segunda-feira, 30 de agosto de 2021

ABC – QUEBRA DE PARADIGMA NA ARTETERAPIA

 


Por Silvia Quaresma

othila.arteterapia@gmail.com 

Algum tempo atrás certamente acreditaria que dois raios não caem no mesmo lugar, mas a ciência já desmistificou esta teoria quando afirmou que em áreas de grande incidência podem cair não somente dois, mas diversos raios. Então, é render-se aos fatos e aceitá-los.

Atendo a dois artistas plásticos. Em ambos os casos os processos terapêuticos convencionais já não estavam surtindo efeito e como pessoas totalmente envolvidas com arte, Arteterapia pareceu ser um caminho lógico, como abordado por Moraes:

 

É comum que a clínica da Arteterapia seja procurada por pessoas que já têm a prática nas artes: trabalhos manuais, artesanato, artes visuais. Por um lado, o conhecimento de algumas técnicas é interessante pois o paciente sente-se à vontade no manuseio dos materiais. Tais pessoas, porém, são muito comprometidas com a estética, com o belo, até porque essas produções necessitam de aprovação do público, além da preocupação com “o que é vendável” (MORAES, 2018, p.36).

 

Fato é que o conhecimento de algumas técnicas facilita, mas tem um fator limitador considerável para o processo arteterapêutico.   Dois artistas habilidosos cujo contato com a tinta traz um grande nível de racionalização, encontram dificuldade para entregar-se a fluidez quando esta representa para eles momento de profunda racionalização: sistemático uso do pincel, quantidade de tintas “matematicamente” calculada, perspectivas, etc.

A princípio pensei na escrita não simplesmente para registro de uma experiência, mas como disparador, como recurso expressivo. Contava com a possibilidade da palavra transformar-se em imagem, em símbolo, conforme cita Philippini quando fala das estratégias para o uso da escrita criativa no processo arteterapeutico:

 

Abordarei algumas destas estratégias, mas priorizando as experimentações imagéticas em torno da palavra, consideramos como um estímulo gerador para chegar a processos visuais e plásticos, sonoros e/ou corporais. Assim abordarei a questão da utilização da palavra, além de sua importância como ponte para uma produção literária mais fluente; examinando a função da palavra como fonte geradora na produção de IMAGENS. (PHILIPPINI, 2018, p.108)

 

Ofereci cinco folhas, contendo as seguintes imagens: A, B C, D e E.

Pedi que escolhessem duas e que fizessem um registro das impressões em folha separada. Surgiram várias palavras iniciadas com a forma escolhida.

Foi observado pelos clientes não formas, mas letras e com letras é preciso fazer palavras. A reflexão começou quando tiveram que abandonar um padrão pré-estabelecido, instigados pela pergunta: Como sabem que são letras?

A produção aconteceu quando foi solicitado o uso das imagens como formas e não como convencionalmente se conhece.

O resultado fascinou os clientes, surpreendidos pelo leque de possibilidades apresentados pela Arteterapia: B, de suposta letra transformou-se em óculos, D em aquário, e E, grandes garras.



O processo arteterapêutico deve focar na criação e permitir que o ato criativo, tenha como objetivo a expressão e a obtenção de novos símbolos, como lembra Philippini:

 

Cada imagem produzida no “setting” arteterapêutico tem o potencial de transformar-se em “imagem-matriz”, ou seja, imagem geradora de uma série de outras imagens, ao longo do percurso arteterapêutico, de significados correlatos. .(PHILIPPINI, 2018, p.108)

 

A quebra de paradigmas como neste caso, onde letras assumiram novos significados, contribuiu para o esquecimento das listas com inúmeras palavras e deu origem a outros relatos trazidos pelas imagens produzidas.

O arteterapeuta deve colaborar para a obtenção de novos recursos e usos auxiliando na elaboração psíquica de seus clientes instrumentalizando-os.

Afinal de contas, quem disse que eram letras?


Bibliografia 

MORAES, E. Pensando a Arteterapia. Rio de Janeiro: Semente Editorial, 2018. 

PHILIPPINI. A Linguagens e Materiais expressivos em Arteterapia: uso, indicações e propriedades.  Rio de Janeiro: Wak. 2018.

 ______________________________________________________________________________

Sobre a autora: Silvia Quaresma



Arteterapeuta

Graduada em Letras

Pós-Graduada em Finanças

Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade

Professora especialista de artesanato

Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia

Idealizadora de Othila Arteterapia em Ação

Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários

Atendimento individuais e em grupos em Arteterapia

5 comentários:

  1. Silvia, vc sempre nos surpreendendo com algo muito legal! Gostei demais da ideia! Quem disse que eram letras??? Criatividade é seu sobrenome mesmo, né? Parabéns pelo texto super legal e bem escrito! Leve, didático, criativo!!! Sua fã! Tania Moreira- @caminhartes.arteterapia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada...que honra ter vc como fã...mas é verdade não é? Quem disse que eram letras?

      Excluir
  2. Silvia,
    esse seu texto ficou muito bom! Leve e gostoso de ler. Adorei as imagens produzidas nos trabalhos e a última frase do texto foi a cereja do bolo! Parabéns!!!
    Claudia Abe

    ResponderExcluir
  3. Obrigada Cláudia e é verdade..neste caso não eram letras!!

    ResponderExcluir
  4. Silvia, que percepção bacana! "Como sabem que são letras?" desestabilizou o mundo conhecido, abrindo para novas/atualizadas experiências. Obrigada pela partilha!
    Abraço meu,
    Nair

    ResponderExcluir