Por Heloísa Pires de Lucca - Natal (RN)
heloisapsicanalista@gmail.com
A materialidade é um elemento fundamental em Arteterapia. Assim como a criatividade, é um lugar de partida e de chegada no fazer arteterapêutico. A Arteterapia não existe sem a materialidade e sem a criatividade, sendo esta segunda aquela que consiste em dar forma à primeira. Fayga Ostrower nos aponta que o conhecimento da materialidade a ser trabalhada é necessária para o processo criativo. Isso quer dizer que, se não conhecermos e não vivenciarmos uma determinada materialidade, torna-se impossível o processo de criação, porque cada materialidade tem a sua linguagem. Ostrower exemplifica este pensamento por meio da música. Se não conhecemos a materialidade da música, não sabemos o que em realidade significa imaginar musicalmente. Para imaginar formas específicas, lidamos com todo um sistema de signos, que são próprios de uma matéria específica. “[...] O único caminho aberto para nós, seria conhecer bem uma dada materialidade no próprio fazer.” Assim, não é possível conhecer uma determinada materialidade apenas lendo. Tem que “pôr a mão a massa”, como se diz.
Fayga Ostrower usa o termo materialidade, em vez de matéria, para abranger não somente alguma substância, e sim tudo o que é formado e transformado pelo homem. Assim ela amplia o sentido de “material”.
No campo das artes, e portanto, da arteterapia, a materialidade diz respeito não somente as artes plásticas, mas todas as linguagens artísticas, por meio das quais o indivíduo possa fazer, formar e transformar, ordenar, expressar, e dar sentido.
Afirma Ostrower que a imaginação criativa nasce do interesse e do entusiasmo de um indivíduo pelas possibilidades de certas matérias ou certas realidades e da sua capacidade de se relacionar com elas. Para a autora, o interesse e o entusiasmo por certa matéria constituem formas de relacionamento afetivo. Assim, para poder ser criativa, a imaginação necessita identificar-se com uma materialidade. “Criará em afinidade e empatia com ela, na linguagem específica de cada fazer.”
De acordo com Fayga Ostrower, “todo processo de elaboração e desenvolvimento abrange um processo dinâmico de transformação, em que a matéria, que orienta a ação criativa, é transformada pela mesma ação.” Ao configurar uma matéria, o homem se configura.
Ostrower compreende que todos os processos de criação representam tentativas de estruturação, de experimentação e de controle. São processos produtivos onde o homem se descobre, onde ele próprio se articula à medida que passa a identificar-se com a matéria. “São transferências simbólicas do homem à materialidade das coisas e que novamente são transferidas para si.”
Formando a
matéria, ordenando-a, configurando-a, dominando-a, também o homem vem a se
ordenar interiormente e a dominar-se. Vem a se conhecer um pouco melhor e a
ampliar sua consciência nesse processo dinâmico em que recria suas
potencialidades essenciais. (OSTROWER, 2014, p.53)
Ao
transformarmos as matérias, agimos, fazemos. Segundo Ostrower, os processos de
criação são experiências existenciais.
Em
Arteterapia, o cliente é convidado a agir sobre uma materialidade e a criar
livremente. Neste agir, o cliente percebe conteúdos que estavam inconscientes,
se organiza psiquicamente e se reconfigura diante de seus conflitos internos e
em suas relações.
REFERÊNCIAS
·
OSTROWER, Fayga. Criatividade e
processos de criação. 30.ed. Petrópolis, Vozes, 2014.
_
_____________________________________________________________________________ _
Sobre a autora: Heloísa Pires de Lucca
Psicanalista e Arteterapeuta
Realiza atendimento clínico nos campos da Arteteterapia e Psicanálise. Atuou como assistente
social em programas habitacionais de interesse social e programas de incentivo à diversidade
cultural na Prefeitura de São Paulo. Atuou como professora em cursos de graduação no curso
de Serviço Social e pós-gradução em Políticas Públicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário