conexões e expressão de sabedorias acumuladas.
O Brasil, embora ainda seja considerado
um país relativamente jovem, vem passando por um acelerado processo de
envelhecimento populacional. Segundo os dados dos Censos Demográficos, a
proporção de pessoas com 65 anos ou mais tem crescido de forma contínua: era de
4,8% em 1991, passou para 5,9% em 2000, 7,4% em 2010 e alcançou 10,9% em 2022.
Em números absolutos, essa população aumentou de 10 milhões em 2000 para 14,1
milhões em 2010, atingindo 22,2 milhões em 2022 (GONÇALVES et al., 2024).
Esse cenário traz implicações
importantes para a organização social e os cuidados com a população idosa. Um
dos impactos mais relevantes é o crescimento do número de idosos
institucionalizados. De acordo com dados do Censo de 2022, cerca de 160.784
pessoas com 60 anos ou mais viviam em instituições de longa permanência, o que
representa aproximadamente 0,5% dessa população — estimada em 32,1 milhões de
indivíduos (BRASIL, 2024).
Diante disso, torna-se essencial
repensar os espaços terapêuticos dentro das instituições de longa permanência,
para que não sejam apenas locais de cuidado físico, mas também de estímulo,
afeto e dignidade. Segundo Amaral e Nascimento (2025), é fundamental que esses
ambientes ofereçam propostas de estimulação cognitiva, motora e afetiva por
meio de jogos, arte, musicalização, dança e outras práticas que favoreçam a
ludicidade e o vínculo entre idosos, profissionais e familiares. O objetivo vai
além da funcionalidade: busca-se a promoção do bem-estar, da humanização do
cuidado e da valorização da pessoa idosa em sua totalidade.
Nesse contexto, a arteterapia tem se
mostrado uma abordagem poderosa e sensível, especialmente no ambiente
institucional. Ela contribui para a manutenção da cognição, regula o humor,
favorece a expressão afetiva e possibilita a ressignificação de vivências
pessoais. Por meio da arte, muitos idosos encontram novas formas de expressar
emoções e histórias — especialmente quando as palavras já não são suficientes.
Este artigo apresenta um relato de
experiência da utilização da arteterapia com idosos institucionalizados no Lar
Amantino Câmara, em Mossoró (RN). A proposta foi inspirada na obra do artista
francês Henri Matisse, conhecido por sua sensibilidade ao trabalhar com cores e
formas recortadas. Matisse, mesmo diante das limitações físicas impostas pela
velhice, reinventou sua arte utilizando tesouras em vez de pincéis, criando
colagens vibrantes e expressivas. Sua trajetória inspira a ideia de que a
criatividade pode florescer mesmo nos momentos de maior fragilidade.
A sessão contou com a participação de
oito idosos, sendo dois cadeirantes e quatro com sinais de declínio cognitivo
leve. Os participantes foram distribuídos ao redor de mesas, e o início da
atividade foi marcado por um convite à presença e ao foco no “aqui e agora”,
embalado pela trilha sonora “Acoustic
Flower Vol. 35 – Henri Matisse”. O ambiente sensorial criado visava
acolher, acalmar e despertar as potências criativas de cada um.
Cada idoso recebeu uma folha com
desenhos inspirados na estética de Matisse, além de giz de cera colorido. A
proposta era que pintassem livremente, utilizando cores vibrantes e formas
fluidas, resgatando o espírito criativo e subjetivo do artista. Após essa
etapa, foram convidados a observar suas produções com carinho e atenção.
Em seguida, as imagens foram cuidadosamente recortadas e coladas sobre folhas A4 previamente escurecidas com giz de cera preto. Essa preparação do fundo tinha como objetivo criar contraste visual, facilitando a percepção das formas e valorizando o resultado final da colagem. Alguns participantes necessitaram de auxílio no manuseio da tesoura, devido a limitações motoras nas mãos ou dificuldades visuoespaciais, e esse suporte foi oferecido com respeito, buscando preservar ao máximo a autonomia de cada idoso.
Ao final, os participantes foram convidados a observar os trabalhos
prontos e compartilhar as sensações e lembranças evocadas durante o processo.
Muitos relataram emoções ligadas à infância, à liberdade de criação e ao prazer
de realizar algo bonito com as próprias mãos. O clima geral foi de leveza,
pertencimento e conquista.
Objetivos
da atividade:
- Estimulação cognitiva e
sensorial: O uso
de diferentes materiais, cores e texturas promoveu o engajamento de
múltiplos canais sensoriais, contribuindo para a manutenção das funções
cognitivas e perceptivas.
- Promoção da expressão
simbólica: A
releitura da obra de Matisse permitiu que cada idoso imprimisse seu olhar
singular sobre as formas e cores, favorecendo a livre expressão e a
construção de sentido por meio da arte.
- Valorização da história
de vida e da resiliência: O paralelo com Matisse reforçou a ideia de superação e reinvenção,
mostrando que a arte e a criatividade continuam sendo possíveis — e
significativas — em qualquer fase da vida.
- Fortalecimento da
autoestima e do sentimento de pertencimento: Ao produzirem algo belo, coletivo e
respeitosamente acolhido, os idosos sentiram-se valorizados, o que
contribui para o bem-estar emocional e social.
- Desenvolvimento da
coordenação motora fina: As etapas de pintura, recorte e colagem exigiram planejamento
motor e atenção, trabalhando aspectos fundamentais para a preservação da
funcionalidade e da autonomia.
Os idosos demonstraram
grande entusiasmo ao longo de toda a vivência, e, ao final da atividade, muitos
expressaram surpresa e encantamento com os próprios resultados. Relataram que,
no início, não acreditavam ser capazes de produzir algo tão bonito, criativo e
colorido. Alguns verbalizaram que não tinham o hábito de desenhar ou pintar
desde a juventude, e que a proposta os tirou da zona de conforto de forma leve
e acolhedora.
Durante o momento de apreciação das
colagens finalizadas, foi possível observar olhares de admiração, sorrisos
espontâneos e comentários cheios de orgulho, como: “Eu não imaginava que
conseguiria fazer isso” e “Não é que eu tenho jeito para a coisa?”. Uma das
participantes, que apresentava sinais de isolamento nos dias anteriores,
compartilhou que a atividade a fez se sentir “viva e útil”.
Essas reações reforçam o quanto é
essencial oferecer experiências significativas, que valorizem a autonomia,
estimulem a criatividade e promovam o reconhecimento das capacidades ainda
preservadas. Quando o idoso é convidado a criar, expressar e compartilhar, ele
não apenas exercita habilidades cognitivas e motoras, mas também reconstrói sua
autoestima e fortalece sua identidade — sentindo-se, de fato, visto e
respeitado.
Considerações Finais
A
experiência relatada neste artigo reforça o potencial transformador da
arteterapia no contexto das instituições de longa permanência para idosos. A
atividade inspirada na obra de Henri Matisse mostrou-se não apenas uma
estratégia de estimulação cognitiva e motora, mas também um poderoso recurso de
expressão emocional, resgate de memórias e fortalecimento da autoestima.
Ao
oportunizar que os idosos criassem, interagissem e refletissem sobre suas
produções, foi possível observar o despertar de afetos, a construção de
significados e o sentimento de pertencimento ao grupo. Mais do que o resultado
estético das colagens, o que se evidenciou foi a importância do processo: o
olhar atento, o toque cuidadoso, o som que embala, a partilha silenciosa ou
falada — pequenos gestos que reafirmam a presença, a dignidade e o valor de
cada um.
Diante
do avanço do envelhecimento populacional no Brasil, ações como esta revelam-se
fundamentais para qualificar o cuidado em ambientes institucionais, promovendo
saúde, bem-estar e humanização. A arteterapia, nesse sentido, não é simples
pintar ou colar, mas uma necessidade vital: ela amplia horizontes, reconecta
histórias, ressignificar e devolve ao idoso a possibilidade de continuar sendo
autor de sua própria existência.
Referências
AMARAL,
A.; NASCIMENTO, A. L. Tratado
do jogo: das regras às regras em jogo. Rio de Janeiro: WAK Editora,
2025. 669 p.
BRASIL.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil tem 160 mil pessoas
vivendo em asilos e 14 mil em orfanatos. Agência
Brasil, 28 set. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-09/brasil-tem-160-mil-pessoas-vivendo-em-asilos-e-14-mil-em-orfanatos. Acesso em: 15 jul. 2025.
GONÇALVES,
A.; ALVES, L. C. Idade prospectiva e as novas medidas de envelhecimento
populacional: indicadores para o Brasil e suas cinco regiões. Revista Brasileira de Estudos de
População, São Paulo, v. 41, p. 1–24, e0278, 2024. DOI:
10.20947/S0102-3098a0278. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/PFr6mrgfGjpdt8RzXdrGLmr/. Acesso em: 15 jul. 2025.
Sobre os autores:
Anderson Amaral – Arteterapeuta formado pelo Espaço Psi Rio de Janeiro. Mestre em Tecnologia no Espaço Hospitalar, Pós-graduação em Neurociência com ênfase em Envelhecimento. Pós-graduado em Geriatria e Gerontologia, Pós-graduação em Neuropsicologia ênfase em Reabilitação Cognitiva e Arteterapeuta do lar Amantino Câmara. Autora do Livro Jogos de Estimulação Cognitiva e Motora - WAK Editora e Co autora do livro Tratado do jogo: das regras às regras em jogo - WAK Editora
Adriana Limeira do Nascimento – Arteterapeuta,
Terapeuta Ocupacional, Pós-graduação em Saúde Menta, Pós-graduação em Saúde
Pública e Brinquedista pela ABBri – Autora do Livro Jogos de Estimulação
Cognitiva e Motora - WAK Editora
e Co autora do livro Tratado
do jogo: das regras às regras em jogo
- WAK Editora
Thais Gurgel
ResponderExcluirParabéns Anderson pelo belo trabalho com esta clientela que tanto necessita de cuidados, atenção para viverem bem neste momento de vida.
ResponderExcluirSucesso e que continuem com este olhar empático e humano com todos.
Thais Gurgel
Arteterapeuta
"Através da arte, o idoso se reconecta com sua identidade, ativa a criatividade e amplia sua autoestima."
ResponderExcluir