segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A IMPORTÂNCIA DO ATELIÊ NA FORMAÇÃO CONTINUADA DO ARTETERAPEUTA – PARTE 2

 


Por Eliana Moraes – MG

naopalavra@gmail.com

@naopalavra

 

O texto de hoje dá continuidade ao texto anterior, que registra uma das temáticas que mais me debrucei no estudo e prática no segundo semestre de 2022: a prática criativa continuada por artetereapeutas em exercício da sua função. (Para ler o texto anterior CLIQUE AQUI)

O contato e a criação de intimidade com as materialidades inicia-se no curso de formação, na disciplina “Linguagens e materiais” e se estende a todas as vivências experienciadas em cada aula teórica-prática. Entretanto, percebemos um grande desafio ao arteterapeuta já formado, em permanecer com a sua criatividade pessoal como uma “chama acessa” diante da nova etapa, em seu percurso, de oferecer as materialidades ao outro.

A continuidade deste estudo teórico e prático é estrutural para a formação continuada do arteterapeuta, primeiramente porque é impossível se esgotar todo o conteúdo inserido neste tema, dentro do tempo disponível à disciplina “Linguagens e materiais”, dentro do curso de formação. Sempre é possível fazer contato e se aprofundar em uma nova materialidade, em diálogo com as demandas terapêuticas que o exercício da prática pode nos solicitar.

Mas também, é tão importante a prática criativa continuada, para que o arterterapeuta esteja o mais consciente possível de sua própria relação com os materiais, com os elementos visuais, processos criativos e símbolos recorrentes, para que assim se evite (dentro do possível) o fenômeno da contratransferência especifica do arteterapeuta: a projeção de si mesmo no processo criativo do outro, na escolha dos materiais, das temáticas, consignas terapêuticas e leituras simbólicas.

O estudo das materialidades não é suficiente apenas no campo teórico. É necessário vivenciá-las, experimentá-las em si mesmo, pois a Arteterapia começa na experiência do próprio arteterapeuta:

... o arteterapeuta deve estar sintonizado com o uso de técnicas as quais pretende utilizar. Não basta apenas aplicar como se estivesse seguindo um manual. Faz-se necessária uma reflexão anterior acerca do alcance da técnica desejada, como sendo uma decodificação dos materiais, tratando de encontrar na sua linguagem a possibilidade de sua expressividade...

É de fundamental relevância que o arteterapeuta tenha domínio da técnica a ser utilizada, bem como do domínio de alguns fundamentos acerca da utilização dos mesmos, a fim de estabelecer e objetivar a mobilização de conteúdos emocionais, com os quais esteja instrumentalizado para lidar. Convém ao arteterapeuta o conhecimento tanto de técnicas expressivas como de teorias psicológicas que levem em consideração o processo de formação de imagens e de construção das representações, como elementos fundamentais e essenciais ao domínio de sua “arte”... (URRUTIGARAY, 2011, 33-34)

Neste sentido, Maria Cristina Urrutigaray defende que para que o arteterapeuta desenvolva a sensibilidade necessária para que atue como um mediador entre seu paciente/cliente e os materiais, é necessário (dentre outros pontos) a participação de espaços que a autora chama de “oficinas laborais”:

A profunda relação pessoal do arteteapeuta com o material, a experiência adquirida pelo manusear e sentir na diversidade de textura, de estabilidade, de força, etc., vivida com diferentes modalidades plásticas, nos exercícios corporais, nas nuances sonoras, favorece o desenvolvimento de sua sensibilidade, tão necessária à sua atuação como mediador.

Assim, trabalhar com Arteterapia não se resume apenas à utilização de materiais diversificados mas também comporta um profundo trabalho de treinamento em conhecimentos psicológicos, filosóficos e artísticos, e em oficinas laborais, onde possam ser testadas as práticas que pretendem ser usadas, para organizá-las, compreendendo previamente os seus verdadeiros alcances. (URRUTIGARAY, 2011, 35-36)



Entendo que podemos considerar como “oficinas laborais” qualquer recorte no tempo e espaço ao qual o arteterapeuta possa proporcionar a si mesmo a experiência artística, em qualquer das modalidades existentes: se possível em seu processo terapêutico pessoal, em vivências arteterapêuticas amplamente oferecidas em nosso meio, de forma autônoma em seu próprio ateliê, mas também ateliês arteterapêuticos oferecidos diretamente para a experimentação das diversas linguagens e materiais e seu estudo aprofundado em suas propriedades e indicações terapêuticas.

É uma das especifididades da Arteterapia o estudo e o uso consciente dos materiais em suas propriedades e aplicabilidades. No campo da arte, Fayga Ostrower já nos sinaliza a existência das “sugestões” que cada matéria proporciona ao artista, causando-lhe alguma “empatia” (e por que não, também, antipatia?) de acordo com sua especificidade, e que ele a escolheria de acordo com suas referências interiores:

No trabalho, o homem intui. Age, transforma, configura, intuindo... Ao criar, ao receber sugestões da matéria que está sendo ordenada e se altera sob suas mãos, nesse processo configurador o indivíduo se vê diante de encruzilhadas. A todo instante, ele terá que se perguntar: sim ou não, falta algo, sigo, paro... Mas sobretudo, ele decidirá baseando-se numa empatia com a matéria... Procurando conhecer a especificidade do material, procurará... de acordo com seu próprio senso de ordenação interior e próprio equilíbrio. (OSTROWER, 2014, 70)

Desta forma, é função do arteterapeuta fazer a decodificação da demanda terapêutica e acionar o material mais adequado:

Todas as características dos materiais atingem diretamente quem usa, causando determinadas emoções que serão acolhidas na relação terapêutica. Entender essas características e as necessidades de cada pessoa é a chave para saber escolher o material adequado à situação. (BRASIL, 2013, 87-88)

Em minha prática como supervisora em Arteterapia já há alguns anos, e atualmente fazendo parte do corpo docente de algumas pós-graduações em Arteterapia, observo que esta é uma das dúvidas mais recorrentes “qual linguagem da arte ou material devo oferecer ao meu paciente em cada contexto?”. Neste sentido, tenho trabalhado com a expressão “o arteterapeuta como um promotor de encontros”:

Tenho pensado no arteterapeuta como um “promotor de encontros” entre o sujeito que fala e um material que será facilitador de seu discurso, da elaboração de conteúdos psíquicos e de retificações subjetivas a partir do ato criativo. Nesse sentido é estrutural que o arteterapeuta dedique-se a conhecer e aprofundar-se cada vez mais na riqueza e pluralidade de materiais passíveis de serem aplicados no setting arteterapêutico.

O arteterapeuta deve trabalhar com metáforas. Investir em apresentar para seu paciente/cliente a analogia entre a questão trazida por ele e aquele material. Sem o devido investimento na construção desse simbolismo, o paciente pode não compreender e não investir de si naquela criação, tornando o processo sem sentido e inócuo. A delicadeza e a destreza da construção das metáforas e analogias entre as questões subjetivas e os materiais expressivos vêm sendo dos pontos mais trabalhados em supervisões que ofereço para arteterapeutas em construção. (MORAES, 2020, 17)

Em processo de fechamento do ano de 2022, registro minha gratidão aos parceiros que colaboraram com as experiências de ateliês arteterapêuticos que ofereci e vivenciei no segundo semestre. Gratidão à Mariana Farcetta (Instituto FACES), Igor Capelatto (CEFAS), Vera de Freitas (em parceria com o Não Palavra) e Andréa Goulart de Carvalho (abrindo as portas de Belo Horizonte). Além de serem espaços de desenvolvimento de alunos e profissionais da Arteterapia quanto ao uso das materialidades, estes espaços contribuíram para minha própria prática criativa continuada – pois se a Arteterapia começa na experiência do próprio arteterapeuta, meu convite aos arteterapeutas às práticas criativas continuadas começa em mim.

 


Referências Bibliográficas:

BRASIL, CLAUDIA. Cores, formas e expressão: Emoção de lidar e Arteterapia na Clínica Junguiana. Editora Wak, RJ. 2013.

MORAES, Eliana. Escritos em Arteterapia – Coletivo Não Palavra. Semente Editorial, ES. 2020.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Ed Vozes, Petrópolis / RJ, 2014.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: A transformação pessoal pelas imagens. Editora Wak, RJ. 5a edição. 2011.

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga
Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Cursando MBA em Logoterapia e Desenvolvimento Humano
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Faz parte do corpo docente de pós-graduações em Arteterapia: Instituto FACES - SP, CEFAS - Campinas, INSTED - Mato Grosso do Sul. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia online, sediada em Belo Horizonte, MG. 

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra"

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