segunda-feira, 28 de julho de 2025

REFLEXÕES DE UMA ARTETERAPEUTA IMPERFEITA

 

 


Patrícia Paladino – SP

@patriciap.arteterapia

Talvez você ache que eu já tenha todas as respostas.
Eu mesma já quis acreditar nisso.
Mas a verdade é que, todos os dias, também estou aprendendo a me escutar.

Existe um mito silencioso que paira sobre os terapeutas: o de que estamos sempre bem, emocionalmente equilibrados, quase imunes às turbulências da vida. Como se o fato de trabalharmos com o sofrimento alheio nos blindasse do nosso próprio. Mas não é assim.
Eu sou arteterapeuta. E sou humana.
Tenho dias bons e dias ruins. Tenho dúvidas, dores, sombras. E sigo, como todos, em constante construção.

Acredito que a terapia é uma via de mão dupla. Enquanto alguém se permite ser visto, algo em mim também se transforma. Não estou no controle. Não sou um oráculo. E definitivamente não estou num pedestal.
O que faço, com presença e cuidado, é caminhar ao lado. Segurar a lanterna por um momento. Oferecer um espelho simbólico, uma imagem, uma cor. E, se for possível, construir um espaço seguro onde a alma possa respirar e se despir.

Jung dizia:

“Conhecer a própria escuridão é o melhor método para lidar com as trevas dos outros”

E eu não poderia concordar mais.

Como escreveu Beatriz Helena Paranhos Cardella:

“O psicólogo oferece o colo que aninha, o ombro que consola, a mão que encoraja, o discernimento que guia. Mesmo que em seu interior ele careça de tudo isso. [...] Para tanto, precisa de coragem. Uma coragem imensa. Um desprendimento admirável. Uma humildade encarnada – não virtuosa, mas condição necessária para exercer seu ofício com alguma dignidade” (CARDELLA, 2023, p. 241).

Se há algo que aprendi nesses caminhos é que ninguém cura ninguém, mas todos podemos ser testemunhas do crescimento do outro. E, ao sermos tocados por esse processo, também crescemos por dentro.

Ser arteterapeuta, para mim, é um compromisso com o outro, mas também comigo mesma. Com a honestidade de continuar me olhando. Com a humildade de saber que ainda estou em processo.
E com a confiança de que, mesmo imperfeita, posso ser instrumento de cuidado, afeto e transformação.

Como ela também diz:

“Sua precariedade pode estar a serviço do semelhante. Sua fragilidade carrega uma sabedoria sobre a condição humana – e esta mesma sabedoria pode ajudar um outro humano a recordar-se da potência presente em sua fragilidade” (CARDELLA, 2023, p. 44).

Se hoje eu caminho ao lado de outras pessoas, não é porque cheguei a algum lugar.
É porque aprendi que podemos seguir juntas.
E que o verdadeiro encontro se dá não quando um sabe mais que o outro, mas quando ambos se permitem ser humanos.

Trabalhar a partir da própria humanidade muda tudo. Muda a escuta, que se torna mais sensível. Muda o olhar, que deixa de buscar respostas prontas. E muda o espaço terapêutico, que deixa de ser um lugar de correção para se tornar um lugar de criação, escuta e acolhimento.

E isso só acontece quando há confiança. Quando o outro sente que não está sendo analisado, mas acolhido. Não estou ali para interpretar tudo o que é feito, mas para testemunhar o que se revela. E, às vezes, o mais importante é simplesmente sustentar o silêncio.

 

Referências

CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. O Curador Ferido e a Clínica Contemporânea. Amparo: Gráfica Foca, 2023.

 

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Sobre a autora: Patrícia Paladino

 


 
AATESP 984/0823
 
Arteterapeuta com formação pela USCS (Universidade de São Caetano do Sul) com especialização em psicologia analítica pela mesma universidade.
Ofereço Atendimentos individuais para adultos (on-line e presenciais em São Caetano do Sul), grupos  arteterapêuticos e vivências  criativas.

Contato:
Instagram : @patriciap.arteterapia
E-mail: patriciap.arteterapia@gmail.com

 



 

5 comentários:

  1. O que é legal na Arteterapia é ter o espaço para criar se enxergando, tudo que as vezes precisamos é de alguém para ouvir nossa dor sem julgamento.

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  2. Reflexão necessária.
    Esquecemos que o terapeuta que está nos ajudando diante das nossas dificuldades emocionais, talvez também passa pelas mesmas inseguranças, traumas...

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  3. Entre um encontro e outro, muitas vezes esquecemos que o terapeuta, antes de tudo, é um ser humano.
    Não tem todas as respostas, nem carrega soluções mágicas para os nossos problemas.
    Ele nos orienta, aponta caminhos, mas a verdadeira transformação vem de dentro de nós.
    Enquanto nos ajuda, também carrega emoções, histórias e desafios.
    Por isso, mais do que nunca, ele também precisa de cuidado.

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  4. Texto interessante que me tirou algumas dúvidas. Uma delas era que se os terapeutas faziam uma auto terapia, entendi que precisam de terapia tanto quanto todos.
    Parabéns Patrícia pelo texto esclarecedor e intrigante.

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