Por Paulo Antunes - RJ
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O Processo Alquímico
A ARTETERAPIA ganha
espaço no universo terapêutico. Porém a aplicação de métodos arteterapêuticos
na abordagem, tratamento e manutenção da abstinência às drogas, DROGADICÇÃO
(dependência química), ainda carece de reconhecimento e sistematização. Praticamente,
não existem arteterapeutas especializados em reabilitação de ADICTOS
(dependentes químicos). Até mesmo encontrar literatura específica como
referência para trabalhos e pesquisas é navegar sem bússola. Mesmo as clínicas
que anunciam “trabalhos de arteterapia”, na grande maioria, não sabem sequer o
que é ARTETERAPIA. Não se trata aqui de premissa, mas de uma realidade. Então,
vamos escrever...
Lendo artigos de arteterapia,
me deparei com a seguinte ideia de Ângela Philippini sobre
“Transdisciplinaridade e Arteterapia”: “Parece-me
que, quanto maior o afastamento da práxis arteterapêutica, maior também será a
ênfase na tentativa de vincular arteterapia a uma única área de conhecimento.
Mas aqueles que estão realmente envolvidos com o dia-a-dia da prática
arteterapêutica sabem, de forma visceral, que o campo é transdisciplinar.”
¹
Pensei imediatamente nas
clínicas, centros de reabilitação, comunidades terapêuticas que cuidam de
adictos e adictas, sejam de internação ou ambulatorial. E na “profecia” de que
trabalhar com adicção é trabalhar a frustração. E na massificação de tarefas
terapêuticas sem o aproveitamento da ludicidade que ocupa parte da psique do
adicto. E no uso abusivo de medicamentos para tratar de pacientes que
apresentam comprometimento em laços afetivos, hábitos e comportamentos, mais do
que nas esferas cognitiva e psiquiátrica. E nos baixos índices de adictos que
se mantêm em recuperação, ou seja, a enorme maioria que recai mesmo após meses
internados.
E lembrei-me do “Método
Minnesota e os 12 Passos”, que teve origem no Estado de Minnesota, capital Sant
Paul, ao norte dos EUA, por isso recebeu este nome e é utilizado na grande
maioria das instituições com este fim.
Ora, o “Programa dos 12
Passos” é baseado essencialmente em mudanças de paradigmas, em transformações
comportamentais, respeitando a individualidade de cada paciente que aceita o
tratamento. Começou em 1935, com o surgimento do AA (Alcóolicos Anônimos),
pelos seus idealizadores Bill e Bob, e deu origem ao NA (Narcóticos Anônimos),
AL-ANON e NAR-ANON (familiares e amigos de compulsivos), CCA (Comedores
Compulsivos), DASA (Dependentes de Amor e Sexo) e várias outras organizações
anônimas que ajudam efetiva os adictos de toda natureza e seus familiares.
Estas ideias
reverberaram em minha cabeça por anos. Acompanhavam-me em clínicas por onde trabalhei,
congressos, workshops, simpósios, curso de pós-graduação. Até que fui convidado
pelos Narcóticos Anônimos para criar, produzir e montar peças de teatro
juntamente com os membros de NA. A partir daí, o convívio com aqueles adictos,
o empirismo na aplicabilidade do programa foram transformando a minha percepção
dos 12 Passos e a necessidade de uma abordagem mais dinâmica veio com folheto “Uma
Outra Perspectiva” - de Narcóticos Anônimos:
“Se pudermos chegar a um acordo do
que não é adicção, então o que ela é talvez nos surja com maior
clareza.”, mais adiante fala que “Ação
Criativa” não é adicção, “embora seja um esforço interno de
reconstrução ou de reintegração das nossas personalidades fragmentadas ou em
desordem.” Pronto. Eureca! Ou melhor, Alquimia: os 12 Passos com
Arteterapia!
Arte, Terapia e Ação
“Minha teoria é: se descobrir o que bloqueia uma pessoa, poderá também
achar a contraparte mitológica para essa dificuldade de passagem de uma etapa
para a outra.” Joseph Campbell. ³ Adictos
são bloqueados. “Parece que nós, adictos,
tropeçamos em algum ponto desse percurso. Parece que nunca alcançamos a
auto-suficiência que os outros encontram.” 4 , Narcóticos Anônimos.
Essa ideia vai de encontro aos conceitos da Psicologia Analítica de Carl Jung e,
à luz destes, pode ser analisada. Em 1934, Carl Jung escreveu para Bill Wilson,
criador dos 12 Passos, e prognosticou: “... você (Bill) já adquiriu uma
visão superior do problema do alcoolismo, bem acima dos lugares comuns que via
de regra, ouve-se sobre ele (alcoolismo).” 5.
Diante desse aval do mestre
e inspirado pelas palavras de Nise da Silveira “A palavra fracassa. Mas a necessidade de expressão, necessidade
imperiosa inerente à psique, leva o indivíduo a configurar suas visões, o drama
de que se tornou personagem, seja em formas toscas ou belas, não importa.” 6
, me lancei na transcodificação da literatura dos 12 Passos para a
produção artístico-terapêutica, a ARTETERAPIA. O entendimento e a
internalização do programa universal de Bill Wilson toma as formas das imagens
e símbolos do inconsciente, através de técnicas e materiais artísticos
diversos.
Os 12 Passos foram adaptados
a mais de 30 irmandades anônimas para os mais variados tipos compulsivos. Primeiramente,
possibilitam o indivíduo reconhecer a sua impotência diante do objeto da
compulsão e da perda de controle da sua vida; em seguida, a admissão de um
poder superior, individual ou coletivo, que acolha as suas vontades e a
aceitação a novos princípios de vida. Daí, por diante, os Passos avançam na
busca do autoconhecimento e finalmente levam o adicto à jornada da
individuação, que perpassa por um processo de rendição, reconhecimento do eu
individual, do outro e da sociedade; personas (máscaras), sombras, arquétipos e
mitos. É imprescindível ao arteterapeuta o conhecimento profundo da matéria dos
12 Passos e dos processos psicocomportamentais dos adictos.
O fazer arteterapêutico
na cena dos 12 Passos é a utilização de materiais e técnicas artísticas
diversas, cada qual adaptada ao devido passo, respeitando o propósito e a
proposta do passo, de acordo com a linguagem e natureza dos materiais e efeitos
das devidas técnicas artísticas. Surgem com o fazer artístico imagens do
consciente e do inconsciente de locais de difícil acesso da psique, com
significados arquetípicos e mitológicos, como também aparecem figuras e formas
da imaginação ativa. A percepção do terapeuta tem que estar focada no que se
apresenta plasmado nas imagens produzidas pelo paciente, em consonância com as
suas palavras, colocando também foco nas expressões do corpo, gestual e
postura, que o acompanham. A manifestação do espírito artístico, em toda sua
extensão – colagem, argila, pintura, mosaico, poesia, expressão corporal, fotos,
recicláveis – é o grande protagonista desta obra juntamente com os 12 Passos de
AA. O arteterapeuta estará lá para anuir, orientar e devolver para o paciente
aquilo que é próprio da sua demanda psíquica.
Minha proposta é
oferecer uma nova abordagem, outra perspectiva, que acate a demanda do adicto
no mesmo nível de ludicidade e transcendência que os usuários, equivocadamente,
buscam nos efeitos das drogas. E com arte e terapia revelar o verdadeiro
potencial dessas pessoas, que sofrem com as drogas o que poderia ser transmutado
em criatividade.
“Uma flor nasceu na rua!...
Uma flor ainda desbotada
Ilude a polícia, rompe o asfalto.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não esta nos livros.
É
feia. Mas é realmente uma flor...
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e
o ódio.”
(Carlos Drummond de
Andrade – A FLOR e a NÁUSEA)
BIBLIOGRAFIA
¹ Philippini, Ângela,
Revista Imagens da Transformação, nº
2, 1995 - Artigo publicado originalmente no Livro Questões de Arteterapia. Universidade de Passo Fundo, RS
² Uma Outra
Perspectiva. COPYRIGHT-1993 by NARCOTICS ANONYMUS World Service, Inc.
³ CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athenas,
1990.
4 O triângulo da auto-obsessão.
COPYRIGHT-1991 by NARCOTICS ANONYMUS World Service,
Inc.
5
https://passeamensagem.wordpress.com/2013/03/29/carta-de-bill-w-a-carl-jung/
6 SILVEIRA, N. O Mundo das Imagens. São Paulo: Ed.
Ática, 2001.
Sobre o autor: Paulo Antunes
Formação: Arteterapeuta com especialização em Dependência Química e
outras compulsões. Autor, ator e diretor de teatro.
Área de atuação/projetos/trabalhos: Paulo Antunes realiza atendimentos
individuais e em grupo há 25 anos, tendo atuado durante este período também na
Clínica Ana Café Núcleo Integrado de Psicologia e Psiquiatria (Barra da
Tijuca/Recreio-RJ). Idealizador e sócio-fundador do Ateliê do Self
(Niterói-RJ), onde realiza atendimentos individuais, cursos e oficinas e dirige
o grupo "Teatro para Si". Professor da Pós-graduação e da Formação em
Arteterapia da Clínica Pomar (RJ). Professor da Pós-graduação "Arte e
Cultura na Saúde" da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Contato: (21) 996390881
Paulo querido amei seu artigo.
ResponderExcluirParabéns!
Excelente reflexão! Concordo inteiramente com a teoria do tropeço nas passagens... E não somente em adictologia.
ResponderExcluirExcelente texto e proposta! Parabéns!
ResponderExcluirArteterapia é uma ferramenta maravilhosa para ajudar na luta diária contra adicção.
ResponderExcluirParabéns Paulo pelo seu olhar diante dessa doença é pela iniciativa de levar essa proposta. "Os 12 passos salvam vidas"
O artigo me trouxe as lembranças da maravilhosa experiência de participação no curso 12 passos!! Simplesmente inesquecível ! Parabéns pelo trabalho Paulo!
ResponderExcluirTrabalhar a expressão e a ludicidade do adicto faz toda a diferença. Vai muito além da catarse. É o início ou reinício de tudo. Parabéns, Paulo.
ResponderExcluirEssa visão interdisciplinar se faz necessária no tratamento da dependência química a arte é o caminho para o tratamento de diversos males excelente trabalho
ResponderExcluirAdorei o texto e achei incrível conhecer um pouco mais sobre a arteterapia!
ResponderExcluirExcelente artigo,de uma sensibilidade ímpar! Parabéns pelo dom de escrever e de cuidar!
Excelente texto, excelente trabalho!
ResponderExcluirParabéns, Paulo! Maravilhoso o artigo! Seu trabalho sem dúvida faz diferença na vida de muitas pessoas.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo!
ResponderExcluirParabéns pelo artigo!
ResponderExcluirMuito bom,Paulinho!
ResponderExcluirFui internada 9 vezes.Essasinternações me trouxeram experiências diversas, quase sempre traumáticas. São prisões aonde o indivíduo não tem espaço para se expressar. Uma clínica ou outra de recuperação para dependentes químicos tem terapia ocupacional, mas nada que envolva 12 passos.
Muito interessante teu trabalho. Precisa ser divulgado. As clínicas precisam se atualizar. De fato, é tudo massificante. A mim nunca trouxe outro sentimento que não fosse tristeza e revolta.
O índice de recaídas pós internação é muito maior do que qualquer um possa imaginar. É altíssimo. Pra mim nunca funcionou, nem para quase todos que me acompanharam nessas jornadas.
É preciso sim, novas alternativas. Essas clínicas, em sua maioria, parecem câmaras de tortura. É comum ver o adicto sair pior do que entrou.
Me interessei. Me fala mais do teu trabalho. Esmiuça pra mim.
Fico feliz com tua abordagem e também com meu tempo limpa. Hj completo 4 meses depois de tomar a decisão sábia e sincera de ser feliz e encontrar a paz. Consegui as duas coisas. Rio a toa, muitas vezes de mim mesma. Me acho divertida. Me curto.E não quero mudar isso. Sou feliz assim. Finalmente me encontrei e me aceitei.
Vou te falar uma coisa: Durante esses 4 meses não fui a uma reunião. Comecei a observar que elas surtiam efeito contrário ao que eu buscava e sempre recaía. Se quero falar de mim , vou ao terapeuta e recorro a Deus, com quem passei a ter uma conexao incrível. Um milagre aconteceu em minha vida. Não há um dia sequer que eu tenha vontade de usar. Não esqueçamos que esta doença é espiritual também.
Meu Deus me dá força e coragem para seguir em frente. Mas não vacilo. Conheço o Programa e o coloco em prática. Sinto que Deus, o Programa e a Terapia funcionam, mas frequentar uma sala não é pra mim. Estou falando isso porque sei que vc tem a mente aberta e talvez seja capaz de me entender. Qualquer outro adicto vai me julgar em relação a isso. Mas pra mim funciona. Hj posso dizer de coração que sou feliz e tenho paz.
Sucesso no teu trabalho. Se precisar de mim, pode contar! Bj no coração
Acho realmente que o caminho é esse, paredes frias e brancas de clínicas não ajudam. excelente visão esta arteterapia!
ResponderExcluirAmei,essa reflexão.
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