Por Anderson Amaral RJ/CE
Para
contextualizar a Doença de Alzheimer é possível dizer que trata-se de uma
crise global de saúde, pois tem afetado mais de 55 milhões de pessoas em
todo o mundo, conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS,
2024). Trata-se de uma condição neurodegenerativa progressiva e sem cura,
mas que pode ser gerenciada por meio de abordagens terapêuticas diversas.
Dentre essas, destacam-se as intervenções farmacológicas, como os
inibidores da acetilcolinesterase e moduladores do glutamato, além das não
farmacológicas, como exercícios cognitivos, musicoterapia, terapia
assistida por animais e Arteterapia.
A Arteterapia,
em particular, tem sido amplamente estudada por seu potencial em estimular
funções cognitivas, promovendo o bem-estar emocional e fortalecendo
a socialização de pessoas com Doença de Alzheimer (EMBLAD; LADINSKA,
2021). É uma intervenção valiosa que visa aprimorar não apenas o aspecto
cognitivo, mas também o afetivo e social dos participantes.
As Oficinas de Arteterapia
As
oficinas tiveram como objetivo apresentar a Arteterapia como uma
intervenção integrativa, buscando o aprimoramento cognitivo, afetivo,
motor e social dos participantes, além de promover o controle do humor,
o bem-estar e a qualidade de vida. Utilizamos técnicas
expressivas e nutrição imagética por meio de movimentos artísticos,
promovendo a expressão pessoal, o autoconhecimento e o equilíbrio
emocional, com base nos princípios da Arteterapia e seus principais
representantes.
Durante os
12 encontros, foram abordadas as obras e técnicas de artistas renomados, como Jackson
Pollock, Henri Matisse e Vincent Van Gogh, para público
masculino, ou seja, homens com idades variando de 71 a 85 anos e com
diagnóstico de Doença de Alzheimer.
Cada
sessão começava com uma técnica de relaxamento, visando organizar
emocionalmente os participantes e despertar sua atenção. Após isso, era
projetado um vídeo com as principais obras do artista da sessão como estratégia
de nutrição imagética, acompanhado por músicas suaves. Em seguida,
realizavam-se as intervenções arteterapêuticas, onde os participantes eram
incentivados a expressar-se livremente.
Encontro com Vincent
Van Gogh: "O Quarto em Arles" e "A Noite Estrelada"
No oitavo
encontro, o foco foram as obras de Van Gogh. Como parte do processo de
nutrição imagética, foi exibido um vídeo com as principais obras do artista,
acompanhado da música "Starry, Starry Night", interpretada por Lianne
La Havas. Após a projeção, dois quadros de Van Gogh foram apresentados:
"Noite Estrelada" e "O Quarto em Arles - 2ª versão".
Os
participantes foram convidados a observar e contemplar as imagens das obras. Em
seguida, receberam versões em branco dos desenhos e puderam escolher uma para
pintar livremente. Todos optaram por "O Quarto em Arles" e, para a
execução da atividade, foram disponibilizados lápis de cor e giz de cera.
Essa diversidade de materiais permitiu que cada um selecionasse a opção mais
adequada à sua pegada, proporcionando maior conforto e acessibilidade,
especialmente para aqueles com distúrbios de movimento ou dificuldades
articulares.
Para
garantir um processo criativo livre de influências externas, a imagem do quadro
"O Quarto em Arles" foi retirada do telão antes do início da
pintura. Após a conclusão da atividade, os participantes foram convidados a
refletir sobre a escolha da obra, explorando as sensações, emoções e memórias
despertadas, além de observarem o resultado de seus trabalhos. Esse momento
possibilitou uma conexão mais profunda com o processo criativo, permitindo que
cada um se reconectasse com seus próprios sentimentos e vivências.
Observações e Reflexões
sobre as Reações dos Participantes
As emoções
mobilizadas durante a sessão terapêutica foram predominantemente de alegria,
bem-estar e afeto, evocando lembranças positivas da infância e da relação com
os filhos. No entanto, a reação à obra "A Noite Estrelada" foi
diferenciada, despertando sentimentos de tristeza e incômodo, principalmente
devido à sensação do cair da noite, associada pelos participantes a um
desconforto emocional. Esse foi o principal motivo para a não escolha dessa
obra na hora de realizar o trabalho plástico.
Esse
relato ganha relevância quando analisado à luz da literatura sobre a Síndrome
do Pôr do Sol, uma condição frequentemente observada em pessoas com Doença
de Alzheimer. É um fenômeno clínico de
grande significância e amplamente disseminado entre pacientes com demência,
resultando em um sério fardo para os cuidadores. Sua prevalência atinge mais de
60% em alguns estudos. A síndrome se manifesta
com inquietação, agitação, irritabilidade ou confusão, especialmente no final
da tarde e início da noite (REIMUS; SIEMINKI, 2025).
A
predominância de tons frios e a movimentação expressiva das pinceladas de "A
Noite Estrelada" podem ter potencializado essa percepção emocional.
Cores como o azul intenso e o preto, combinadas à dinâmica das
formas no céu, podem evocar sensações de melancolia e introspecção,
aprofundando a conexão entre a obra e os sentimentos dos participantes.
A Experiência com "O
Quarto em Arles"
Em contraste
com outras obras, "O Quarto em Arles" proporcionou uma
experiência emocionalmente oposta, transmitindo sensações de acolhimento,
conforto e tranquilidade. A obra, com seus tons quentes de amarelo
e laranja, criou uma atmosfera aconchegante e segura,
evocando um ambiente intimista e acolhedor. Para muitos participantes, a
pintura despertou profundas memórias afetivas, remetendo aos quartos de
sua infância, às casas onde viveram ou aos quartos de seus filhos. Esse resgate
emocional fortaleceu o senso de familiaridade e pertencimento,
tornando a experiência visual mais reconfortante e prazerosa.
Algumas das frases evocadas
pelos participantes incluíram:
"Esse quadro me fez
lembrar da minha época de infância, onde morava em um quarto simples como esse,
mas repleto de amor."
"O quadro me fez
recordar da época de infância de meus filhos."
"Esse quadro me lembrou
do quarto da minha avó, onde eu costumava ir aos finais de semana quando era
criança."
"Lembro-me do quarto da
minha mãe, que era o espaço onde nos reuníamos para conversar, trocar carinho e
histórias."
Essas
reações destacam como essa obra de Van Gogh, com sua simplicidade e
acolhimento, foi capaz de resgatar memórias afetivas significativas,
proporcionando uma sensação de conforto e pertencimento aos
participantes.
Conclusão
Relatos
como estes enfatizam ainda mais o potencial transformador da Arteterapia
no contexto da Doença de Alzheimer, destacando como essa abordagem pode
promover o bem-estar emocional e cognitivo dos pacientes. As
intervenções arteterapêuticas, exemplificadas pela utilização das obras de Van
Gogh, mostram como a arte facilita o resgate de memórias afetivas,
proporcionando uma sensação de acolhimento e tranquilidade. Ao
estimular a percepção sensorial e a expressão emocional, a Arteterapia
contribui significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos
pacientes.
Esta
experiência também reforça que, por meio da contemplação e da criação
artística, a Arteterapia possibilita uma conexão profunda com as memórias
pessoais e permite que os pacientes explorem suas emoções. As
reações dos participantes às obras de Van Gogh ilustram a importância de
personalizar as intervenções arteterapêuticas, ajustando-as às necessidades
emocionais de cada indivíduo, uma vez que diferentes obras podem gerar
respostas emocionais variadas.
Além
disso, exemplos como o programa do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA),
que utiliza a arte como ferramenta de estimulação cognitiva para pessoas
com Alzheimer, demonstram o impacto positivo da arte na promoção da criatividade
e no fortalecimento da identidade e dignidade dos pacientes.
Dessa forma, a Arteterapia não apenas ressignifica a vida dos pacientes,
mas também cria momentos de conexão emocional e bem-estar,
favorecendo o autoconhecimento e a socialização.
Obs: Relato de experiência
faz parte do pré-requisito para a conclusão da Formação em Arteterapia do
Espaço Psi, no Rio de Janeiro, sob a coordenação e supervisão da Arteterapeuta
Naila Brasil.
Referências
bibliográficas:
EMBLAD, S.Y.M.; LADINSKA, M. Creative Art Therapy as a Non-Pharmacological Intervention
for Dementia: A Systematic Review. J Alzheimers Dis Rep. 2021.
Disponível em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8203286/
MUSEU DE ARTE MODERNA DE NOVA YORK (MoMA). História do Projeto Alzheimer
do MoMA. Disponível em https://www.moma.org/visit/accessibility/meetme/resources/index_sp.html?utm_source=chatgpt.com#history_sp
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Mês Mundial do Alzheimer 2024: é hora de agir pelas
pessoas com demência. 2024. Disponível em
https://www.paho.org/pt/noticias/9-9-2024-mes-mundial-do-alzheimer-2024-e-hora-agir-pelas-pessoas-com-demencia
REIMUS, M.; SIEMINSKI, M. Sundowning Syndrome in
Dementia: Mechanisms, Diagnosis, and Treatment. Journal of Clinical Medicine.
2025. Disponível em https://www.mdpi.com/2077-0383/14/4/1158
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Sobre o autor: Anderson Amaral
Arteterapeuta,
Mestre em Saúde e Tecnologia, Pós-graduado em Geriatria e Gerontologia,
Pós-graduado em Neurosicologia com ênfase em Reabilitação Cognitiva,
Pós-graduado em Neurociência e Longevidade. Professor da Oficina de
Estimulação Cognitiva do UNATI/NucEH/UERJ, Membro do Projeto de Extensão
Terapias Não Farmacológicas na Atenção à Saúde do Adulto e do Idoso UNIRIO,
Pesquisador e Colaborador do projeto “Estimulación Cognitiva en Adultos Mayores
Frank País Cuba e Professor da Pós-graduação em Gerontopsicomotricidade
(Associação VemSer).
Autor dos livros: Jogos
Cognitivos: Um Olhar Multidisciplinar; Jogos de Estimulação Cognitiva e Motora;
Animada (Mente) Estimular através do jogo (Portugal); Diferentes Perspectivas
da Animação e do Envelhecimento (Portugal); Envelhecimento como Perspectiva
Futura (Portugal); Diálogos em Gerontologia – UnATI/UERJ; Tratado de Jogos de
Regras e Manual de Telerreabilitação Cognitiva pós-COVID.
Autor dos E- books: Jogos
& Atividades Psicomotoras; Estimulação Cognitiva pós-COVID, Os Benefícios
das Atividades Físicas para um Envelhecimento Saudável; Terapias Mente &
Corpo em Gerontologia; Teleoficinas: Exercícios Cognitivos UNIRIO; Arte &
Ludicidade: Teleoficina Atendimento Remoto (UnATI/ UERJ), Programa de Animação
Terapêutica (Portugal), Gerontoteca: Espaços Terapêuticos e Tele-Estimulação
Cognitiva.
Coautor dos Livros:
Estimulação Cognitiva para idosos: ênfase em Memória