segunda-feira, 11 de outubro de 2021

UM DESAFIO

Materiais: isopor e EVA

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

Instagram: @claudia_abe_

Que surpresa eu tive com esta sessão. Quanta criatividade surgindo do meu pai e da minha tia materna. Eles respectivamente aos 83 e 91 anos, na 14ª sessão arteterapêutica ocorrida em 18/julho/2018, em atendimento domiciliar, trabalhando a estimulação cognitiva.

Segundo Machado (2017, p.25), “numa sessão arteterapêutica, o cérebro é estimulado a trabalhar, de maneira lúdica e leve, o pensar sem limitação: o que leva, quando o indivíduo já está mais acomodado, relaxado, ao fazer criativo”.

No que pode se transformar uma tampa de marmita de isopor e três tirinhas de EVA rosa e ao mesmo tempo, o quanto podemos aprender com essa experiência.

Ao entregar três tiras de EVA rosa para cada um, orientei que poderiam cortar vários formatos do tipo: quadrado, triângulo, círculo, etc.

Setting arteterapêutico

Minha tia escolheu cortar tudo em quadradinhos.

Tia: quadradinhos

Já o meu pai, quando fui olhar, que susto! Diversos formatos tão diferentes que nem eu pensaria em fazê-los.

Pai realizando os cortes nas tiras de EVA

 


Pai: diversos formatos no EVA rosa

Em seguida, falei para colarem os pedaços da forma que quisessem no isopor redondo, com o cuidado para não colarem os dedinhos.

Durante o exercício da colagem, o potencial criativo é estimulado, o que leva a busca de soluções e recursos ao mesmo tempo interiores e exteriores, desenvolvendo princípios ordenadores tanto do fazer como do pensar que possibilitam uma avaliação não só do trabalho mas também de si mesmo que acabam gerando um equilíbrio interno e externo. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 52)

Meu pai ficou impressionado como eu havia conseguido cortar as tiras de EVA com tesoura, já que para ele, o uso de uma guilhotina é fundamental. Vive falando que trabalhou numa gráfica quando jovem. Agora, dentista aposentado.

De repente, quando olhei seu trabalho, percebi que ele estava colando as peças tridimensionalmente, ou seja, saindo do plano em direção ao céu. 

Ao término da colagem, descobri que nenhum deles gostou de usar a cola própria para EVA e isopor e ainda falaram na sessão seguinte ao usarem a cola branca: isso sim é cola! Mencionaram que a outra cola gruda muito na mão e fica difícil colar os pedacinhos de EVA.

A cola de isopor tem uma grande qualidade: ela é transparente e ao ser usada, forma uma espécie de fio, muito útil para trabalhos em esculturas de arame. Sua secagem é mais lenta e, por isso, tem de se ter certo cuidado no seu manuseio. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 44)

A textura da cola PVA é agradável ao toque e sua cor é branca, porém, ao secar, fica transparente. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 39)

Compartilhamento 


Tia: “Bolo de Aniversário de uma Menina de Quinze Anos”

Palavra final: Recordação (das festinhas de aniversário)

Tia: achei difícil por causa da cola. A cola pega muito na mão. É difícil colar os pedacinhos com a cola. 


Pai: “Desenho Moderno”

Palavra final: Decepção (não gostei do meu trabalho)

Pai: eu fui pego de surpresa nesse tipo de trabalho. Como fui dentista, trabalhava com a pinça. Faltou para mim a pinça que estou habilitado. Quis montar uma coisa moderna, bem atual e diferente, mas acho que não fui muito feliz. Quis fazer uma coisa fora do normal e não me agradei. Achei muito difícil, porém desafiador. O resultado não foi bem aquele que eu esperava. Acho que faltou uma pinça. Pinça seria fundamental...

(Mais tarde vim, a saber, que a pinça é como uma extensão da mão para o dentista. E depois trocando uma ideia com a minha supervisora em Arteterapia, Eliana Moraes, vi que poderia ter fornecido a pinça como material de suporte e segurança para ele).

... Desenhar e colar, montar qualquer coisa é uma arte difícil, precisa estar treinado, com ideia na cabeça. Trabalhei com coisas pequenas, tenho domínio da cola e pinça. Mas não fui muito feliz na distribuição. Você deveria me dar uma nota baixa porque como aluno não estava inspirado – ele disse.

Encerramento

Pai: Falo eu primeiro. Foi um desafio muito grande porque foi difícil haver uma inspiração para montagem. Não gostei do final da montagem. Se tivesse mais tempo e condições e uma pinça... Não fiquei feliz com meu trabalho. Não conhecia EVA.

Tia: manusear o material é fácil. O difícil é colar.

Meu pai encerra a sessão dizendo: “Nem sempre a gente encontra as coisas do jeito que a gente quer. Hoje foi um desafio. Obrigado pela aula”.

 

Bibliografia:

CARRANO, Eveline e REQUIÃO, Maria Helena. Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

MACHADO, Edith Suely. Velhice e Criatividade. In: Criatividade e envelhecimento: ressignificação da vida. Celso Falaschi, Otília Rosângela Souza (orgs). Campinas (SP): Labour Editora, 2017.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

O Branco no Branco – 23/08/2021

Tudo Começa em Pizza – 28/06/21

Um Material Inusitado – O Carimbo de Placenta – 10/05/21

As Vistas do Monte Fuji – 22/03/21

É Pitanga! – 07/12/20

O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

Tempo de Corona Vírus, Tempo de se Reinventar – 13/04/20

Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

Salvador Dali e “As Minhas Gavetas Internas” – 11/11/19

“’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

 

Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe


 

Arteterapeuta – atuei em instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.

Voluntária com o projeto online “Cuidando do Cuidador”, para cuidadores familiares de pessoas com a Doença de Alzheimer, no grupo GAIAlzheimer, São Paulo.

Idealizadora do projeto “Simplesmente Eu” com atendimento grupal online, para pessoas que não conhecem a arteterapia.

Autora do texto “Salvador Dalí e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, 2020, Semente Editorial.

Atendo em domicílio e online.

11 comentários:

  1. Gratidão por compartilhar!!!! Beijos

    ResponderExcluir
  2. Seus compartilhamentos do seu pai e sua tia sempre nos ensinam Algo. Gratidão

    ResponderExcluir
  3. Muito bom poder ler um texto e poder aprender com ele. Cláudia, você, escrevendo de forma simples, chega a diversos lugares! Sua forma de escrever/sentir nos convida a entrar no atendimento. Sensação de que também estava lá! Aqui aprendendo!

    ResponderExcluir
  4. “Nem sempre a gente encontra as coisas do jeito que a gente quer. Hoje foi um desafio. Obrigado pela aula”. Acho que estou "apaixonada" por este dentista aposentado. Ele nunca para de me surpreender com suas colocações, com sua forma inteligente e bem humorada de compartilhar suas experiências na Arteterapia. Suas palavras são normalmente elegantes, requintadas, profundas. Esta conclusão com que fechou o trabalho foi simplesmente encantadora e me fez refletir ainda mais: "Nem sempre a gente encontra as coisas do jeito que a gente quer não é mesmo ? CLaudia, parabéns! Voce foi mesmo presenteada por Deus por ter este convívio com seus queridos de maneira diferenciada, gerando um aprofundamento profissional, tantas experiencias ricas. Certamente para a grande maioria das pessoas é seria um tempo difícil, desafiador, entristecedor ( não que seja fácil, nunca é). Mas, vc transformou em leveza, alegria, diversão e ludicidade. Encantada e feliz com seus compartilhamentos. Só gratidão. Só melhora em cada texto. Batendo record no Blog. kkkkk

    ResponderExcluir
  5. Parabéns Amiga Arte terapêutica,lindo trabalho, precisa publicar esses trabalhos,que mais pessoas venham conhecer , aprender e se beneficiar.Tamanha dedicação.

    ResponderExcluir
  6. Parabéns Claudia pelo trabalho e por compartilhar as atividades do seu pai e sua tia. Adoro ver as interpretações deles contada por você.

    ResponderExcluir
  7. Parabéns Querida Cláudia.
    O trabalho do Pai e da Tia são excelentes! O Pai para a próxima precisa de pinça!!
    Beijinhos 😘😘

    ResponderExcluir
  8. Claudia, muito interessante essa aula.
    Seu pai cortou em diferentes tamanhos, tentando fazer algo moderno.
    Sua tia, já cortou em quadradinhos iguais.
    No final do exercício, seu pai, acabou se perdendo com tantos pedaços diferentes e desiguais, que nem ele mesmo gostou do trabalho.
    Em compensação, sua tia, na simplicidade, fez um excelente trabalho.
    Como ficou lindo o bolo! Deu vontade até de comer. Parabéns à sua tia!! E da próxima vez, não esqueça da pinça para seu pai fazer trabalhos surpreendentes como tem feito sempre.
    Bjss, Cecilia Massuyama

    ResponderExcluir
  9. Independente do resultado final, notei que foram criativos. A tia cumpriu a tarefa executando um trabalho lindo. Gostaria de um bolo desses para enfeitar minha mesa aos 15 anos😁. O pai, apesar de não ter ficado satisfeito, inclusive pedindo uma nota baixa, merece uma nota 10. Se esforçou, criou e apresentou uma arte muito moderna. Parabéns aos dois e à orientadora.

    ResponderExcluir
  10. Lindo trabalho Cláudia e inspirador!!!♥️

    ResponderExcluir