segunda-feira, 25 de março de 2024

AUTORRESPONSABILIDADE E A JORNADA DO AUTOCONHECIMENTO: TCC E ARTETERAPIA

 


Por Juliana Mello – RJ

entrelinhas.artepsi@gmail.com 

            Na minha formação em Arteterapia, conheci o conto “A habilidade que ninguém possui”, que me fez refletir sobre como fazemos escolhas em nossa jornada de autoconhecimento e que nos autorresponsabilizar por esse processo é fundamental para alcançarmos nossos objetivos de maneira consciente.

Todos nós buscamos, de alguma maneira, encontrar um propósito pessoal, uma maneira mais leve e funcional de viver a vida. Porém, como a fazemos de modo automático, esquecemos de confiar em quem somos e em nosso poder de escolha. 

Fazer escolhas não é nada fácil e gera forte angústia. Como já dizia Sartre: “quando escolhemos algo, inevitavelmente deixamos algo para trás”. E é difícil saber se estamos fazendo a escolha mais acertada, mas é importante lembrar que não escolher e deixar que outros escolham também é uma escolha. Então qual a melhor opção? Para refletir, cito Clóvis de Barros Filho e Pedro Calabrez no livro Em busca de nós mesmos:

“Todos nós temos uma experiência subjetiva de mundo. Subjetivo: aquilo que é próprio ao sujeito, relativo ao indivíduo, ou seja, aquilo que é individual e particular”. (FILHO, CALABREZ, 2014, p.21)

Se cada um tem uma percepção de mundo de acordo com suas memórias, sentimentos, emoções, percepções sensoriais, então como não olhar para si e fazer escolhas autorresponsáveis? A autorresponsabilidade é uma característica importante para a caminhada do autoconhecimento. Quando olhamos para nós e entendemos qual nosso padrão de funcionamento e que somos os únicos capazes de fazer algo em relação a isso, passamos a estar mais presentes em nosso processo e fazemos escolhas mais conscientes em qualquer situação, melhorando a autoestima, flexibilizando crenças e nos tornando heróis de nós mesmos. Clóvis de Barros Filho e Pedro Calabrez também escreveram: “o mundo para mim não é o mesmo mundo para você.” (2014, p.15).

No conto, o personagem Anwar tem um objetivo e conta, inicialmente, com sua mãe para realizá-lo. Com duas tentativas frustradas, ele percebe que tem duas opções: desistir ou se responsabilizar pelo seu próprio desejo e partir em uma jornada para conquistá-lo. Ele aceita a tarefa, mesmo sem saber o que encontraria pelo caminho. Neste ponto, podemos citar a Jornada do Herói, de Joseph Campbell, onde ele descreve os passos que o herói precisa enfrentar para se transformar e mudar de nível de autoconhecimento. Muitas vezes somos chamados para essa jornada através de uma crise, um desconforto, que gera uma angústia, onde cada um deverá decidir se irá trilhar esta jornada ou não, autorresponsabilizar-se pelo processo e por suas consequências.  

“... Mas, antes de experimentar qualquer coisa desse gênero, decidi não só ficar razoavelmente perto de casa como também tornar-me uma pessoa importante...” (Trecho retirado do conto)

            A partir de uma decisão, a sincronicidade nos auxilia nesse percurso e encontramos pessoas e situações que nos darão ferramentas para nos fortalecer e caminharmos por dentro de nós mesmos. Ao decidir iniciar sua jornada, Anwar encontra o Dervixe, um velho sábio, que o auxiliou com ensinamentos para que pudesse completar sua jornada.

 

Como podemos ter auxílio na Terapia Cognitivo-Comportamental:

Podemos utilizar a ferramenta RPD (Registro de Pensamento Disfuncional), onde identificamos nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos, nos permitindo ter uma visão mais clara do nosso padrão de funcionamento e nossas crenças disfuncionais, conseguindo flexibilizá-los para alcançar os objetivos.

Outra estratégia é enumerar os prós e os contras de cada uma das opções que temos antes de fazer a escolha. Assim, podemos prever acontecimentos futuros e criar estratégias para as resoluções de possíveis conflitos.

Ao longo do percurso, é possível também reavaliar as escolhas feitas, para assim repensar se algo precisa ser mudado, ajustado ou continuado. Monitoramos nossos processos cognitivos e comportamentais. Um bom termômetro nesse processo são nossas emoções e reações fisiológicas.  

Assim como nos contos, em que o personagem central encontra um auxílio de uma outra pessoa, o terapeuta TCC também participa de forma ativa no processo terapêutico:

“...o terapeuta e o paciente formam um relacionamento de cooperação com a finalidade de solucionar um problema. O papel inicial de um terapeuta de TCC costuma ser bastante ativo, enquanto ensina ao paciente os princípios que fundamentam essa abordagem de tratamento.” (HOFMANN, 2014, p 17)

             A Arteterapia nos convida para escolher, elaborar e criar, manifestando nosso potencial de responsabilidade e os materiais nos auxiliam no movimento que decidimos fazer. Como cita Alexandra Duchastel em seu livro Caminho do Imaginário: “A experiência de criação e o simbólico de nossas imagens íntimas nutrem uma transformação na profundeza da alma e lhe fazem eco.” (2010, p. 11). A autora ressalta que através da arte é possível favorecer o sujeito em sua autonomia e o gerenciamento de si mesmo, pois ele entra em contato com sua sabedoria interior. Também podemos encontrar em seu livro o chamado para essa jornada: “pois no coração de cada crise reside um apelo gritante à vida e um convite a ousar expressar o que quer ser dito.” (2010, p11). Cabe a cada um a responsabilidade de decidir aceitar este convite de transformação.

            Em seu livro Pensando a Arteterapia, Eliana Moraes também fala sobre responsabilidade e escolhas do sujeito durante o processo criativo:

“Que, através da criação, ele se perceba em suas repetições, resistências, sintomas, e tenha a oportunidade de enfrentá-las. Que em meio a essa experiencia tome decisões sobre esse enfrentamento (ou não) e que assim se responsabilize por si como autor e protagonista da sua obra/história, alcançando uma realidade nova em dimensões novas.” (MORAES, 2018, p.76-77)

            Como exemplo, trago parte do processo de uma paciente de 35 anos. Em nossas sessões, entrego a ela uma folha em branco e ela decide o que irá produzir. Conversamos durante o processo e observamos o que vai surgindo. Estou junto com ela, mas a escolha é dela.                                                                                                                

 






Concluo essa reflexão com uma citação de Fayga:

“No trabalho o homem intui. Age, transforma, configura, intuindo... Ao criar... nesse processo configurador o indivíduo se vê diante de encruzilhadas. A todo instante, ele terá que se perguntar: sim ou não, falta algo, sigo, paro... Nessa mobilização está inserido um senso de responsabilidade. As opções se propõem quase que em termos de princípios de ‘certo ou errado’ e, no caso das artes, o quanto custa decidir uma pincelada, a exata tonalidade de uma cor, o peso de uma palavra, uma nota certa, todo artista bem o sabe dentro de si.” (OSTROWER, 2014, p.70-71)

 

 

Bibliografia:

DUCHASTEL, Alexandra. O caminho do imaginário: o processo de arte-terapia. São Paulo: Paulus, 2010.

FILHO, Clóvis de Barros. CALABREZ, Pedro. Em busca de nós mesmos. Porto Alegre: CDG, 2017.

HOFMANN, Stefan G. Introdução à Terapia Cognitivo-Comportamental Contemporânea. Porto Alegre: Artmed, 2014.

MORAES, Eliana. Pensando a Arteterapia. 1ª Edição. Divino de São Lourenço, MG: Semente Editorial, 2018.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes, 2014.

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Sobre a autora: Juliana Mello



Psicóloga, Arteterapeuta e Coach

Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia

Palestras e Workshop motivacionais.

2 comentários:

  1. Parabéns, Juliana pela riqueza e capricho deste texto, relembrando-nos da importância constante da escolha e da nossa autorresponsabilidade por cada decisão. Obrigada por compartilhar !

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  2. Gostei do seu texto ! Muito bom ! Parabéns Juliana !!!
    Abraços,
    Claudia Abe

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