segunda-feira, 23 de maio de 2016

FAYGA E A ARTETERAPIA: ENCONTROS E DESENCONTROS

Por Flávia Hargreaves

fmhartes@gmail.com

Fayga Ostrower (1920-20010. Paisagem. 1947. 
Desenho a nanquim, bico de pena e aguada sobre papel. 
FONTE: http://faygaostrower.org.br/acervo/desenhos



E estou aqui novamente citando alguém, Fayga Ostrower, que não se refere à Arteterapia, mas sim faz ressalvas sobre a clara distinção entre os territórios da Arte e da Arteterapia. Fayga deixa claro que está tratando de Arte, enquanto Dra. Nise da Silveira, citada em textos anteriores, deixa claro que não fala nem de Arte nem de Arteterapia. Mas então porque estudá-las? Porque sim. Porque são autoras importantes que trilharam cada uma na sua área de interesse os caminhos da criatividade, seus processos, a leitura das imagens e o quanto tudo isto é fundamental para o ser humano. Entre tantos encontros e desencontros nesta jornada em busca de fundamentos para a Arteterapia, acredito que estas duas mulheres ‘brasileiras” deixaram, mesmo sem querer, um importante legado para a Arteterapia, tão próximo, tão acessível que me parece absurdo não nos debruçarmos sobre ele, e, porque não, discordarmos tanto quanto quisermos.

Capa do livro: Criatividade e Processos de Criação, Fayga Ostrower.



Sincronicamente, eu e minhas parceiras nos deparamos no mesmo momento lendo “Criatividade e Processos de Criação”, publicado originalmente em 1977, tendo sido citado na palestra do dia 12 de maio, “Criação e Expressão Espontânea” apresentada por Maria Cristina de Resende, e dá o título ao texto de Eliana Moraes da semana passada “A percepção de si dentro do agir”. Quando me sentei para escrever, ainda sem saber sobre o quê, me deparei com o livro sobre a mesa. Pensei: não há como escapar, vamos ver aonde ela pode nos levar.



Vou repetir aqui as duas citações, a da palestra “Criação e Expressão Espontânea”:
A tensão psíquica pode e deve ser elaborada. Assim, nos processos criativos, o essencial será poder concentrar-se e poder manter a tensão psíquica, não simplesmente descarregá-la.” (OSTROWER, 1997.p.28)
 E a da publicação “A percepção de si dentro do agir”:


“Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos.” (OSTROWER, 1997.p.28)


E continuo citando:

“Daí o sentimento do essencial e necessário no criar, o sentimento de um crescimento interior, em que nos ampliamos em nossa abertura para a vida.” (OSTROWER, 1997.p.28)



Quando falo sobre a autora fazer críticas à Arteterapia, me refiro a ressalvas que me parecem ser um entendimento que a Arte com fins terapêuticos estaria baseada em uma descarga e esvaziamento de potência, ao que ela contrapõe a ideia de que ao criar fortalece, potencializa. Em nota de rodapé ela escreve “[...] a arte, REDUZIDA à terapia [...] perde seu sentido artístico.” (OSTROWER, 1997.p.28, grifo meu).



Levando estas citações para dialogar com a nossa prática da Arteterapia, gostaria de trazer para este espaço uma discussão que têm mobilizado a mim e minhas parceiras, Eliana e M. Cristina, acerca de um modelo vivencial em Arteterapia trazido com freqüência por alunos e participantes de nossos grupos de estudo e supervisão. Importante colocar que nós também aplicamos este modelo em algumas de nossas práticas.



O modelo segue um roteiro básico: 1) Relaxamento; 2) Apresentação de um disparador, que pode ser um conto, um mito, uma imagem, uma palavra, uma poesia ... a partir do qual se propõe uma atividade expressiva, na maioria das vezes, plástica; 3) Fechamento, reflexão, que pode ser escrever, falar sobre a experiência, compartilhar com o grupo.


Vou me ater a questão do primeiro momento, RELAXAMENTO, muitas vezes uma meditação acompanhada por uma música suave, relaxante como preparação para a entrada neste espaço terapêutico. Momento de introspecção e silêncio como condição para a expressão de conteúdos inconscientes. Neste ponto, Dra. Nise da Silveira irá corroborar com a ideia de que o silêncio é fundamental para a expressão de imagens do inconsciente.


Mas o que fazer com a tensão, a angústia, o conflito que está mobilizando aquele indivíduo ou grupo naquele encontro? Devemos abrandá-la, silenciá-la? Permitiremos um momento de catarse como um esvaziamento destas tensões? Afinal o que fazer com a potência criativa presente nesta tensão?



Não estamos ocupados com as questões profissionais da Arte, mas estamos sim ocupados com as questões da Arte que dizem respeito ao Homem em sua profundidade.


Poderíamos, talvez, acolher esta tensão e usá-la como fazem os artistas. O artista não se acalma, não aquieta o coração para produzir, muito pelo contrário. E o esvaziamento que se dá na produção se renova em potência novamente, como diz Fayga.

Me parece que o mais importante nesta reflexão é estar atento a questão de porque optar por um caminho ou outro diante do cliente. Quando silenciar a tensão para que ele possa entrar em contato com as suas questões profundas e quando partir da tensão, e do conflito que está gritando e necessitando de um espaço legítimo para serem expressos, percebidos e elaborados. E, que bom, neste momento voltar nossos olhos para o cliente, antes de seguir uma receita de modo automático acreditando que sempre funciona e que funciona para todos. E se não funciona é resitência do cliente, e nunca do terapeuta.

Como coloquei anteriormente, estas questões têm me mobilizado e transformado a minha prática na Arteterapia, e acredito que seja fundamental nos questionarmos sempre e buscarmos autores nas áreas afins à nossa tão recente profissão buscando novas possibilidades e nunca respostas finais.

Referências:
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1997.

Para conhecer a obra de Fayga Ostrower: http://faygaostrower.org.br/

Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com

2 comentários:

  1. Concordo com o artigo, quando entendo que, ao paciente seja dado o direito de escolha do material plástico que queira utilizar, e que, como arteterapeuta, eu não direcione a sessão. Assim percebo no paciente a possibilidade de sem estas interferências, que ele obtenha o quantum de energia necessária para acesso aos conteúdos inconscientes promovendo o auto conhecimento.

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