segunda-feira, 18 de setembro de 2017

GRANDES ARTISTAS NA PRÁTICA DA ARTETETERAPIA: EDWARD HOPPER



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com

A prática da Arteterapia pode ser bastante enriquecida quando acionamos como estímulos projetivos as obras de grandes artistas nas mais variadas linguagens da arte. Isso se dá porque o artista é:


“‘um homem coletivo que exprime a alma inconsciente e ativa da humanidade’. No mistério do ato criador, o artista mergulha até as funduras imensas do inconsciente. Ele dá forma e traduz na linguagem de seu tempo as intuições primordiais e assim, fazendo, torna acessíveis a todos as fontes profundas da vida.” (SILVEIRA, 2007)

Sendo suas obras a forma traduzida pelo artista de conteúdos da alma inconsciente e ativa da humanidade, estas imagens possuem um grande potencial projetivo e na prática se mostram estímulos bastante acessíveis aos que chegam para a clínica da Arteterapia, sobretudo aqueles que chamo de “pacientes leigos”. 

Neste pensamento tenho me dedicado à pesquisa de artistas e suas expressões de conteúdos que fazem eco àquilo que escuto em minha clínica. Este repertório me compõe como arteterapeuta, acionando-o quando entendo que um artista possa servir como uma espécie de “interlocutor”, aquecendo o diálogo do paciente consigo mesmo em seu processo de autoconhecimento. 

Tenho me dedicado também à produção de conteúdos para o Não Palavra, em ambientes virtuais ou presenciais, que possam colaborar e instrumentalizar arteterapeutas a explorarem este estilo de trabalho. 

O protagonista de hoje é Edward Hopper, que me foi apresentado na escola de psicanálise que frequento e desde então tem atravessado minhas reflexões. 

Hopper: o pintor da solidão 


Edward Hopper (EUA, 1882-1967), foi um pintor, artista gráfico e ilustrador que ficou bastante conhecido por suas misteriosas pinturas de representações realistas da solidão na contemporaneidade. Em cenários rurais e urbanos, suas obras refletem sua visão pessoal sobre a vida moderna americana, em meados do século XX. Hopper viveu os tempos da Primeira Guerra Mundial, a Grande Depressão Americana de 1929 e a Segunda Grande Guerra, e naturalmente este contexto histórico influenciou grande parte de sua obra, que em geral mostra pessoas em cenários da vida cotidiana. 



“... Hopper traçou insistentemente em sua pintura a solidão do sujeito situado na margem, na beira, no umbral, no limiar em relação ao real. Um poderoso silêncio pode ser escutado em suas telas...

Precursoras do hiper-realismo norte-americano, suas telas são muito conhecidas e algumas se tornaram verdadeiros ícones da arte norte-americana... Hopper pinta o mundo humano com uma acentuada frieza, e seus personagens parecem estar absortos por uma espécie de falta de sentido... 


Em suas telas, não se vê vestígio de amor ou sexo. Entre os diferentes personagens há apenas convívio, e todos parecem estar diante de um supremo impacto. Além disso, todos parecem estar profundamente sós, mesmo quando partilham alguma atividade. Em seu livro sobre o pintor, Maria Constantino afirma que ‘as figuras solitárias que habitam as pinturas de Hopper parecem estar perdidas em pensamento’. Não há troca de olhares entre eles, nem de sorrisos.” (JORGE)

Embora Hopper tenha pintado cenas de seu cotidiano, sua obra nos impacta por  retratarem cenas extremamente atuais de um mundo contemporâneo em crise. Aqui me lembro de Kandinsky que se refere à sensibilidade e intuição singular do artista, tornando-o uma espécie de profeta da humanidade: 

“Então sempre surge um homem, um de nós, em tudo nosso semelhante, mas que possui uma força de ‘visão’ misteriosamente infundida nele. Ele vê o que será e o faz ver. Por vezes desejaria libertar-se desse dom sublime, dessa pesada cruz sob a qual verga. Mas não pode. Apesar das zombarias e do ódio, atrela-se à pesada carroça da humanidade, a fim de soltá-la das pedras que a retêm e, com todas as suas forças, impele-a para a frente.... Aquele que, entre eles, é capaz de olhar além dos limites da parte a que pertence é um profeta para os que o cercam.” KANDINSKY



Hopper faleceu em 1967 e não pôde acompanhar a evolução tecnológica e sociocultural que se deu nas últimas décadas e hoje podemos identificar. O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, pensador da modernidade líquida, diz que “Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”, o que nos faz pensar a obra de Hopper de forma extremamente atual ao retratar pessoas alienadas em si mesmas, sem ligações afetivas, que mesmo na presença de outros mostram-se distraídas, desinteressadas por quem está ao seu lado, vazias, transparecendo em suas feições um enorme sentimento de solidão. 

Quantos de nós não podemos observar cenas como estas em nosso próprio cotidiano?


O arteterapeuta e a solidão nos tempos atuais 


“A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.” Vinícius de Moraes

A solidão, direta ou indiretamente, é um tema recorrente na clínica, sendo assim essencial que o terapeuta busque embasamentos históricos e coletivos que orientem sua escuta individual perante um cliente/paciente. Afinal somos todos sujeitos inseridos na cultura.

A arte, em suas mais variadas linguagens, e o artista em sua capacidade de ver além do óbvio, cumprem a função de perceber, dar forma, traduzir na linguagem de seu tempo e denunciar aquilo que o ser humano tem produzido para si, lançando o convite para a sua conscientização e responsabilização. 

Na clínica da Arteterapia,  o arteterapeuta pode ter como recurso a utilização destas imagens como espelhamento (estímulos projetivos) àqueles que se apresentam com a queixa de solidão. O artista e a obra servem como “interlocutores” no fluxo de pensamentos daquele sujeito, estimulando sua reflexão e elaboração. Mas sobretudo lançando o convite à conscientização do que Vinícius tão bem nomeou: a pior solidão é a do ser que se ausenta, se defende, se recusa e se encerra em si mesmo. Em seguida, o convite à responsabilização, por si, suas emoções e pelas relações que lhe compõem. 

Penso que o sair de si e oferecer afeto é um ato de resistência nesta contemporaneidade. Oferecer um espaço terapêutico em que os sujeitos possam levantar o olhar do estabelecido socialmente para enxergar outros possíveis, faz parte desta micropolítica. Promover e sustentar encontros entre pessoas, sobretudo estimulados pela arte, é ser agente de uma contracultura.  

Concluo registrando minha escuta para a fala de arteterapeutas da minha rede de interlocução que (se) perceberam o quão solitário pode ser o ofício do terapeuta se não buscar seus pares para trocas, debates, estudos e construção de conhecimento. Agradeço a companhia destas parceiras que tanto me compõem e deixo aqui o convite aos terapeutas que não encerrem-se em si mesmos e busquem em outros aquele suporte que todo terapeuta necessita para a sustentação de seu ofício.

Para saber mais sobre conteúdos como este, escreva para naopalavra@gmail.com e se inscreva em nossa mala direta. 


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda! 

Referências Bibliográficas:

JORGE, Marco Antonio Coutinho. Fundamentos da Psicanálise: de Freud a Lacan. Volume 2: A clínica da fantasia.

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte.

SILVEIRA, Nise. Jung Vida e Obra


Um comentário:

  1. Mais um excelente texto de reflexão, apoio e incentivo ao nosso trabalho. Obrigada, Eliana!

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