Por Eliana Moraes
Eu não amava que botassem data na minha existência.
A gente usava mais era encher o tempo.
Nossa data maior era o quando.
O quando mandava em nós.
A gente era o que quisesse ser só
usando esse advérbio.
Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore
e podia apreciar melhor os passarinhos.
Ou tem hora que eu sou quando uma pedra.
E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os
musgos.
Assim: tem hora eu sou quando um rio.
E as garças me beijam e me abençoam.
Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes...
Manoel de Barros em “Memórias inventadas: a segunda
infância”
Durante o último mês estive
refletindo sobre o tema “Tempo”,
especificamente sobre o tempo de vida ou o tempo na vida. Esta questão me
atravessou porque hoje, cinco de outubro é meu aniversário e completo 31 anos.
Quando me dei conta que esta data se aproximava, uma pontinha de tristeza me
surpreendeu com uma estranha sensação de perda: a perda dos “30 anos”, a mulher balzaquiana, tão
profundamente vivenciada e que tornou-se tão simbólica em minha história de
vida.
Entretanto, no decorrer de minhas
reflexões percebi que muito mais do que uma idade cronológica apontada pela
minha certidão de nascimento, “os 30 anos” tornaram-se uma experiência e estado
de alma. Então, para felicitar mais um ano de uma vida bem vivida, tenho
repetido para mim mesma: “Que venham os 31, mas que eu não perca a alma de 30 que eu
conquistei”.
Estas reflexões ganharam eco quando demorei-me admirando a tão conhecida
obra de Salvador Dali “Relógios Moles”, que ilustra este texto. Contemplá-la me
fez lembrar que relógio e calendário foram criações humanas para que pudéssemos
nos organizar melhor em nosso dia a dia. Mas o tempo em si é muito maior do que
a cronologia e não podemos enrijecê-lo.
Manoel de Barros me presenteou
com sua linda visão poética e me deu a
palavra “quando” como data maior. Com ela posso comemorar meus “30 anos” em quantos
aniversários eu assim o desejar.
Deste texto autobiográfico posso
traduzir como inspiração para minha atuação como psicóloga e arteterapeuta,
dois pontos. Primeiramente o uso das expressões artísticas como estímulos no
setting terapêutico. Artistas são seres humanos com a sensibilidade ímpar de
traduzir em diversas linguagens, percepções, sentimentos e experiências tão
profundamente humanas de forma sublime. Um diálogo com estas expressões nos
proporcionam uma sensação de encontro, pertencimento e também alguma espécie de
“vocabulário” para que possamos (nos) falar.
Em um segundo momento, a reflexão
sobre a desconstrução da idade cronológica, seus estereótipos e sensos comuns
de cada faixa etária. Em minha prática com o público chamado idoso,
constantemente me deparo com clichês que reduzem aquele ser humano em nome de
sua idade. A Organização Mundial de Saúde nomeia como idosas as pessoas com
mais de 65 anos de idade em países desenvolvidos e mais de 60 anos de idade em
países em
desenvolvimento. Além disso, subdivide a idade adulta em:
meia idade, idoso, ancião e velhice extrema, levando em consideração apenas a
idade cronológica do indivíduo.
A teoria da psicanálise, que me ampara em boa
parte das minhas reflexões, nos propõe
um olhar para a velhice para além das representações sociais carregadas pelos
indivíduos desta faixa etária. Denuncia que há uma inscrição do social (e o
social somos cada um de nós) ao velho como inútil, feio, alguém que já cumpriu
tudo aquilo que lhe cabia e que não possui mais o desejo. Vale observamos o ato
simbólico da instituição da aposentadoria, endereçando este que já cumpriu seus
anos de contribuição trabalhista aos seus aposentos apenas para aguardar o
fechamento do seu ciclo biológico.
Subvertendo esta ótica, a psicanálise nos propõe
o conceito de sujeito e defende que
há uma subjetividade para além da
idade cronológica ou de um corpo biológico. Particularmente é esta visão que
tenho adotado cada vez mais em meu trabalho, e não poderia ser diferente com o
público da chamada terceira idade.
Esta também é a visão que quero em minhas
reflexões pessoais e na celebração de cada ano de vida que eu vivenciar daqui
pra frente. Este espaço que traz no nome “Não Palavra” um convite à ampliarmos
nossa escuta sobre a linguagem para além da verbal, hoje proponho a “Não Idade”
em um convite ao nos experimentarmos e responsabilizarmos como sujeitos que
possuem o desejo de vida.
CONTATO: naopalavra@gmail.com
Gostei muito do texto . Parabéns Eliana
ResponderExcluirParabéns .. Que os 31 anos seja mera ilustração do tempo cronológico, como vc mesma disse.. Sua alma sempre sera de menina e mulher independe dos anos. Bjs no coração.
ResponderExcluirParabéns .. Que os 31 anos seja mera ilustração do tempo cronológico, como vc mesma disse.. Sua alma sempre sera de menina e mulher independe dos anos. Bjs no coração.
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