Por: Eliana Moraes
Quando
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Álvaro de Campos
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Álvaro de Campos
(Heterónimo
de Fernando Pessoa)
Quando
me deparei com este poema de Fenando Pessoa imediatamente me veio à mente um
perfil de pacientes que não raro recebemos na clínica da arteterapia. São
pacientes que apresentam uma latente desorganização, um vulcão de emoções e
sensações ao qual não são capazes de administrar e são tomados por elas. Pacientes
empobrecidos em sua função pensamento, com dificuldade de racionalizar e tomar
consciência de tudo aquilo o que sente e por este motivo, o domina e
transborda. E muitas vezes transborda também para seu corpo, apresentando
sintomas físicos recorrentes e dolorosos. Pacientes que sofrem e são reféns de
seu sofrimento. De minha prática posso citar pacientes depressivos, com
transtornos de ansiedade e histéricos graves.
Este
perfil de paciente é carente de contorno, eixo, foco, limite, base,
“segurança”. E são muito beneficiados com técnicas estruturantes e
organizadoras na arteterapia. Sem este momento de estruturação ele não tem
condições de se reconhecer, se pensar e fazer movimentos de mudança. E a
prática nos mostra que neste momento, recursos para os quais muitas vezes nós
arteterapeutas “torcemos o nariz” se mostram excelentes para o paciente: as retas, as réguas, a
geometria. Lembro aqui a grande artista Loise Bourgeois: “Geometria:
Regras imutáveis, confiáveis, seguras. Diferente das relações pessoais”. E precisamos reconhecer quando nosso paciente
precisa de segurança para continuar em seu caminho de autoconhecimento.
Esta questão me lembra as discussões do nosso grupo de
estudos “A prática da Arteterapia” no
qual discutimos amplamente a importância do arteterapeuta “levantar seu olhar” das
técnicas aprendidas em sala de aula e desenvolver e apurar seu olhar para o paciente. Da mesma forma, deslocar seu
olhar de si mesmo, aquilo que deseja trabalhar, as técnicas que deseja aplicar,
como deseja narcisicamente conduzir a jornada de autoconhecimento de seu
paciente. Quem é seu paciente? Aonde ele está? O que ele deseja? O que ele
pode? O que ele precisa?
Se compreendemos que as criações dos grandes artistas são
por definição expressões humanas e percebemos o grande número de artistas que
lançaram mão da geometria e das retas em sua arte, e além disso aprofundaram-se
amplamente no seu estudo expressivo e simbólico, não podemos negligenciar este
potencial. Em arte, produção de imagens e expressão com fim terapêutico não
existe certo ou errado, mocinho ou bandido, ou somente um caminho possível.
Ao arteterapeuta cabe não ter uma visão
limitada ou se restringir, mas ter um rico leque de opções de técnicas para
acioná-las a cada passo de seu paciente. Um rico leque significa técnicas de
expansão e desconstrução mas também técnicas de estruturação e organização. Que
nós arteterapeutas possamos também sorrir para a geometria e para as réguas. Ao desestimularmos o acesso de nosso paciente a ferramentas tão exploradas na
arte como a geometria e seus instrumentos por considerá-los limitantes,
bloqueadores da livre expressão e da criatividade, não seríamos nós os limitadores?
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