por Flávia
Hargreaves
fotografia
de Hans Namut de Jackson Pollock.
Para Kandinsky, "o signo não preexiste
como uma letra no alfabeto; é algo que nasce do impulso profundo do artista e,
portanto, é inseparável do gesto que o traça.” (1)
Traço – Impressão, marca, sinal.
Rastro – Vestígio.
Gesto – Ação, ato (em geral, brilhante).
(Fonte: Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
Folha/Aurélio. Ed. Nova Fronteira. 1994.)
Poderíamos dizer: Uma marca é o vestígio de
um ato.
Sobre Pollock e a action painting, Rosalind Krauss descreve sua pintura como
“estrutura formal abstrata, superfície com manchas, esteiras multicores e
multiformes que são tantos traços de uma passagem, de um movimento, de um
gesto, de um corpo em ação (...).” (2)
Eu estava na fase
final da minha formação em Arteterapia, 2008, e ainda me perguntava como
definir esta nova profissão. E durante o meu período de estágio uma cliente
disse, mais ou menos isso: “Agora eu entendi o que é esse negócio de
arteterapia. A gente cria provas contra si mesmo.”
E esta afirmação
nunca me abandonou. Lendo Nise da Silveira, descobri que, entre as 17 oficinas
terapêuticas existentes na Casa das Plameiras, o desenho, a pintura
e a modelagem ocupavam um lugar especial. Claro, elas são provas de uma jornada interior. Diante de uma
sequencia de imagens estamos diante de um diário, de uma biografia em imagens
que expressam o que não pôde ser dito de outra forma.
A Arteterapia que
utiliza a produção de imagens (desenhos, pinturas, colagens, esculturas e
objetos) produz “coisas”, materializa um gesto, deixa marcas, rastros que
podemos revisitar, ver, tocar. Não permite que o gesto se perca, que a voz
silencie, dando a esta experiência uma “forma”.
Tudo parece caber
nesse lugar de “coisa”. Podemos estar diante de uma “coisa” criada por nós que
fala de nós o que não ousamos dizer.
Minha avó diria que ”é coisa dos infernos” e teria razão, se pensarmos
no inferno como um submundo desconhecido, caótico, onde mais uma vez, tudo
cabe.
Sua qualidade de
“coisa” permite estarmos diante de algo que podemos pegar, girar, transformar
em outra “coisa”. Ao explorá-la, percebê-la, conhecê-la a partir de diversos
pontos de vista, poderemos ouvir o que ela tem a nos dizer. Esta “coisa”
concreta, com cor, forma, peso, dimensão, ou seja, visível, palpável, tem menos
poder de nos possuir do que o que nos é invisível, desconhecido e impalpável.
Mas mais uma vez
precisamos retomar o tema do processo. Quando falo em “coisa” como uma
materialização de um “gesto”, esta “coisa” contêm este “gesto”, ou seja, o
gesto como o processo, como força, como movimento que a criou é fundamental
para que o arteterapeuta seja capaz de dialogar com o seu cliente a partir do
que foi produzido em terapia. Olhar a “coisa” ou a “imagem” destituída do
gesto, do contexto, é se limitar a superfície e trilhar caminhos muitas vezes
equivocados.
(1) ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 5º
reimpressão. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998.
(2) DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. E
outros ensaios. Papirus Editora. 1ª. Reimpressão. 2012.
contato: naopalavra@gmail.com
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