Por Claudia Maria Orfei Abe -
São Paulo/SP
Instagram: @claudia_abe_
“A Morte” – Este tema é
confortável para você? Por que será que muitas pessoas o evitam, temem ou
morrem de medo? Você teria coragem de abordar esse tema em uma sessão
arteterapêutica junto ao seu cliente? Estaria preparado para o que poderia
surgir do seu cliente, em suas produções e falas?
Jung,
quando fala da morte, mostra nela a beleza que, por vezes, não se consegue
vislumbrar. Ele compara o medo que o jovem tem da vida com o mesmo sentimento
que o idoso tem da morte, mas de uma forma inversa. Para ele, a morte na
velhice, assim como a vida na juventude, é “uma meta, uma consumação”.
(ANDRADE, 2017, p. 194)
E se você percebesse que seria
a hora de lhe dar voz, de criar um espaço onde ele poderia se expressar, onde
poderia colocar para fora suas emoções e até deixaria fluir aquilo que talvez o
incomodasse, como você agiria?
Bem, eu percebi e assim agi.
O
papel da Arteterapia é levar a esses idosos a possibilidade de expressarem as
suas angústias e vivências, medos, perdas e alegrias. (COSTA, 2017, p.163)
Levou pouco mais de 50 anos
para eu descobrir que meu pai trabalhou como servidor público, encarregado no
setor de benefícios em casos de pensão por morte e auxílio funeral, antes de
ser dentista. Foi por meio das atividades que fiz e faço com meu pai que ele me
contou como trabalhava, com riqueza de detalhes. Falava que era muito
organizado e tinha todas as orientações por escrito, numa folha de papel, para
entregar ao familiar, no caso de falecimento do ente querido. Explicava como dar
entrada na papelada para receber o auxílio funeral a que tinha direito por
parte do servidor público falecido na ocasião. Como ele mesmo me contou, às
vezes a viúva chegava, ele a cumprimentava, dava os pêsames enquanto ela
chorava, explicava o procedimento, entregava o papel com as orientações e pedia
para que se sentasse ali na sala e lesse cuidadosamente o que estava escrito
para ver se não havia nenhuma dúvida antes de ir embora.
Esse é um dos motivos pelo
qual ele assegura não ter problema em lidar com o assunto morte. Trata-a com
naturalidade. Há anos ele já deixou separado o seu kimono (roupa
tradicional japonesa) para o seu funeral. Seu desejo em ser cremado segue a
tradição dos meus familiares de origem nipônica.
Voltando à nossa sessão
arteterapêutica, desta vez eu trouxe como tema: O que eu quero e o que eu não
quero ver (lembrando que meu pai ficou viúvo em 2017 e esta sessão ocorreu em
14/01/2019).
Entreguei-lhe uma folha branca
A3 com o desenho de um círculo. Pedi para que ele dividisse o círculo em 2
partes (não utilizou régua), para ter campo para cada uma das reflexões citadas
anteriormente. E canetinhas coloridas...escolheu a caneta preta para escrever.
“Eu não tenho resposta para
isso”. – Me disse referindo-se que não conseguia preencher a
parte do que queria ver.
No campo inferior, sobre o que
não queria ver, descreveu os tipos de morte ocorridas e suas causas.
“Morte – Acidental: queda,
atropelamento por veículos na rua e estradas, por doença degenerativa, vítima
de roubo, por ser confundido com alguma pessoa que causou uma desgraça numa
família, por falta de recurso monetário, plano de saúde, ou finalmente solidão,
solidão”.
No
caso dos idosos, há de se convir que a ocorrência de vicissitudes como morte de
entes queridos ou contemporâneos com os quais havia ligações de amizade,
ruptura definitiva com a capacidade produtiva, perda da autonomia econômica,
separação familiar, dentre outras, são razões fortes para a quebra de vínculos
com a sociedade. Impactos como os descritos e muitos outros de mesma natureza
podem direcionar o velho a um isolamento, que trará além de dificuldades
emocionais, doenças crônicas advindas da solidão e tristeza. (MACHADO, 2017,
p.20)
Pai – “Põe aí: Por eu ter
trabalhado diariamente em contato com familiares (dos falecidos), eu criei em
mim uma certa indiferença; porque eu trabalhava diariamente com a morte, eu
adquiri uma certa indiferença com esse assunto”.
Palavra de Encerramento da
sessão: “Morte é o fim”.
Terminou a sessão dizendo: “Estou
bem e não tenho medo da morte, não tenho medo de morrer. Tô bem”.
As
transformações no campo biológico, que acarretamos em nossos organismos com o
passar dos anos são muitas e inevitáveis. Algumas silenciosas, outras bem
visíveis, mas todas, sem exceção, nos trazem a certeza da vulnerabilidade da
vida, da mortalidade que nos bate à porta e, principalmente, da efemeridade dos
momentos. Viver a vida com saúde, principalmente no que diz respeito ao lado
psicológico e social, nos ajuda a retardar ou, quem sabe, até burlar, as regras
da natureza; e, mesmo com a degeneração física proeminente, fazer com que o
tempo passe por nós desgastando a matéria de tal forma que não atinja aquilo
que guardamos na subjetividade da alma. (MACHADO, 2017, p, 20)
Batemos um papo após o
término, para me certificar que ele estava saindo bem deste encontro.
É
sabido que a Arteterapia favorece o contato com conteúdos emocionais
inconscientes, ampliando as possibilidades de ressignificação de vivências e
conteúdos internos, favorecendo a melhoria da qualidade de vida. (MONTIJO,
2017, p.129)
E assim, continuamos juntos
nessa caminhada. Ele mantendo seu bom humor. Quando chego na casa dele e
pergunto: “Pai, como você está?” – Ele me responde: “Tô vivo!” e
dá um sorriso !!!
Nota
1:
Alguns dos trabalhos do meu pai e da minha tia materna farão parte de uma
exposição na UMAPAZ, Parque do Ibirapuera, São Paulo, no período de 5 a 16
setembro 2022 – “Mostra UMAPAZ: Exposição Yoshio Abe & Luciana Orfei: Arte
na Melhor Idade”. (link abaixo).
Nota
2:
UMAPAZ – Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz da Secretaria
Municipal do Verde e do Meio Ambiente, Prefeitura do Município de São Paulo. Av.
Quarto Centenário, 1268, Jardim Luzitânia, São Paulo.
Bibliografia:
ANDRADE,
Raissa Guimarães de. Luto na maioridade. In: Criatividade e
envelhecimento: ressignificação da vida. Celso Falaschi, Otília Rosângela Souza
(orgs). Campinas (SP): Labour Editora, 2017.
COSTA,
Maria Helena Ribeiro. Poesia na solidão do terceiro ato. In: Criatividade
e envelhecimento: ressignificação da vida. Celso Falaschi, Otília Rosângela
Souza (orgs). Campinas (SP): Labour Editora, 2017.
MACHADO,
Edith Suely. Velhice e criatividade. In: Criatividade e envelhecimento:
ressignificação da vida. Celso Falaschi, Otília Rosângela Souza (orgs).
Campinas (SP): Labour Editora, 2017.
MONTIJO,
Cristiane Alessandra. Registro fotográfico e ressignificação de histórias de
vida. In: Criatividade e envelhecimento: ressignificação da vida. Celso
Falaschi, Otília Rosângela Souza (orgs). Campinas (SP): Labour Editora, 2017.
Internet:
Mostra UMAPAZ: Exposição
Yoshio Abe & Luciana Orfei: Arte na Melhor Idade:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/umapaz/escola_municipal_de_jardinagem/programacao_mensal/index.php?p=332493 Acessada em 18/08/2022.
Sobre
a UMAPAZ:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/umapaz/sobre_a_umapaz/index.php?p=243 Acessada em 18/08/2022.
Se você quiser ler meus textos
anteriores neste blog, são eles:
18- A Massa Caseira como
Recurso Arteterapêutico – 18/07/22
17- As Bailarinas de Degas –
16/05/22
16- Degas e as Mulheres –
21/03/22
15- Ah, o Tempo... – 14/02/22
14- As Cores em Marilyn Monroe
– 13/12/21
13- Um Desafio – 11/10/21
12- O Branco no Branco –
23/08/21
11- Tudo Começa em Pizza –
28/06/21
10- Um Material Inusitado – O
Carimbo de Placenta – 10/05/21
9- As Vistas do Monte Fuji –
22/03/21
8- É Pitanga! – 07/12/20
7- O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
6- Escrita prá lá de criativa
– 27/09/20
5- Fazer o Máximo com o Mínimo
– 01/06/20
4- Tempo de Corona Vírus,
Tempo de se reinventar – 13/04/20
3- Minha Origem: Itália e
Japão – 17/02/20
2- Salvador Dalí e “As Minhas
Gavetas Internas” – 11/11/19
1- “’O olhar que não se
perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
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Sobre a autora: Claudia Maria
Orfei Abe
Arteterapeuta e
Farmacêutica-Bioquímica
Neste momento descobrindo a
pintura em aquarela, as mandalas, a natureza, a história e a arte.
Meu contato pelo Instagram:
@claudia_abe_
Tema difícil Cláudia. Parabéns.Bj
ResponderExcluirMaria Aparecida
ResponderExcluirOi Claudia! Parabens pelo texto. Eu não tenho medo de abordar este tema.
ResponderExcluirLegal
ResponderExcluirOi Claudia, o tema tem um histórico de não ser bem quisto. Porém eu creio que lido bem com o assunto, tenho este conceito esclarecido dentro de mim. Confesso que ainda não sofri uma perda de parente próximo, mesmo assim não me vejo em desespero ou incomodada pra falar do assunto... procuro pensar que é uma viagem onde uns irão antes que outros....teremos saudades, por isso devemos viver todos os momentos intensamente, dando é recebendo sempre muito amor.
ResponderExcluirMuito bom, Cláudia! A admiro pela coragem em abordar assunto tão delicado com seu pai. E é admirável, também, a tranquilidade como ele encara o assunto. A Arteterapia propicia esse diálogo numa questão que poderia se bem natural. Obrigada por nos trazer essa importante reflexão. Abraços!
ResponderExcluirTema importante a ser discutido.
ResponderExcluirNão tenho dificuldade de abordar o assunto, mas confesso que temo a causa que me levará daqui e a ideia de perder alguém da minha família antes da minha partida.
Muito bom, Cláudia! É um tema difícil que deve aparecer nas terapias.
ResponderExcluirSeu pai pode assimilar o conceito de morte aos poucos, refletindo sobre, vendo as reações das pessoas. Isso mais sua origem oriental, lhe deram um conforto nesse tema. Que bom!!
ResponderExcluirOi Cláudia é um tema difícil, mas consigo abordar muito bem,apesar de causar muita resistência as vezes. . E vc sempre com textos maravilhosos e inspiradores. Gratidão. Beijos no seu coração
ResponderExcluirComo sempre seus textos são ricos de muita sensibilidade. Parabéns uma leitura além de ser prazerosa têm conhecimento no campo da arteterapia.👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirClaudia, tema muito sério e merece muita discussão.
ResponderExcluirAcredito que temos que analisar algumas variáveis para que possamos chegar às conclusões. O trabalho que a pessoa executou em sua jornada, a religiosidade, a cultura e costumes da terra natal, os desafios vividos , as orientações de seus antepassados, a crença que ninguém morre, apenas passamos para outro plano e que aqui, é uma ponte, uma passagem, são alguns itens que devem ser analisados.
Acredito, não é fácil.
Tema que necessita de muita discussão e pouca solução.
Abs, Neusa V. de Arruda
Muito bom Claudia.
ResponderExcluirLembrei de uma música do Gil
Tem um verso que diz
Não tenho medo da morte mas de morrer sim
Morrer faz parte de estar aqui
Procura aí pra você ouvir
Bjs, Merciana Vandeveld
Claudia, Parabéns pelo texto! Um tema difícil de abordar, ainda mais com seu pai. Achei de uma tranquilidade e sem medo, como seu pai encara a morte. Talvez o destino de ter trabalhado a respeito tenha moldado a ele essa segurança e aceitar sem medo, o que, para a maioria é um tema difícil de lidar, escrever, muito menos pensar. Admirado com essa capacidade e o bom humor do seu pai. Parabéns !!
ResponderExcluirCecilia Massuyama
Gosto muito deste assunto. Pra mim é como para Manoel Bandeira: o problema é deixar de viver! Também me preocupa "o morrer". Quando pode ser cercado de dor e sofrimento.
ResponderExcluirEstamos vivas/vivos !!!!
ResponderExcluirA morte é uma certeza...mas, também é um mistério....
Obrigada por compartilhar seu texto!
Abraços e beijos!
Claudia-sam! Parabéns pelo excelente e brilhante texto que aborda de forma natural e sem melindres um tema que é parte do dia a dia da humanidade. A morte não somente na terceira idade, mas em todas as idades é tratada como mito, como trauma, como penalidade, quando na verdade ela é uma finalização, um desdobramento, uma consequência e em muitas vezes, até mesmo, a melhor solução. Todos planejamos a vida, mas nunca pensamos ou projetamos as nossas vidas com a morte. Chico Xavier escreveu: "... A morte não é a morte, ela é só o começo da vida...", onde revela que, a morte, neste estágio em que vivemos representa a passagem para uma nova vida. Ou seja, a vida espiritual. Parabéns, obrigado pela honra de poder contemplar a oportunidade de absorver esta leitura. Abraços
ResponderExcluirMauro Ota.
A morte: desafio imenso defini la. Uma existência longeva colhe o que planta durante toda a vida, incluindo as revisões de fantasias, e mitos tanto culturais, como religiosos. Admirável sua vivência, principalmente por aborda la com seu pai. O tema é denso, porque trágico pra qualquer instante de qualquer ser humano.
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