segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Diálogos entre Arteterapia, Arte e Tarô: O Imperador e Pieter Mondrian

Por Mercedes Duarte - RJ

duarte.mercedes@gmail.com

Esse é mais um texto da sequência de reflexões acerca dos 22 arcanos maiores do tarô, associados a elementos da arte que possam nos aproximar desses arquétipos. Nesse artigo, trago o Arcano IV, o Imperador, em diálogo com a proposta artística de um dos fundadores do movimento holandês De Stijl (O Estilo), o artista plástico Pieter Mondrian.

O intuito desse diálogo entre arte e tarô, como já mencionado e aprofundado em outro texto[1], é o de proporcionar reflexões propositivas, possibilidades terapêuticas - experimentadas na Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô[2] - que permeiam esses elementos em diálogo, inspirando assim uma possível ampliação do repertório arteterapêutico. 

O Imperador e a estrutura das coisas       


                                                  

O Imperador, assim como o Mago, Arcano I, é parte do princípio masculino. Entretanto, ele é um arquétipo que está mais próximo da humanidade, representando a figura do Pai Terreno, diferentemente do Mago, mais associado à divindade, ao arquétipo do Pai Divino (BANZHAF, 1997). O Imperador encarna a civilização, a cultura e a intervenção na natureza. Intervém, portanto, no domínio da Imperatriz, Arcano III, ordenando, restringindo, lapidando, implementando meticulosamente o seu reinado, dominando o mundo da matéria.

Aqui rumamos à vida adulta, pois é nesse momento em que o herói da jornada do tarô (representado pelo Louco, Arcano 0) deixa o universo amoroso e protegido da Imperatriz, e se direciona a uma vida de maior consciência e responsabilidade. Esse arquétipo traz em si a objetividade e racionalidade. Enquanto a Imperatriz se movimenta através de Eros e do sentimento, o Imperador rege por meio do Logos, do pensamento. As palavras, nomeações, classificações, categorias, sistemas de pensamento, ordenações do mundo civilizado, fazem parte de sua jurisdição. 

Como enfatiza Nichols (1997), o número quatro, associado a esse arquétipo, encontra-se vinculado a muitos sistemas de ordenação do pensamento, como por exemplo: as quatro direções da bússola; os quatro humores (sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico); os quatro elementos da natureza; os quatro ingredientes alquímicos (sal, enxofre; mercúrio e azoto); as quatro estações do ano; as quatro figuras geométricas básicas (círculo, reta, quadrado e triângulo); as quatro fases da lua; as quatro operações básicas da aritmética (adição, subtração, multiplicação e divisão); as quatro funções junguianas (sensação, intuição, pensamento e sentimento), entre outros.

O Imperador nos traz a ideia de fundação, base, estabilidade, estrutura. A própria forma geométrica do número quatro, o quadrado, traz as mesmas noções. Uma cadeira ou uma casa estão sustentadas por quatro lados, quatro paredes, quatro estruturas que proporcionam estabilidade, alicerce e equilíbrio.

Pieter Mondrian e a fundamento da realidade


Pieter Mondrian (1872-1944) ou Piet, seu apelido, é um artista plástico, holandês, de inícios do século XX. Mondrian, como mencionado, é um dos fundadores do movimento artístico holandês De Stijl (O Estilo), implementado em 1917, e difundido pela Revista de mesmo nome. Nesse movimento, o artista propõe uma nova estética da pintura[1], com embasamento ético, que diz respeito a um sistema específico relativo a interação entre formas e cores, batizada de Neoplasticismo. O movimento é influenciado pelos preceitos da Sociedade Teosófica, vertente espiritualista e filosófica que tem como uma de suas fundadoras a escritora russa Helena Blavatsky.

A Sociedade é fundada em 1875, e está em consonância com os valores positivistas da época. Uma de suas principais propostas é a busca da Verdade relativa à realidade última das coisas. Mondrian, portanto, elabora sua arte a partir dessa busca, num processo de objetivação, racionalização e universalização da pintura, que deveria expressar a essência do que subjaz à realidade sensorial. Mondrian elaborava pouco a pouco uma arte em que eram descartados aspectos relativos à subjetividade do artista. Seu direcionamento, desse modo, era demonstrar a universalidade daquilo que fundamenta, daquilo que dá estrutura à realidade, de modo abstrato, objetivo e matemático. Antes de sua fase puramente abstrata, inserida no movimento De Stijl, o artista produz pinturas figurativas e cubistas. Em algumas de suas pinturas percebemos seu processo de eliminação das “camadas” consideradas, por ele, subjetivas e sensoriais, como podemos ver na sequência das obras abaixo:

       


   Árvore Vermelha (1908-1910)    

  


Árvore Cinza (1911)          

     

 

Macieira em Flor (1912)

Na última obra, Macieira em Flor (1912), em sua fase cubista, não identificamos com facilidade a forma de uma árvore, tal é o processo de “descamação” dos aspectos sensoriais. Seu projeto nos próximos anos será de revelar as estruturas que dão base à realidade, e pouco a pouco retirar de suas obras aquilo que lhe parece excesso, assim como as linhas curvas, como podemos observar abaixo:

 


            Pier and Ocean - Composition, nº 10 (1915)

Assim, em busca de representar a “Unidade”, a “Origem”, a “Base” de tudo, Mondrian chegou em sua expressão estética mais conhecida. Passou a lançar mão de linhas retas e cores primárias, para exprimir manifestações mais “puras” da Origem. Denominou sua nova arte de “plástica pura”, como a que vemos abaixo: 

Trafalgar square, 1943

De acordo com a Teosofia, a Origem, apesar de ser Una, se manifesta na dualidade, em pares de opostos conflitantes, relativos à dicotomia “matéria e espírito”. A Teosofia postula, portanto, a Unidade como fim último, um caminho de retorno à Harmonia (VASCONCELOS, 2017). Considera então que tudo que emerge da Unidade, se expressa na multiplicidade, e retorna à primeira, em um processo evolutivo.  Mondrian, como teósofo, compreende que o papel da arte e do artista seria o de refletir a Origem, expressando o conflito e ao mesmo tempo sua resolução, ou seja a sua unidade realizada através de um processo dialético. 

Para Mondrian, a “característica fundamental da arte neoplástica será a de conceber a obra de arte como unidade – síntese – que nos mostre a dialética entre elementos opostos” (MARIANO, 2006, apud VASCONCELOS, 2017, p.100). Para desenvolver a proposta, o artista se inspira no matemático e teósofo Mathieu H. J. Schoenmaekers que produz equações com o mesmo intuito, o de encontrar correspondência e de “reestabelecer” o equilíbrio entre os pares de opostos:


Schoenmaekers analisou em detalhes estas diferentes “duplas” em polaridade; ordenando-as por uma série de equações (...). Estas mesmas considerações se encontram justamente nos escritos de Mondrian. Apresenta-se (...), o seguinte modelo exemplificado: Vertical = espaço = estático = masculino = harmonia = interior (interno). Horizontal = tempo = dinâmico = feminino = melodia = exterior (externo). (GRECO, 1997, p.101, apud VASCONCELOS, 2017, p. 96) 

Mondrian atribuiu significado não apenas às linhas, horizontais e verticais, e aos espaços, como exemplificado na citação acima, mas também ao cruzamento entre as linhas. Considerados cruzes ou intersecções, os cruzamentos expressam o encontro entre as duplas de oposições, representando um ponto de equilíbrio entre elas. Mondrian denominou essa expressão estética por “Ponto Plástico”, categoria relevante para o movimento De Stijl (VASCONCELOS, 2017). 

O Imperador e Mondrian 

            É possível encontrar muitos aspectos comuns entre o arquétipo do Imperador e a arte de Mondrian. O artista holandês buscava expressar a estrutura, a base, aquilo que dá sustento à realidade, domínios esses próprios ao Imperador.            Desse modo, como vimos, a busca pela realidade última, pelo alicerce de tudo, é ordenada pela racionalidade, por cálculos matemáticos, por sistemas de pensamento próprios à cultura humana, elementos esses encarnados pelo Imperador. Assim, mediante o contato com a proposta artística de Mondrian podemos nos aproximar do arquétipo do Imperador. 

Proposta Arteterapêutica 

A partir do contato com a proposta artística de Mondrian e visualização guiada, buscou-se, na vivência da Jornada, “a base que nos estrutura”. A técnica escolhida foi a colagem em 3D, pois a colagem, além de outras propriedades terapêuticas, é estruturadora. Já a proposta de construí-la em 3D traz a possiblidade de experienciar a construção emergente de uma base anteriormente estruturada.

O trabalho que trago é de uma das participantes que atribuiu à “Força Invisível”, título de sua obra, aquilo que a estrutura, que lhe dá base para caminhar em situações e contextos adversos.

 


Título: Força Invisível 

De acordo com a participante, o trabalho proporcionou um ordenamento interno, um reencontro com o seu ponto de equilíbrio e de sustentação, causando certo alívio e tranquilidade por se reconectar com sua segurança interna. 

Referências Bibliográficas 

BANZHAF, Hajo (2011). O Tarô e a Viagem do Herói: A Chave Mitológica para os Arcanos Maiores. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. Editora Pensamento: São Paulo. 

NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post. Editora Cultrix: São Paulo. 

VASCONCELOS, Henrique (2017). Mondrian e a Teosofia. Trabalho apresentado ao curso de Artes Visuais como requisito parcial para obtenção o título de Bacharel. Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc Centro de Artes – Ceart Curso de Artes Visuais. Florianópolis.

Disponível em https://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00003c/00003cee.pdf

Acesso em 25/03/21



[1] Em um segundo momento essa proposta passa a influenciar não apenas a produção plástica, mas também a arquitetônica.

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Sobre a autora: Mercedes Duarte


Arteterapeuta, Mestre em Ciências Sociais, pesquisadora autônoma de arte, terapia e oráculos

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