segunda-feira, 19 de maio de 2014

"ARTETERAPIA: HISTÓRIA DA ARTE PARA QUÊ?" NO CONTEXTO ESCOLAR

  Henri Matisse. A Dança. 1909-10. Acervo Leningrado. Ermitage.

             O texto de hoje foi escrito por Mariana Cunha, aluna do curso "Arteterapia- História da arte para quê?" Módulo I: Pré-História e Primitivismo. Nele, Mariana articula ideias sobre a aplicabilidade do que vivenciou no curso em sua prática como professora de Artes Plásticas no contexto escolar, especificamente no ensino público, dando ênfase a dois pontos abordados no curso: Invasão e proteção / Domínio e identidade.
Bem-vinda Mari!


           Como professora de Artes Plásticas do Ensino Básico, considero a importância do aprendizado e da aplicação da Arteterapia em minhas aulas. Especialmente por lidar com crianças e adolescentes da rede municipal do Rio de Janeiro; indivíduos extremamente carentes. Meus alunos sofrem abusos psicológicos, físicos e até mesmo sexuais; além de um forte descaso familiar no que pertence ao afeto, ao cuidado da mente e do corpo.
O “primitivismo” traz consigo questões básicas e essenciais próprias de indivíduos que conviviam (convivem?) em grupos pequenos, em codependência e cooperação, e distantes das complexidades sociais que foram criadas conforme as tribos viraram povos e depois se transformaram em nações. Questões essas que foram sendo praticamente escorraçadas de nossas vidas, em uma tentativa de fugir ao máximo da animalidade, da emoção, do instinto e do desejo. Percebo uma fuga do tempo, quando tudo precisa ocorrer como se não houvesse um amanhã e o paradoxo de se viver para o futuro; a fuga da conexão entre tudo e todos, onde a individualidade é confundida com o individualismo; a fuga do olhar e do cuidar do outro.
Percebo diariamente a carência do primitivo em meus alunos e em suas famílias. Muitos confundem o termo com o sujo, com a falta de racionalidade e com a emoção pura. Porém, observando-se os indivíduos tribais ou “pré-históricos” noto o cuidado e defesa da prole até a independência e o encorajamento da mesma (hoje vejo o descaso quase que total na educação dos filhos), o respeito ao líder e o líder que respeita (hoje vejo pais e filhos se tratando à base de xingamentos e violência), dentre outros problemas. Isso tudo reflete diretamente dentro da escola nas relações aluno-professor e aluno-aluno. A seguir, considerações de pontos vistos no curso que mais despertaram minha atenção.

Invasão e proteção / Domínio e identidade
Percebo a invasão dos dois lados. Preciso estar atenta o tempo todo para não invadir ou ser invadida. Como os meus alunos são carentes e às vezes parecem enxergar em nós professores os seus tutores exigem atenção constante.
Essa questão deve ser vista dos dois lados: ao mesmo tempo que sinto a necessidade de também ensinar “por favores”, “obrigados” e “desculpas”, entendo que o resultado jamais será imediato. A paciência precisa ser exercitada o tempo todo e é importante cuidar para não invadir o outro com uma puxada de braço para entrar na fila, uma ameaça constante de castigo, uma humilhação e uma exposição pública. Entretanto, tais autoritarismos são frequentes na escola, ainda que de forma velada e negada pelos professores. E a invasão em mim acontece de duas formas: através da contaminação desses comportamentos “educacionais”, fazendo com que eu acabe agindo da forma que eu discordo; e através dos próprios alunos que me exigem sempre e me “contaminam” com suas carências afetivas, fazendo com que eu me envolva emocionalmente.

Por fim, relato brevemente uma aula experimental que acabou sendo pertinente às discussões sobre o círculo de proteção. Era uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental do Ciep Almir Bonfim de Andrade, SME-RJ, com crianças entre 6 e 7 anos de idade. A aula foi simples: modelo vivo. A cada vez, um aluno faria uma pose simples para o restante da turma desenhar. Poderia ter deixado os alunos sentados em suas cadeiras mas optei por levá-los ao pátio e sentá-los em roda. Isso implicaria corridas e brincadeiras do tipo pega-pega e fugidas ao parquinho. Para evitar isso e não ter a necessidade de gritar, transformei a roda em algo lúdico. Quando consegui fazer com que todos sentassem em círculo, desenhei uma linha com giz em volta deles e disse: “quem sair do círculo vai pagar um mico no meio da roda”. Mesmo sendo “micos” muito leves, a introdução de uma regra com uma consequência para a desobediência os manteve dentro do círculo. Os tímidos evitaram sair. Os que queriam pagar o tal mico, jamais saíram correndo para fora do círculo: simplesmente levantavam um pouquinho para sentarem fora da linha e esperavam eu flagrar para enfim mandá-los ao centro e pagar a prenda. O círculo, enfim, serviu como uma proteção da própria aula. O ambiente ao redor deixou de ser sedutor, e todos ficaram atentos ao que estava sendo passado. O meu papel foi simplesmente ficar do lado de fora do círculo de giz, circundando os aluno, observando e incentivando os desenhos. Dessa forma, criei um segundo círculo de proteção.

Abaixo dois links de vídeos sugeridos por Mariana.

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