segunda-feira, 10 de junho de 2013

CORAGEM

            Recentemente eu estava coordenando um grupo terapêutico em arteterapia. A proposta era trabalhar em cima de uma imagem, continuando-a no papel, utilizando tintas de cores variadas. Uma das participantes perguntava:
- Mas vamos trabalhar com qual cor?
- Todas as cores disponíveis sobre a mesa.
- Todas essas cores?... Vamos trabalhar também com verde? E com azul? Nossa, todas essas cores?...
E ela começou a fazer seu trabalho. Enquanto fazia, dizia:
- Quando eu era pequena e tinha aula de artes, a professora dizia: “Hoje vamos trabalhar com o azul. Amanhã vamos trabalhar com verde.” E hoje na aula de artesanato a professora fala: “Hoje vamos trabalhar com guardanapo, vamos trabalhar com este desenho.” E aqui tem tantas possibilidades que fica difícil começar.
            Fiquei intrigada com estas palavras, ao pensar no paradoxo de que em aulas de arte, a criatividade e espontaneidade foram e ainda são tão tolidas. Em arteterapia o paciente tem a oportunidade de buscar dentro de si as cores e as formas que lhe fazem sentido, que são aceitáveis em suas próprias leis de perspectiva e estética.
            Veio-me a lembrança, a conhecida frase de Sartre: “O homem está condenado a ser livre.” É bom ser livre. Mas isso me causa angústia pois implica que eu faça escolhas e preciso me responsabilizar por elas.
Talvez por isto, em arteterapia, o papel em branco cause angústia em muitos pacientes (Ver texto “A angústia do papel em branco”), pois ali está o vazio, e com ele inúmeras possibilidades que só o paciente poderá escolher. Quando alguém decide pelo sujeito a cor ou o material que será usado, ele é poupado da responsabilidade, mas também lhe é roubada a liberdade da escolha. Está dinâmica é muito propícia para que o paciente se pense sobre sua dinâmica frente às escolhas da vida, sua postura em responsabilizar-se ou não por suas escolhas.
Além disto, cito aqui Maria Cristina Urrugaray, que muito me chamou a atenção quando em seu livro* diz que em arteterapia faz-se um convite à “tornar-se autor de suas expressões”.
Ao final do encontro, perguntei à paciente como ela estava se sentindo, e ela respondeu:
- Eu gosto porque aqui eu estou tendo a coragem de colocar no papel o que eu quero.


* ”Arteterapia – A transformação pessoal pelas imagens”

5 comentários:

  1. Muito interessante sua reflexão. Sou prof. de Artes e procuro agir de forma oposta, dando aos meus alunos a possibilidade de se expressarem com criatividade, mas percebo uma insegurança e uma falta de espontaneidade. Gostaria de implementar algumas técnicas de Arteterapia para trabalhar este desconforto e este medo. janecqsouza@oi.com.br

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    1. Olá Jane,
      Esta é uma questão muito interessante de se pensar.
      Mas muito mais do que técnicas, neste momento é interessante conhecer o que chamamos de "a linguagem dos materiais", ou seja o que cada material (em tese) proporciona e estimula nas pessoas.
      Depois disto, vc observando seu paciente, vc poderá compreender sua forma de ser e agir no mundo. Isto se refletirá em quais materiais ele se sentirá "em casa" e quais maisteriais serão desafiadores para que ele enfrente seus "medos" (e quaisquer outros sentimentos).
      Por exemplo, um paciente pode ter muita facilidade com tinta e muita dificuldade com colagens. Ou muita facilidade com materiais gráficos e muita dificuldade com materiais fluidos. Estes dados já te contam um pouco do sobre seu paciente e quais são os desafios dele.
      Em resumo, a questão da "coragem" no processo da arteterapia está diretamente ligada ao material e ao paciente.
      Sobre a "linguagem dos materiais" vou escrever em breve no blog.
      bjs e escreva sempre!

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    2. Entendi... Tenho um aluno que não gosta de fazer pontilhismo ou trabalhar com pintura raspada, usando bombril em figuras. Diz somente que tem nervoso e se recusa a fazer... Tenho outra que se sente incapaz de desenhar. Acha que não consegue nem contornar a própria mão e pede ajuda. Muita insegurança. Vou ver como se sai com outros materiais... Obrigada!!! Jane.

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    3. Pois é Jane.
      Primeiramente é importante conhecer um pouco DE CADA PACIENTE/CLIENTE pois cada material pode ter um significado muito próprio pra cada um.
      MAS EM GERAL, pela linguagem dos materiais, o desenho é um material de extremo "controle" (há algumas explicações para isto). É interessante que a paciente fale como ela se percebe em relação ao controle, quanto ao ter a "responsabilidade" de fazer algo tão pronto e definido...
      A partir de então podemos fazer um passo a passo para dar segurança pra paciente.
      Pode-se começar com pintura pois é mais fluida. Depois pintura com figuras mais geométricas e retas. Em seguida uma colagem de papais coloridos (é um material de "controle" menos assustador). Depois um desenho em papel vegetal por cima de outra imagem escolhida pela paciente e só então o desenho propriamente dito. Entende?
      Isso vai dando segurança pra paciente chegar neste material.
      (Sempre buscando refletir, que sensação aquele material causa na pessoa, que pensamentos ela tem enquanto faz, que lembranças podem vir a cabeça enquanto faz, etc)

      Bom, isso é o que eu poderia falar como hipótese, de longe, sem conhecer a paciente. Faz sentido pra vc?

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  2. Com certeza faz sentido para mim. Obrigada pela sua atenção. No meu trabalho, este acompanhamento individual é impossível. É um grupo de adolescentes e crianças bem grande e apenas um encontro semanal, mas deu para entender o que quis dizer... Jane.

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