segunda-feira, 22 de abril de 2019

DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA DA ARTE E A ARTETERAPIA


Por Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram @naopalavra 

No percurso de construção da minha identidade profissional, houve um tempo em que me questionei sobre qual seria a fronteira entre ser uma psicóloga que se utilizava de técnicas expressivas e uma arteterapeuta propriamente dita. Intuitivamente busquei e encontrei algumas respostas. Uma delas foi a necessidade de me dedicar ao estudo da Arte em suas teorias, em especial a História da Arte.

De fato, esta foi uma grande descoberta, antes de tudo como um ser humano inserido na história. Estudar História da Arte amplia nosso olhar e percepções sobre a história da humanidade, bem como a fatia da história ao qual estamos inseridos. No que se refere a arte, ao longo do tempo ela desempenhou diversos papéis, sendo sempre um dos pilares de sustentação da construção da história e seu registro.

De posse destes estudos, pude entender o arteterapeuta como um portador da arte e do ofício de oferece-la ao social em nossos tempos e tudo o que ele contém. Este insight trouxe a mim o impacto de compreender a magnitude da profissão que abracei.

Os estudos sobre História da Arte começaram intuitivamente e continuaram de forma um tanto autônoma. O diálogo com a Arteterapia como embasamento teórico e inspirações práticas foi tomando forma ao longo do caminho. Até que senti a necessidade de formalizar estes estudos e me apropriar deste conteúdo. Decidi cursar um MBA em História da Arte e definitivamente entendi que este é um estudo fundamental para alguém que se reconhece como um arteterapeuta. Chegado o tempo de avaliações finais deste curso, me sinto motivada a compartilhar alguns fragmentos deste percurso tão instigante!

Considero-me ainda (e eternamente) uma estudante de História da Arte, pois ela abarca um mundo de conteúdos não tão próximos de minha formação original, a Psicologia. Entretanto, percebo que esta ponte entre História da Arte e Arteterapia não é um conteúdo muito explorado em nosso meio. Acredito que permanecer na motivação original do blog Não Palavra – compartilhar enquanto estudo – pode ser estruturante para mim mesma e de alguma forma colaborar para que outros arteterapeutas também sejam “picados pelo bichinho” da História da Arte e suas aplicabilidades na Arteterapia.

Por que História da Arte na Arteterapia?

Na construção da história da humanidade, alguns atores sociais sempre estiveram presentes e entre eles, o artista. Dentre a pluralidade humana, os artistas são aqueles seres sensíveis às questões mais profundamente humanas. Eles têm o dom de captar, sentir e expressar conteúdos que pertencem ao coletivo traduzindo-o na linguagem de seu tempo. Nas palavras de Nise da Silveira:

“O artista é ‘um homem coletivo que exprime a alma inconsciente e ativa da humanidade’. No mistério do ato criador, o artista mergulha até as funduras imensas do inconsciente. Ele dá forma e traduz na linguagem de seu tempo as intuições primordiais e assim, fazendo, torna acessíveis a todos as fontes profundas da vida.” (SILVEIRA, 1981, p 161)

Na esfera individual, o artista pode trazer temas autobiográficos e expressar emoções a partir de sua própria história. Entretanto, ao contemplarmos sua obra, podemos identificar conteúdos que pertencem à humanidade. Um grande exemplo é Frida Khalo, que nos conta sua biografia em sua obra, ao mesmo tempo em que podemos nos identificar e nos reconhecer em suas pinturas.

Na esfera coletiva, o artista inserido no social, pode constelar em suas obras os movimentos culturais de seu tempo, fazendo um espelhamento à humanidade sobre o que tem produzido para si. Exemplo disto é o movimento dadaísta, movimento emblemático do início do Séc XX, que em sua essência denunciava a dor humana diante da Primeira Guerra Mundial.  

Ezra Pound, poeta e crítico literário americano, em seu livro “ABC da literatura” diz-nos que todo grande artista é um “antena da raça”, pois funciona como uma espécie de radar dos anseios e dos objetivos sociais e psíquicos do mundo, aos quais consegue captar e revelar de forma simbólica em suas obras. Ele captura tudo o que os desejos humanos querem ou precisam ver, ouvir, aprender, descobrir e entender de seu momento histórico.

Em outras palavras, Wassilly Kandinsky, pintor e teórico, diz-nos em seu livro “Do espiritual na arte”, que “Toda obra é filha de seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos”.

Neste contexto, cada vez mais tenho acreditado na eficácia do estudo sobre a História da Arte pelos arteterapeutas, para que tenham acesso e compreendam a magnitude da expressão artística ao longo da história e possa desenvolver a escuta e o método de aplicá-la em sua prática na Arteterapia. 

A História da Arte aplicada à Arteterapia

Na prática, a História da Arte se mostra um riquíssimo instrumento de trabalho para o arteterapeuta. Sendo por definição, a expressão de conteúdos profundamente humanos ao longo da história, carregam em si um grande potencial de identificação e projeções por parte dos espectadores/ experimentadores da Arteterapia.

Demonstra-se também um estímulo bastante “democrático”, pois alcança todos os perfis de público em diferentes idades, escolaridades, religiosidades, perfis psicológicos, ou capacidade cognitiva para a abstração/simbolização. Basta apenas  adequar a maneira de apresentá-la.

Como estímulos geradores, apresenta algumas especificidades: tratam-se de fatos, histórias reais, localizadas no tempo e no espaço, tornando-se assim imagens mais próximas e de fácil acesso ao experimentador da Arteterapia, pois frequentemente não são totalmente desconhecidas. Por vezes, são referências que são mencionadas no dia a dia ou atualidade, como, por exemplo, quando trazemos ao setting arteterapêutico o tema de alguma exposição ativa na cidade.

Em minha prática ao sustentar grupos arteterapêuticos permanentes, a História da Arte como fonte de inspiração mostrou-se inesgotável, além de muito estimulante. De toda forma, demanda uma vasta pesquisa e estudo para convertê-la em embasamentos teóricos e vivenciais aplicáveis à Arteterapia.

Em meus estudos, conclui que para a Arteterapia, podemos nos utilizar de pelo menos cinco campos da História da Arte:

- Movimentos Artísticos e seus contextos: ao estudar os diversos homens ao longo da história, podemos entrar em contato com eles e nos experimentar naquele contexto sociocultural, estilo de criação, linguagens expressivas e motivações, pois assim como os “arquétipos” da teoria junguiana, estes homens fazem parte de nosso psiquismo e inconsciente coletivo. Em minha prática, destaco os   movimentos da Arte Moderna e Contemporânea que além de estímulos vivenciais próximos a nossa cultura, embasam nossa escuta do social e do indivíduo de nossa época

- Artistas e suas teorias: alguns artistas, além de suas produções, também teorizavam e escreviam sobre suas concepções de arte, que podem nos embasar como arteterapeutas. 

- Produções artísticas e obras de arte: conforme citado anteriormente, sendo as obras de arte a constelação de conteúdos humanos, elas se configuram como estímulos projetivos muito eficazes na prática da Arteterapia, em suas mais variadas linguagens, como pinturas, esculturas, desenhos, poesias, músicas, filmes, etc. Faz-se necessário que o arteterapeuta vá construindo seu repertório a medida que vá experienciando a arte, coletando expressões artísticas que considere próximas às questões que comparecem em sua prática.

- Artistas e suas biografias: as histórias de vida dos artistas muitas vezes  dialogam com a história dos experimentadores da Arteterapia. Podemos conta-la como uma história, porém vivida por um ser humano como cada um de nós. Este diálogo entre artista e cliente/paciente pode trazer a este, a sensação de não estar só, além do estímulo para se utilizar da arte como instrumento de expressões, elaborações e ressignificações ao longo de sua biografia.    

- Os processos criativos: ao estudarmos as técnicas e materiais desenvolvidos por grandes artistas, adquirimos uma infinidade de técnicas que podem  ser contextualizadas, experimentadas e inseridas ao repertório do arteterapeuta. Basta conhecermos as motivações dos artistas ao mergulharem nestes processos e associá-las as questões recorrentes da escuta arteterapêutica.  

O diálogo entre História da Arte e a Arteterapia é um dos temas que vou me dedicar nos próximos tempos. Compartilhar enquanto estudo é minha forma de caminhar. Deixo o convite aos que se sentiram curiosos com esta temática, que compartilhe deste caminho comigo, em textos e encontros do Não Palavra.

Referência Bibliográfica:

SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. 7a edição. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1981. 
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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 


Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.


Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".

Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

5 comentários:

  1. Comentário enviado por Tania Salete:

    Parabéns duplamente : pelo dia do arteterapeuta e pelo riquissimo e instigante texto. Certamente é um convite à pesquisas, buscas e aprofundamentos. Só gratidão pelo respeito com que voce lida e estimula outros à busca de uma arteterapia mais alicerçada em elementos teóricos diferenciados, como a história da Arte, por exemplo. Obrigada pela nutrição semanal que me proporciona! Sempre grata por tê-la conhecido!

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  2. PARABÉNS ! sou mediadora e participo de uma instituição chamada CASA DA ACOLHIDA DE SÃO JUDAS TADEU que desenvolve atividades que possibilitam as pessoas e se acessarem . Também sou diretora pedagógica do MediatuM - www.mediatum.com.br e gostaria de saber se tem interesse em dividir conosco esse aprendizado , através de uma palestra , um curso ...

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  3. Adorei o texto, Eliana. Obrigada pela riqueza teórica e conteúdo que nos leva a refletir sobre as nossas práticas e possíveis articulações com a linguagem artística.

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  4. Ja tive a oportunidade de dizer a você o quanto tem influenciado de maneira muito positiva o meu início da jornada, de minha nova profissão. Aos 46 decidi mudar a vida profissional. De 25 anos anos no mundo corporativo a recém formada em Arteterapia. As vezes acho que foi ela quem me escolheu! Cada dia mais percebo que estar "emaranhada" a História da Arte é um caminho de total ampliação. Eu, início do zero, nessa questão. Eliana, parabéns pelo seu trabalho. O seu compartilhar ( a forma como o faz) em cada contato, curso, leitura traz uma nota altíssima sobre o pertencimento. E isso e muito importante, principalmente para iniciantes como eu. Sinto me pertencente a esse novo mundo. Sempre para você, uma chuva de flores pelo caminho.

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  5. Ja tive a oportunidade de dizer a você o quanto tem influenciado de maneira muito positiva o meu início da jornada, de minha nova profissão. Aos 46 decidi mudar a vida profissional. De 25 anos anos no mundo corporativo a recém formada em Arteterapia. As vezes acho que foi ela quem me escolheu! Cada dia mais percebo que estar "emaranhada" a História da Arte é um caminho de total ampliação. Eu, início do zero, nessa questão. Eliana, parabéns pelo seu trabalho. O seu compartilhar ( a forma como o faz) em cada contato, curso, leitura traz uma nota altíssima sobre o pertencimento. E isso e muito importante, principalmente para iniciantes como eu. Sinto me pertencente a esse novo mundo. Sempre para você, uma chuva de flores pelo caminho.

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