segunda-feira, 21 de outubro de 2024

MEMÓRIAS OLFATIVAS: CHEIROS QUE CONTAM HISTÓRIAS



Por Jeany Amorim - RJ

@jeanysamorim.arteterapia

Tem cheiros que acalentam a alma, que aquecem o coração...outros que simplesmente apetecem, que agradam ou deixam o estômago embrulhado. Você já parou para pensar quais são os “cheiros” da sua vida? O que estava presente na infância, o que marcou a adolescência, o que traz aconchego...ou aquele cheiro que anunciava a presença de alguém especial? O que os cheiros têm a ver com as nossas construções afetivas? O que eles podem contar?

A casa vizinha ao setting arteterapêutico estava limpando a fossa séptica. Por mais que as janelas estivessem vedadas, o cheiro – mesmo que leve – se fazia presente. Me desculpei. Ela imediatamente disse: não me incomoda. E, acreditem, a limpeza da fossa séptica foi o disparador da sessão. Do cheiro da fossa, partimos para as memórias da infância, onde uma vala poluída era parte do cenário da casa da avó, seu lugar de predileção: “preciso contar isso a alguém...mas amo sentir o cheiro do lixo queimado! Essa era a forma de descarte na casa da vó Maria, meu lugar mágico!”

Os cheiros penetram lugares de memórias, afetos e sensações com muita fluidez. E existe uma explicação científica para o despertar dessas memórias provocadas pelos aromas, que está diretamente ligada ao bulbo olfativo (decodificação dos odores), à amígdala (processamento da emoção) e o hipocampo (memória e cognição) – vasto campo para nossa atuação, como Arteterapeutas!

Não existe idade para trabalhar com as memórias olfativas. Claro que as crianças ainda as estão construindo, mas a potência imaginativa e criativa dos pequenos acessa as emoções - e dão formas - através dos cheiros, com muita facilidade. Já os adolescentes e adultos trazem um baú de memórias, pronto para ser acessado, degustado e (re)vivido com o cuidado que toda “volta ao passado” merece.

Quando trabalho presencialmente, escolho entre ervas, alimentos e aromas geralmente agradáveis: hortelã, pipoca, bolo, chocolate, alecrim, lavanda, tangerina, café... Esses cheiros são escolhidos e sentidos às cegas – já que a visão seria um entrave à livre associação. É delicioso acompanhar o desvelar das memórias! Em seguida, vêm as cores e as formas, dando início a um oráculo de afetos. Claro que temos o momento degustação, afinal, celebrar os afetos que nos constituem e ressignificar os que nos encontram em nossa vulnerabilidade, também faz parte do processo!

E você? Tem algum cheiro “estranho” que te desperta aconchego ou alegria? Que histórias ele conta? Que cores e formas ele tem?

Termino compartilhando o meu: cheiro de gasolina! Ele tem a cor creme, a forma de uma brasília, carrega sorrisos de crianças e cantigas e celebra férias em família!   

Obs: Imagens advindas do setting arteterapêutico com autorização dos participantes. 

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Sobre a autora: Jeany Amorim




Jeany Amorim é Arteterapeuta, Psicopedagoga, professora de Arte na Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro, Mediadora de Conflitos - e de pessoas! - ilustradora de livros infantis, contadora de histórias e de estrelas. Mora em meio a Mata Atlântica, na região serrana do Rio, e vem se dedicando ao estudo "das coisas naturais", trazendo ao setting - e expandindo - o ser orgânico e a natureza que somos.

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