segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E A ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO

Nesta semana o Nâo Palavra traz mais uma convidada muito especial, a arteterapeuta Maria Valéria Ramos, que tive a oportunidade de conhecer quando fui sua professora no curso de Formação em Arteterapia Ligia Diniz, e acompanhar um pouco do início de seu trabalho quando participou do Grupo de Estudos em Arteterapia que eu coordenava ao lado de Maria Cristina de Resende (2014 e 2015). Desde então nos encontramos nos eventos do Não Palavra e nas redes virtuais nos mantendo sempre em contato. Com uma vivacidade e coragem contagiantes ela compartilha conosco um pouco de sua jornada como arteterapeuta com um público muito especial, que neste momento é coroada por uma bela exposição no município de Duque de Caxias - RJ.

Flávia Hargreaves
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O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E A ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO
Por Maria Valéria Ramos
arteterapeuta
Contato:  einstein.mvr@gmail.com



 Mural da exposição “OLHARES” com os trabalhos de diversos artistas

Ao falarmos do transtorno do espectro autista, nos deparamos com a tríade que os acompanha: dificuldades na comunicação, na socialização e movimentos estereotipados. O autismo é uma disfunção neurobiológica, onde teremos poucas ou muitas áreas do sistema nervoso central afetadas. Autistas têm em comum a tríade, mas são muito diferentes uns dos outros. Costumo dizer que cada autista é realmente único. Como são diferentes no agir! A pergunta agora é como um arteterapeuta pode agir perante tantas diferenças. Temos uma ferramenta que nos leva a trilhar caminhos que nos fazem chegar ao mesmo ponto da estrada: a ARTE. Essa que universaliza e ameniza as diferenças.

Meu trabalho com crianças autistas começou há 4 anos, e a partir de então faço mergulhos profundos nesse campo e a cada dia surpresas perpassam minha mente. Autistas passam por muitas clínicas terapêuticas, sendo a arteterapia pouco conhecida nesse universo, mesmo já sendo empregada e com grande sucesso. Tive a boa sorte de iniciar meu trabalho em um espaço público que atende muitas crianças especiais, em sua maioria autistas. Quando fui contratada para trabalhar com arte com eles, já tinha certa experiência em arteterapia: na realidade já estava concluindo minha pós-graduação. Larguei o curso na reta final e iniciei uma formação especializada, sem arrependimento. Foi ótimo: o que faria em 2 anos, terminei em 5, mas tudo valeu a pena! Digo que minha caminhada na arteterapia, na realidade, foi uma nova graduação! Bom demais! 

Voltando à experiência que venho adquirindo com o uso da arteterapia com autistas: no início achei difícil fazer um mergulho, quando a comunicação é tão limitada verbalmente por parte das crianças e a socialização é quase uma incógnita, tudo é muito complicado! Mas logo percebi que podíamos nos comunicar (eu e minhas crianças especiais) através dos diversos materiais plásticos que faziam a ponte entre o comunicar e o socializar. Incrível como as crianças autistas gostam do contato com lápis pastel oleoso, tinta guache, aquarela, as práticas de picar papel, desenhar, colar, trabalhar com argila, massinha, canetinha, pastel seco, cola colorida... e como têm pouca afinidade com giz de cera e lápis de cor. Não ligam muito para esses últimos. Não sendo regra geral, apenas dados que mostram uma grande maioria rejeitando lápis e giz de cera.

Tendo como forte aliado tais materiais, as barreiras foram sendo quebradas, os sorrisos passaram a aparecer e os abraços também. Para que falar se podemos pintar, desenhar, rasgar... A partir daí, passei a perceber o quanto gostavam de fazer arte e de uma forma singular. Cada criança sentia-se mais atraída por materiais diferentes e produziam arte genuína, que não seguia modelos, e, sim, o que sentiam vontade de expressar naquele momento. 

Comecei a querer mostrar a arte dessas crianças que, dentro do setor que trabalho, sempre ficou muito restrita somente às paredes do lado de dentro das salas de atendimento aos “pequenos artistas”. E resolvi fazer a primeira exposição dentro do próprio centro de reabilitação em que trabalho. Foram 40 telas pintadas com diversos materiais. A exposição foi chamada “Linhas da Arte”, pois foi construída a partir de rabiscos que nossas crianças produziam de olhos vendados ao ouvirem peças de música erudita. 

No início do processo, nossos artistas se mostraram tímidos, mas já em nossa segunda exposição (no mesmo local), denominada “Olhares” a timidez já começou a diminuir: já podíamos tirar as vendas e seguir olhando. Nesta ocasião conseguimos reunir 50 obras produzidas por nossas crianças. 

Nossa terceira exposição também ocorreu no mesmo local, com quase 70 trabalhos e chamou-se “Fragmentos da Arte”, pois tínhamos partes de tudo o que vinham construindo ao longo do ano e saímos misturando os fragmentos.

A quarta exposição está acontecendo neste mês de setembro de 2016 e reúne 34 obras de autistas, sendo o menor com 3 anos e o maior com 16 anos. O nome da exposição se repete (“OLHARES”), mas são obras diferentes da segunda exposição: apenas umas 4 obras são pertencentes a esta. As outras trinta obras fazem parte de uma nova criação de olhares. A novidade é a visibilidade desses “autistas artistas”, pois foram expor em uma famosa biblioteca de nosso município, tendo cobertura do jornal local e divulgação na Rádio Nacional.

Ivan, 11, autista verbal explica sua obra, 
“Macarronada de Cérebro” (Colagem de linha sobre papel)

São obras produzidas de forma muito leve, onde as crianças entendiam que iriam expor fora do espaço de costume e gostavam da ideia. Produziram tranquilamente, se envolvendo com os materiais plásticos e deixando fluir o que vinha de dentro, gerando obras únicas, nenhuma igual a outra. Tudo muito genuíno e lindo. Materiais diversos. 

O tempo em que venho utilizando a arteterapia com essas crianças fez a diferença, elas se utilizam da arte para se comunicar entre elas e conosco. As que são verbais explicam o que produziram de forma detalhada, não fizeram ao acaso, tudo tem um porquê. As que não verbalizam sentimos o que querem dizer ao olharmos, podemos até interpretar errado, mas sentimos.

Não percam a oportunidade de conhecer este trabalho visitando a exposição!!!!

“Olhares”
Até 30 de setembro de 2016
De seg. a sex, das 8 às 17 horas
Sáb. – Agendamento para visita escolar
End.: Biblioteca Municipal Leonel de Moura Brizola 
Praça do Pacificador   Município de Duque de Caxias
Tel.: 2672-3155
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Maria Valéria Ramos é arteterapeuta do Centro Integrado de Reabilitação Sarapuí e atende em ateliê particular em Duque de Caxias.
Contato: 9 6656- 6152 e  einstein.mvr@gmail.com
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Um comentário:

  1. Parabéns pelo importante trabalho q desenvolve! Quero fazer Arteterapia, sou do RS, teria q ser EaD, vc me indica algum curso? Meu face Print Art Decore, meu email alessandrolpires@gmail.com

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