segunda-feira, 29 de julho de 2024

ENCONTRANDO A FAMILIA NA ARTETERAPIA

 


por Elaine Cristina Tomaz - Ribeirão Preto/SP

Arteterapeuta - AATESP 335/0616

@tessera.arteeterapia

 

Na clinica Arteterapêutica, quando recebemos crianças e adolescentes para atendimento acredito ser fundamental acolher a família como um todo. Creio não ser possível atender esse público sem olhar para seu entorno, seu contexto, seu ambiente. Família é base, estrutura e nesse espaço  onde pode haver desequilíbrios e sintomas de adoecimento,  também podemos encontrar força e pulsão de vida, apoio para que crianças e jovens possam saber da sua história,  saber de si, ter alegria, saúde mental e emocional. 

Contudo, em minha experiência, quando os pacientes são adultos, trazer outros membros da família para sessões pontuais no setting arteterapêutico também proporciona benefícios importantes para  a terapia, para o paciente, para a visão do Arteterapeuta e principalmente para a família. 

Houve uma circunstância em que para uma mulher adulta e suas dificuldades com a maternidade, fizemos  algumas sessões em que as filhas pequenas puderam participar propiciando brincadeiras, expressões artísticas, momentos lúdicos, de descobertas e reflexões da relação entre elas. Foi uma oportunidade onde tive a chance de observar  e ampliar a compreensão da dinâmica do relacionamento e trazer falas e exemplos claros vividos nestas sessões do grupo familiar. Por outro lado,  a paciente também pode mostrar como  atua e como se sente diante de determinados comportamentos das filhas que ficaram evidentes no contexto arteterapêutico e puderam ser trabalhados nas sessões individuais com um maior aprofundamento. 

Usei essa possibilidade da participação familiar em outros atendimentos também  com resultados positivos e relevantes para que o processo terapêutico pudesse avançar.  São necessários alguns cuidados para que o paciente não se sinta exposto, nem julgado, que as sessões sejam planejadas de forma prazerosa, com uma condução sensível que não permita acusações  entre os membros mas, principalmente, que possam visualizar e sentir que podem construir algo bom juntos e fortalecer os vínculos. 

Atender famílias é viabilizar que o grupo possa olhar, sentir, expressar sua visão, peculiaridades, experiências, emoções,  ressignificando, de forma mais saudável,  as relações e a convivência. 

 É importante que o profissional crie dinâmicas simples e de aprendizado, tendo por objetivo alcançar alguns  benefícios para os membros da familia:


·         Ouvir e ser ouvido, ver e ser visto, se sentir pertencente.

·         Compreender os papeis, funções de cada um, seus lugares e serem acolhidos.

·         Poder expressar suas emoções com mais assertividade

·         Permitir um outro olhar para a relação.

·         Poder expressar em arte o que muitas vezes as palavras não alcançam no dia a dia. 

São vivências assim que enfatizam a Arteterapia  como  território sagrado de bem estar, restauração crescimento e transformações possíveis.



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Sobre a autora:  Elaine Cristina Tomaz



Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Barão de Mauá, com Habilitação em Administração 

Escolar.

Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional - Centro Universitário Barão de Mauá.

Formação em Educação em Valores Humanos (Básico) pelo Instituto Sathya Sai de Ribeirão Preto.

Especialista em Arte e Arteterapia aplicada à Educação, Saúde, Social e Organizações pelo 

NAPE – Nucleo de Arte e Educação/FAVI – Faculdade Vicentina – AATESP 335/0616.

Formação em Mandala Terapêutica pelo CEIMAS® (Centro Internacional de Mandala, Arte e Simbolismo) - SP 

Formação como Facilitadora SoulCollage® pelo SoulCollage® Brasil. 

Atuou como Gerente de Projetos e Coordenadora de Formação de Mediadores de Oficinas de Leitura e Escrita na Fundação Palavra Mágica em Ribeirão Preto/SP

Professora Alfabetizadora das Redes Estadual e Municipal de Ribeirão Preto/SP. 

Atendimento em Arteterapia, Mandalaterapia e SoulCollage® para  jovens e adultos, individual e grupos, presencial e online em clinica própria – Téssera Arte & Terapia

@tessera.arteeterapia

 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

SOMOS NATUREZA – UMA REFLEXÃO ARTETERAPÊUTICA

          


Por Débora Castro - RJ

               Falar da natureza é um convite que nos leva para um lugar único, nosso EU, nossa essência, que também se conecta com a Natureza. Tudo está entrelaçado, conectado. Vivemos todos num emaranhado fabuloso que compõe a textura do mundo, temos muito que aprender com a natureza. Segundo Leonardo Da Vinci “Na natureza, nada existe isoladamente, tudo está em conexão com tudo.”

Somos Natureza e a Natureza está em nós. Precisamos nos permitir olhar e perceber as sensações que temos ao nos conectarmos com os elementos da natureza. Como arteterapeuta que atende um grupo de mulheres, tenho levado muitas reflexões com relação a esse tema, quando observamos a natureza em estado de presença, nos conectamos com uma secreta paz interior que podemos chamar de liberdade.

E a reflexão que eu faço com esse texto é:  quando foi a última vez que você observou a natureza em estado de presença conectado com seu “Eu” mais profundo? 

Essa pergunta é bastante desafiadora para tempos atuais,  estamos enredados  na cultura da pressa e do imediatismo, da falta de paciência, vivendo num constante estado de estimulação excessiva e hiperatividade, correndo feito “barata tonta” sem perceber o entorno, sem prestar atenção às imagens para além de suas formas visíveis. Sendo assim, a natureza nos convida a esse mergulho de desacelerar e aprender a contemplar. 

A fotógrafa Alicja Brodowicz,  explora de forma singular as semelhanças entre partes do corpo humano e diversas formas da natureza. Um trabalho que faz a imaginação voar longe, revelando como todas as espécies e habitantes do planeta Terra estão inevitavelmente conectados.

         


Pensar no processo arteterapêutico é também fazer um mergulho contemplativo dentro e fora do nosso “Ser” mais profundo. Nossa essência transborda muitos significados e tudo está  impregnado com as nossas marcas de expressão, texturas,  linhas expressivas, cores, tons,  cicatrizes etc. Perceba sua semelhança com a sua natureza. Entenda que você é mais um elemento dentro de um grande sistema. Investigue seu corpo, contemple tudo aquilo que faz parte do seu Ser. Valorize a NATUREZA que habita dentro de você.

Durante a sessão de Arteterapia com grupo de mulheres, fiz alguns registros das falas das participantes, refletimos sobre  a função da Natureza e dos Reinos Animais e o quanto esses elementos são fundamentais para desenvolver a autoconsciência, a empatia e a compaixão. Em seguida seguimos para plástica contemplativa, cada participante escolheu um elemento natural que faz parte do seu cotidiano e fizeram a relação com parte do corpo.

Registro das participantes:

“Me identifiquei muito com a imagem do cacto com cinco pontas abertas para o alto. Sou cacto. Meus espinhos, minha proteção. Se o  terreno é árido, sou suculenta!   Minhas raízes, minha essência. Adorei a fotógrafa, Alicja Brodowicz. Ela conseguiu de  modo original e único, nos aproximar da natureza com todo seu esplendor”.

                                       


Participante “F”

“A seiva que alimenta o girassol que vira para o sol e que ilumina o girassol é a vida e da energia. A energia vem do sangue que corre dentro do ser humano e alimenta o coração que vibra e pulsa e transforma o ser humano e o conecta com a natureza. O homem e o girassol emanam energia de um para o outro e se conectam.”

                                                           


  Participante “D”

O encontro foi bastante profundo e reflexivo. Explorar  o tema Natureza, proporciona a experiência de vivenciar o resgate de emoções, amplia o olhar, além de convidar o participante a contemplar e aflorar suas  habilidades e potencialidades adormecidas internamente. Abre  novos caminhos trazendo o esperançar pela vida e novas realizações. 

Se a natureza prospera, você também prospera. Se a natureza sucumbe, você também sucumbe. O ato de contemplar pode também ser um belo caminho de muitas descobertas e percepções da sua relação com seu corpo e a natureza. 

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Sobre a autora: Débora Castro




Sou Débora de Castro, graduada em Pedagogia, Educação Artística, com pós-graduação em Psicopedagogia e Pós-Graduação em Educação Especial e Inclusiva. Com formação em Arteterapia. Atuo na área de Educação há mais de 28 anos, como professora de Artes Visuais e História da Arte. Atualmente coordeno um grupo de Arteterapia para Mulheres e ministro oficinas Arte terapêuticas no online e presencial.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

ARTETERAPIA E OS GRANDES ARTISTAS DA HISTÓRIA DA ARTE: REMEDIOS VARO – PARTE 2

Por Isabel Pires - RJ

bel.antigin@gmail.com 


No meu texto anterior, abordei a primeira parte da biografia da artista surrealista Remedios Varo CLIQUE AQUI. Hoje, apresentarei o segundo momento da vida da pintora e, em seguida, trarei um olhar sobre mais um de seus quadros, que pode ser usado como estímulo projetivo no setting arteterapêutico.

Remedios Varo, pintora espanhola contemporânea de André Breton, envolve-se profundamente com o surrealismo e seus precursores no início dos anos 1940, quando ela e seu companheiro, o poeta Benjamin Péret, refugiam-se em Marseille por causa da ocupação nazista em Paris. Instalam-se na residência que Peggy Guggenheim oferece aos artistas e intelectuais, e, neste momento, Varo mergulha no círculo íntimo dos surrealistas.


     Dois anos depois, ainda fugindo do nazismo, Varo e Péret se refugiam no México, e é lá que a pintora encontra Esteban Francés, Gerardo Lizarraga, José Horna, entre outros refugiados espanhóis. Torna-se próxima do poeta mexicano Octavio Paz e escreve textos esotéricos e místicos com a pintora Leonora Carrington, seu alter ego. Nessa época, Remedios Varo também se sensibiliza com o pensamento mágico e os mitos da cultura mexicana, nos quais o ser e o mundo se unem. Mas esse grupo de artistas exilados espanhóis não era bem-visto pelos artistas da cultura revolucionária mexicana da época, que os considerava decadentes. Por isso, Varo praticamente não tem contato com seus contemporâneos mexicanos surrealistas, tais como Rivera, Orozco, Siqueiros e Kahlo.

Os primeiros anos de Remedios Varo no México são permeados de buscas, pesquisas diversas e dúvidas quanto ao seu caminho de criação. Nessa época, para sobreviver, a artista faz trabalhos publicitários e decorativos, pintura de móveis para uma loja de decoração e imagens publicitárias para a indústria farmacêutica Bayer, além de criar cenários de teatro para o escritório britânico de propaganda antifascista, o que demonstra seu desejo de engajamento político. Ao longo desse período, seu trabalho começa a refletir seu questionamento sobre o ser e sobre o mundo, os mitos e as diferentes formas de pensamento. Varo é particularmente influenciada pela cultura asteca, que considera os seres humanos e os divinos como ambivalentes, afirmando a dualidade do mundo. Assim, os mitos astecas possuem tanto o bem quanto o mal, como a deusa Tlazolcotl, que simboliza a pureza, mas se alimenta da impureza. Dentro da visão asteca de mundo, a dualidade se une, ou seja, está integrada, assim como Jung nos explica sobre a união de opostos ou o “casamento alquímico”. Da mesma forma, nos seus trabalhos, Remedios Varo realiza a união entre o ser e a natureza, o universo e as forças cósmicas e exprime um pensamento mágico, primitivo.

Em 1947, seu quadro A Torre já revela a característica autobiográfica, as questões de identidade e a criação de estilo singular de Remedios Varo. Neste mesmo ano, Péret retorna a Paris e o casal se separa. Depois de uma viagem longa à Venezuela, Varo retorna ao México em 1949 e se casa, no mesmo ano, com Walter Gruen. Graças ao apoio financeiro e afetivo do marido, a pintora pode se concentrar no seu trabalho criativo e se dedicar às suas pesquisas de imagens. É o momento em que desenvolve seu estilo próprio, inovador.

Em 1955, Remedios Varo participa de uma exposição coletiva e, já em 1956, acontece a primeira exposição individual da artista, sucesso de público e crítica. A partir daí, ela recebe várias encomendas, e seu trabalho denota aspectos singulares, como o caráter híbrido de suas obras, entre texto e quadro, e seu aspecto autobiográfico, em busca de si mesma. Esse caráter híbrido é uma singularidade da obra de Varo, a qual se situa entre a literatura e a pintura. De acordo com Garcia (2007), existe um aspecto narrativo na obra da artista espanhola, como se houvesse uma continuidade, uma cronologia entre suas telas, ao estilo de uma narração. Pode-se perceber isso pela presença de personagens recorrentes em suas telas, tais como a mulher pássaro, o homem de barba, o gnomo, a fiandeira, entre outros. Tais personagens pertencem a uma história que demonstra o percurso de busca ontológica e iniciática de Remedios Varo, dentro de um universo simbólico lúdico e leve e, ao mesmo tempo, sério e profundo. Existe frequentemente uma ligação explícita entre os títulos de suas obras e as imagens, de forma que a pintura brinca com as palavras e as imagens. Por isso, pode-se ler os quadros de Varo como poemas ou histórias, nos quais a artista espanhola subverte o sentido das palavras e das imagens, conferindo-lhes uma significação nova e singular. 


              Quadro: Rompiendo el círculo vicioso – Rompendo o círculo vicioso – 1962

Essa pintura de Remedios Varo mostra a reclusão do ser humano, num espaço restrito, marcado pelas próprias dimensões do quadro, que possui três vezes mais altura do que largura. A corda, que possui a forma circular, a mais estável segundo Kandinsky, faz um contraste com a linearidade e a verticalidade do quadro.

            Podemos observar a palidez cadavérica do rosto e o aspecto fantasmagórico da personagem. Apesar disso, é no seu peito que ocorre a ruptura do círculo, na altura do coração, substituído por uma paisagem: uma metáfora de uma nova liberdade. Essa paisagem interior é a que modifica a ordem do quadro, revelando ambiguidades e paradoxos. No centro de um espaço fechado e sombrio, surge a tonalidade azul celeste, o que rompe com os tons predominantes de vermelho amarronzado e cinza.

            Mas a ruptura da corda também leva a um rompimento da personagem, que não é apenas de carne e osso, mas também, árvores, céu, plantas, como se esse círculo fechado, porém estável, a protegesse e, agora, quebrado, desse lugar a outras formas de existência. Assim, as aparências se “rasgam”, para dar lugar a uma nova realidade interior. Logo, essa tela de Remedios Varo nos mostra uma liberdade interior resultante de uma metamorfose exterior: a mudança da aparência da personagem revela uma transformação profunda. E é por isso que seus cabelos são como galhos e suas roupas lembram líquens, ou seja, a personagem parece estar em osmose com o mundo à sua volta.

            No entanto, a composição do quadro é escura e estática, o olhar da personagem parece atormentado, a paisagem interior é de inverno, com árvores sem folhas, como se a liberdade desejada também fosse assustadora. Assim, essa obra de Varo parece nos mostrar que a ruptura com os padrões convencionais e a criação de uma nova visão de mundo se faz através do medo, mas é a única forma de escapar à morte do ser.

            Na clínica, é frequente a repetição de situações e atitudes por parte do cliente, que vem da necessidade da psique de buscar uma elaboração de algum evento traumático ou marcante. Quando o cliente precisa buscar romper esse ciclo vicioso e sinalizar isso, podemos usar essa pintura de Remedios Varo como estímulo projetivo para se abordar a repetição de algo que o incomoda e falar da possibilidade de rompimento deste ciclo.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 

GARCIA, C. Remedios Varo: peintre surréaliste? Créations au féminin: hybridation et métamorphoses. Paris : L’Harmattan, 2007.

 

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Sobre a autora:



ü  Arteterapeuta e psicóloga

ü  Mestranda em História da Arte na Université Paris Nanterre

ü  Autora do texto: “Vygotsky e a arte”, no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra

ü  Autora do artigo: “Havia uma menopausa no meio do caminho: a arteterapia na metanoia da mulher de meia idade”, publicado na Revista da AATESP, v. 13, n.02, 2022, que foi tema de palestra homônima ministrada no 24º Congresso Português de Arte-Terapia “Arte, Saúde e Educação”, em outubro de 2023, em Lisboa, Portugal.

ü  Nascida no Rio de Janeiro, atualmente vive em Paris e realiza atendimentos clínicos online em Arteterapia e psicoterapia.