Por Renata Fajoli - SP
email: fajolirenata@gmail.com
facebook: www.facebook.com/refajoli
Há um tempo decidi mudar meu foco
de atuação e me vi diante de um grande desafio: ressignificar a Pedagogia (minha
área de graduação) e uni-la a Arteterapia, buscando um novo propósito de
trabalho nesses dois campos tão fecundos de ricas experiências.
Animada, me deparei com a possibilidade
da transdisciplinaridade, ideia que foi clareando a partir de Rodrigues
(2015 p. 91).
[...] O chamado do nosso tempo é para cuidar
da vida e transdisciplinar e colaborativo, para além das individualidades, de
cercas, muros, fronteiras ou divisas, por via do respeito, do amor e da soma
dos conhecimentos e experiências e essencialmente acompanhando as pessoas na
vida, e não os seus diagnósticos.
A necessidade de um novo olhar sobre infância
e tudo o que envolve essa fase da vida logo surgiu: a beleza de perceber e
conceber o indivíduo como um ser integral que no processo de aprendizagem e
desenvolvimento está por inteiro, corpo, alma e mente.
E foi justamente
nesse ponto, que para mim, essas duas áreas de conhecimento conversaram e se
complementaram, permitindo que eu encontrasse a linha que norteou a reflexão
acerca da minha atuação.
A
Arteterapia considera a integralidade do ser e através das diversas
experiências com os materiais expressivos, o indivíduo vai tomando contato com
partes suas, integrando em si aspectos muitas vezes presentes (mas até então
desconhecidos), conforme cita Urrutigaray (2011, p.20) “A experiência do
trabalho com Arteterapia proporciona a possibilidade de reconstrução e de
integração de uma personalidade...”
Nesse caminho para a ponte com a
Pedagogia, encontrei Céline Lorthiois que traz contribuições significativas para
essa área do conhecimento. Ela concebe a Pedagogia Profunda, que se apoia na
Teoria de Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Profunda ou Psicologia
Analítica.
Lorthiois define
assim sua visão pedagógica:
A Pedagogia Profunda/Pedagogia Junguiana
abrange a criança na sua totalidade, considerando seu corpo, sua mente, sua
capacidade criadora, seus sonhos, sua alma: no âmbito desta Pedagogia, o
currículo é a vida.” (http://www.pedagogiaprofunda.com/projects/pedagogia-profunda-–-cursos/).
A proposta da Pedagogia Profunda inclui “... técnicas
artesanais, trabalhos manuais, técnicas de relaxamento, danças circulares,
histórias, sonhos, e a natureza com seus quatro elementos, sobre o pano de
fundo da teoria junguiana...” (Lorthiois, 2016 p. 225)
Identificada com essa proposta e junto
as múltiplas possibilidades da Arteterapia, volto-me para o atendimento infantil.
O trabalho arteterapêutico considera os
anseios e expectativas que a criança traz para a sessão e os materiais tornam-se
potências que ajudam a aflorar aquilo que ela já possui, a criatividade.
No setting, a criança é livre para
escolher o material e a expressão artística que deseja trabalhar, conhecer e explorar.
Nessa escolha, há uma entrega de um desejo íntimo, uma espécie de entusiasmo
pelo novo e emoção de tomar parte com o desconhecido.
Percebe-se então, uma união quase íntima
da criança x material x desejo, que são ingredientes para uma alquimia à olhos
vistos. Não há receio de uma experimentação, está aberta ao novo, àquilo que emergirá,
encontra-se totalmente envolvida no processo e com ele se identifica, se emociona
e se transforma.
Observa-se de uma maneira interessante e
deslumbrante o desenrolar desse trabalho, a forma como ela é capaz de, através
da escolha do material, atender internamente suas próprias exigências e
necessidades, gerando impactos de uma experiência e aprendizado integral, que envolve
o cognitivo mas também o corpo, a alma e a mente.
A criança passeia entre as possibilidades
oferecidas e ela mesma vai classificando a importância de cada atividade, significando
o que quer fazer, sugerindo transformações, modificando e invertendo o sentido
e até mesmo a funcionalidade de cada material ou objeto que toma contato.
Como se olhasse mesmo para dentro de si,
verificando o que lá acontece e escolhendo aquilo que pra ela, naquele
determinado momento irá caber, preencher, fazer sentido, organizar, trazer uma
reflexão interna e assim produzir uma fecunda elaboração.
É portanto, nessa dança e nesse
envolvimento, na observação do fazer e das produções, no processo e ao longo de
um período, que é possível a elaboração/síntese simbólica e lúdica de quem a
acompanha.
Nesse processo arteterapêutico
pedagógico, a criança simplesmente faz sem a pretensão de significar
objetivamente a sua produção, a não ser por ela mesma, porque muitas vezes o
significado está contido no processo.
Interessante perceber que muitas vezes
ao finalizar um trabalho, ela quer a impermanência do mesmo, ou seja, destruir,
rabiscar, colar, jogar fora, desmanchar ou simplesmente abandonar e descartar
sua produção e quando isso acontece, o que fez sentido foi o processo, o
momento, a construção, o fazer ou seja, a experimentação.
Além disso, muitas vezes essas atividades
não tem um desfecho final, é um projeto inacabado, um desenho incompleto que
basta por si só. Esse inacabado para nós, pode ser uma obra completa para ela.
Faço então um elo ou uma ponte com a Pedagogia,
pois que o aprender, o fluir da aprendizagem é esse processo que não está
acabado, que permite possibilidades e experimentações, até que se encontre
internamente onde essa nova experiência caiba, se assente e faça sentido.
Por isso é importante esse olhar de
compreensão nesse universo infantil do inacabado, de construção e desconstrução
constante, pois reflete o mundo interno, reflete o universo da criança.
Esse ambiente de experimentação da
Arteterapia, também é o universo da Pedagogia que leva em conta o ser integral,
onde há espaço para o surgimento de novas potencialidades, novos saberes até
então inexplorados e descobertas de habilidades fantásticas desconhecidas ou
não exploradas pela própria criança.
Desse modo, não é incomum que queixas
escolares como dificuldade aprendizagem, relacionamento e comportamento não se
apresentem durante as sessões, além de contradizê-las, e isso é possível porque
foi permitido a ela adentrar num universo de possibilidades, revelar a sua alma.
E assim, se sentindo acolhida e
identificada num lugar seguro de realizações sem julgamentos, mas sim das
possibilidades, podendo ser quem realmente é e acessando a sua essência
genuína, consegue lidar com as dificuldades apresentadas no dia-a-dia,
melhorando sua autoestima, se autoconhecendo, se alegrando com suas conquistas
e fazeres.
... Ao ser possível
integrar, pela atuação consciente, o resultado do criado com a temática
emocional oculta na representação apresentada, o sujeito adquire a condição de
transcender suas vivências imediatas, experimentando novos sentimentos e disponibilizando-se
para novas oportunidades. (URRUTIGARAY, 2011 p. 20)
Lorthiois (2016 p. 225) poeticamente vai
dizer que:
Numa época em que a
criança e a educação estão cada vez mais cercadas e amparadas pelos recursos da
tecnologia [...] a criança afirma a sua infância em parceria com uma natureza
que a alimenta e que sabe compensar o estilo de vida, geralmente esgotante, que
lhe é imposto hoje. E mesmo em meio à cidade grande, conseguimos descobrir seus
numerosos esconderijos.
E para isso, é preciso do profissional que a acompanha um olhar atento, sensível e acolhedor.
... ser capaz de
apreciar um toque de criança ou a elaboração de um trabalho espontâneo com a
matéria; significa também ser capaz de atentar para a história de que um aluno
está representado por intermédio de suas atividades, quiçá de compreendê-la
como se fosse um sonho. (LORTHIOIS, 2016 p. 226)
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências
bibliográficas:
LORTHIOIS, Marie Céline G. R. F. Exercícios de Pedagogia Profunda: Uma
inclusão da alma na educação. São Paulo: [s.n.], 2016.
RODRIGUES, Valéria Elisabete. Imagens e História em Arte Terapia:
Experiências nas interfaces da psicologia, da educação e da arte. 2015. 174 p.
Dissertação de Mestrado de Pós-Graduação em Artes – Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista – UNESP. São Paulo, 2015
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: A transformação pessoal pelas
imagens. 5. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011
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Sobre a autora: Renata Fajoli
Formação: Pedagogia pela PUC/SP e pós-graduada em Arteterapia e Expressões Criativas pelo IJEP.
Área de atuação/projetos e trabalhos:
Arteterapeuta e Pedagoga, realiza atendimentos individuais de crianças, jovens e adultos. É facilitadora de oficinas e workshops para grupos de pais, professores e demais interessados. Atuou por mais de 10 anos na Educação da rede pública da Prefeitura de São Paulo com crianças e adolescentes. Artista mandaleira e entusiasta de práticas integrativas aplicada à educação formal e não formal.
Parabéns, Renata Fajoli! Que belo texto; articulado e conectando com a pedagogia, arteterapia e ate a psicopedagogia de maneira tão harmoniosa e organizada. QUe a arte nos possibilite ampliar nossa visão do universo infantil e perceber que na Arteterapia a multiplicidade é muito bem vinda e sempre fará parte da essência da profissão.
ResponderExcluirParabéns, essa proposta me tocou profundamente.Sou pedagoga e no momento estou com planos de mudar a minha prática, o meu foco...Tenho TAG( transtorno de ansiedade generalizada) e encontrei no tear, no tecer uma nova alegria de viver, porém quero muito mais, então comecei a ler sobre arteterapia ...e lendo sobre a pedagogia profunda citada no texto e a arteterapia, me encontrei. Existe cursos a distância? Como proceder? Grata!
ResponderExcluirOlá Carmen!
ExcluirDiga seu email para que possamos conversar melhor! Um beijo
Eliana
carmen.magma@gmail.com.br
Excluircarmen.magma@gmail.com.br
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