Marc Chagall
Por Beatriz Coelho
biacoelho017@gmail.com
Na época de La Fontaine, a Academia de Letras
passou a se reunir no próprio Palácio de Versailles, conferindo assim maior
prestígio ao poder de Luís XIV. Ali, alimentavam-se várias querelas, entre elas
a da impropriedade dos temas arrebatados pelas fantasias da imaginação. Por
exemplo: animais não falam.
La Fontaine, em diversas estórias, faz irônicas
alusões a estas posturas rígidas, dogmáticas, formais e ridículas. Na dedicatória
da primeira coletânea das Fábulas dirigida ao Príncipe Luís, o Delfim, então
com sete anos de idade, lança algumas luzes sobre o propósito destas narrativas.
Vejamos:
Ao Delfim
São filhos de Esopo os heróis que eu canto.
São mentirosas suas estórias - mas eu canto.
As mentiras contêm verdades no meu canto.
Tudo fala na minha obra: até os peixes.
E o que dizem vale para qualquer humano:
Utilizo os animais para ensinar aos homens.
Pequeno Príncipe, amado sob estes céus,
Os olhos do mundo se voltam para ti;
Muitas cabeças se inclinarão sob teu olhar,
Fruto das conquistas que hás de acumular.
Outro poderá contar com voz mais forte
Os feitos de teus ancestrais, do Sul, ao Norte;
Eu te distrairei apenas com aventuras,
Esboçando, em versos, leves pinturas;
E se não fores por eles cativado
Terei ao menos a honra de haver tentado.
Outra questão que os versos suscitam é a
questão do ensinamento contido na fábula. Ora, La Fontaine é um espírito livre.
À medida em que avança na produção, vai tomando distância desta missão educativa da narrativa. Sempre e
cada vez mais é o ato de criar que transporta La Fontaine. Inspira-se dos
clássicos, mas sem a eles se escravizar. André Gide dirá, no século XX, que a
rigidez que o classicismo impôs aos artistas permitiu, por outro lado, a
constituição de um patrimônio artístico homogêneo e sólido. É sempre válido
observar um problema de perspectivas diversas.
Jean-Claude Carrière, escritor e roteirista dos
filmes de Buñuel, privilegia a arte de contar. Ao longo da vida, colecionou
estórias pitorescas do mundo inteiro ao estilo das fábulas e as publicou. Diz
ele no Prefácio do Cercle des Menteurs (Círculo dos Mentirosos): Como vermes fecundando a terra - pelo menos é o que se espera -, atravessando-a às cegas,
as estórias passam de boca em boca e dizem há muito tempo, o que ninguém mais
pode dizer. Algumas giram e se enroscam num povo. Outras, como que feitas de
matéria sutil, furam muralhas invisíveis que nos separam uns dos outros, ignorando
tempo e espaço e simplesmente se perpetuam. Assim como a entrada bem conhecida
do palhaço no picadeiro procurando um objeto perdido no círculo luminoso, não
porque ele tenha ali se perdido, mas porque lá existe luz(...). Assim acontecem com as fábulas
que nos veem de um tempo remoto.
Imaginemo-nos sentados em círculo ouvindo mais
uma fábula de La Fontaine: mentirosa?
A Rã deseja ser do tamanho do Boi
(Livro I, fábula 3)
Uma rã avistou um Boi:
Eis o porte ideal!
Pensou;
Ela que maior do que um
ovo nunca foi.
Invejosa, se esticou,
inchou, se pesou...
Para chegar às
proporções do animal.
Perguntou: _Olha
Arcimbal,
Estou bem? Diga-me; não
é suficiente? _
Ainda não, fala o
colega. Ela insiste: _E agora?_
Desiste, diz Arcimbal.
A rãzinha carente
Inchou tanto que
estourou na mesma hora.
O mundo gira com pouca sabedoria:
O burguês sonha com palácios medievais;
O príncipe escamado com bailes triunfais;
O visconde com espigas de filosofia.
Bibliografia:
Idem para
as matérias anteriores e ainda: Jean-Claude CARRIÈRE, Le Cercle des Menteurs,
p. 7, Pocket, Plon Ed., 2009, Paris
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Sobre a autora: Beatriz Coelho
Sou mesmo é multifacetada.
Em Paris, fiz mestrado em Sociologia.
Lá, me casei e tive a primeira cria.
De volta ao Brasil, a Vida fez arrelia.
Abandonei a Sociologia.
Consacrei-me aos amores da minha família.
Mas as letrinhas faziam uma falta danada.
Estava meio despetalada.
Escrevi Cadernos do Silêncio com vírgulas
E de La Fontaine traduzi as Fábulas.
Trabalho Admirável! Beatriz. Grato pela lembrança de enviá -lo. Um Abraço afetuoso do seu Maestro Leonardo Bruno, extensivo a meu Irmão de caminhada , Fernando.
ResponderExcluirMuito bom, prima. Fico muito feliz com este seu resgate. Não conhecia este conto. Quantos de nós teimamos em nos arvorar de pato a ganso, de rã a boi, tentando ser o que não somos? Esse moço sabia das coisas!
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