Por Flávia Hargreaves
Imagem: Divulgação Não Palavra: Fotografia: Fernando Hargreaves.
Neste breve texto
pretendo compartilhar com vocês minhas reflexões sobre a relação com os materiais
plásticos em Arteterapia ou, como se costuma dizer, com a linguagem dos
materiais. Muitas vezes, observo esta relação vista em uma perspectiva de se
ter uma “certeza” ou uma “verdade” sobre suas aplicações e seus efeitos
terapêuticos. O material ou técnica “x” é estruturante, organizadora, logo
deverá ser oferecido ao cliente que necessite de estrutura e organização. A
argila, por exemplo, próxima da natureza, largamente experimentada pelo homem
desde a pré-história, se mostra muito mobilizadora de conteúdos arcaicos e deve
ser utilizada com cautela, e por aí seguimos certas diretrizes ao lidar com os
materiais e as técnicas artísticas no setting
arteterapêutico. Não
teremos muitas dificuldades em confirmar muitas destas abordagens. Voltando ao
exemplo da argila, muitos arteterapeutas já presenciaram o cliente tendo
inclusive reações físicas de mal estar no contato com ela, aversão pela “sujeira”
do material, etc. Eu, por exemplo, não sinto nada ao manusear este material, acho
no máximo relaxante.
Ao longo dos últimos
anos, me propus uma jornada pelos materiais e pelas técnicas, mergulhando nas
que mais me atraíam e/ou se colocavam diante de mim como um desafio, às vezes
simultâneamente como agora, por exemplo, transito entre a aquarela e a escultura.
Paralelamente observo com atenção como esta relação se dá no setting arteterapêutico. E, me dei conta
do óbvio. Estamos falando de “relação”, então partimos das qualidades do
material em si, mas o foco estaria na relação que cada um irá estabelecer com as
mesmas, no “modo” particular como cada um irá lidar com as suas “facilidades” e
“dasafios”. O meu cliente, como eu, pode não se sensibilizar com a argila, ou
pode cair em prantos, e, desta forma, saímos das “verdades” e “certezas” dos efeitos
de determinado material.
Aquarela e escultura em gesso: Flávia Hargreaves, 2016.
Minha intenção aqui
não é a de negar o que se tem de estudos sobre a linguagem dos materiais e suas
funções na prática da Arteterapia, isto nem faria sentido. Ou mesmo negar o que
está implícito no material como a fluidez e transparência da aquarela diluída; a
maleabilidade da argila; a ligação da aquarela com a água ou da argila com a terra.
É minha obrigação saber que a argila e o gesso tem o seu momento maleável e ao
secar tornam-se sólidos e rígidos. O que venho defender aqui é a importância
para o arteterapeuta de se experimentar neste universo dos materiais, acreditando
ser fundamental conhecer suas qualidades básicas, como saber que determinadas
tintas irão diluir em água, outras irão repeli-la; alguns materiais se
misturam, outros não, entrar em contato com suas técnicas e transgredi-las, explorando a dimensão “laboratório”, “cozinha experimental” das artes plásticas
Como nos prepararmos
para quando cliente pergunta: “O que acontece se eu fizer isso ou aquilo e você não
souber?” Será que temos que saber? Para nos prepararmos para este tipo de
situação precisamos estar dispostos a penetrar na experiência com os materiais
de Arte, criando intimidade e
desenvoltura com os mesmos. Não podemos ocupar um lugar de estranheza diante da
Arte e suas práticas e nem nos tornarmos repetidores de receitas. Mas voltando à pergunta, a meu ver a resposta
não é conhecer todos os materiais e as técnicas, até porque seria impossível, mas sim termos experimentado
muitas coisas do jeito “certo” e do jeito “errado”, assim teremos facilidade e
segurança para lidar com um material ou proposta inusitada e nova. Estaremos
aptos para ser aquela pessoa que dará o apoio necessário ao cliente na descoberta
de novos caminhos na relação com os materiais e as técnicas, e como estamos
falando de um processo terapêutico, novos caminhos na vida.
Seguindo
este pensamento, costumo propor aos meus alunos que
explorem o modo como cada material lhes afeta, e insistam por um longo tempo no
mesmo material/técnica e se permitam descobrir novas possibilidades de aplicação
na sua prática, ficar no mesmo material costuma reservar “surpresas”.
Esta experiência íntima
na relação com os materiais que utilizamos no setting arteterapêutico, nos dará mais segurança e nos ajudará a
lidar com os “erros”, quando uma proposta dá “errado”, nos levando para um novo
caminho, imprevisto. O cliente usa o material da forma “errada” e cria soluções
novas. E, nesta perspectiva a Arteterapia irá se aproximar da Arte, afinal
os artistas fazem isto, transgridem as regras, erram, insistem, buscam, exploram
e CRIAM.
Ver também:
Aquarela, Geometria e Arteterapia
< http://nao-palavra.blogspot.com.br/2015/06/aquarela-geometria-e-arteterapia.html > publicado em 29/06/2015.
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ResponderExcluirAdorei o seu texto, que me levou a pensar uma questão que sempre esteve presente para mim, desde os tempos da graduação em Psicologia: fala da disponibilidade do terapeuta de se olhar e se conhecer com profundidade. Acho que essa é a mesma qualidade que permitirá, ao arteterapeuta, a necessária experimentação com os materiais, e uma certa dose de ousadia também será necessária, afinal geralmente o mergulho em direção a si mesmo costuma ser ameaçador e é o primeiro confronto que necessitamos vencer...
ResponderExcluirOi Sandra, obrigada por seu comentário. Concordo!!! É preciso estar disponível para se experimentar com os materiais e se pensar nesta experiência. Em Arteterapia este processo será fundamental.
ExcluirO comentario acima que foi excluido, era duplicado, por isso removi. Bjs
ExcluirÓtimo texto!
ResponderExcluirOi Hellen, obrigada!!!! Fico feliz em vê-la acompanhando nosso blog.
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