Por Maria Cristina Resende
Quando estudamos a história da humanidade percebemos que cada área do
saber retrata, à sua maneira, as realidades externas e internas do homem e seu
desenvolvimento. Fazendo um recorte entre o final do século XIX até meados do
século XX vemos que esse desenvolvimento foi marcado por inúmeras rupturas do
pensamento vigente. Tanto as ciências exatas, quanto a filosofia, a psicologia
e as artes em geral sofriam uma mudança brusca em seus alicerces, assim como a
política e a economia ocidental.
Até o final do século XIX a arte ensinada pela academia prezava a retratação da natureza o mais fiel possível, herança recebida da Renascença. O ápice deste ideal foi alcançado com os Impressionistas, que em suas telas “aplicavam pinceladas curtas e manchas que traduzissem os reflexos vacilantes de uma cena ‘ao ar livre”’, ou seja, buscavam a retratação da natureza através da perfeita percepção ocular dos objetos sob a incidência da luz. Com isso, Gombrich nos traz à reflexão que neste momento da arte “foi como se todos os problemas de uma arte que visasse à imitação da impressão visual tivesse sido solucionados”, mas posteriormente a essa meta alcançada foi “como se a insistência nessas metas não tivesse mais nada a acrescentar”.
Como ir além???
No início do século XX um jovem advogado busca um novo sentido para sua
vida através da arte. Wassily Kandinsky renuncia a carreira do direito e se
volta ao mundo artístico após conhecer o movimento Impressionista. Entretanto,
o que mais lhe chama a atenção, não fora o objetivo deste movimento, mas sim a
forma como os objetos eram pincelados, quase sem contorno.
Sua arte foi filha de um tempo em que os contornos existentes foram se
esvanecendo conforme a ciência atomizava os blocos de concreto, enquanto a
psicologia mergulhava em instâncias impossíveis de serem vistas aos olhos da
razão, num momento em que as formas pré-estabelecidas foram sendo lentamente
dissolvidas em um novo paradigma da cultura ocidental. Valores, costumes,
crenças, política e economia não satisfaziam mais aos anseios de homens e
mulheres que buscavam dar sentido a todas as novas descobertas. Segundo o
próprio Kandinsky “toda obra é filha de
seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos”[1],
logo, uma nova arte que pudesse expressar os novos tempos começou a ser
delineada.
Neste movimento, Kandinsky se deteve nas formas simples, nas cores e nos
fenômenos que se apresentavam à consciência sem buscar explicações na natureza
dos objetos para tais aparecimentos, pois para ele
“o mundo que nossos sentidos nos
desvendam é um conjunto de fenômenos que tem poucas relações com a realidade
das coisas. [...] Assim, a arte não
precisa imitar um mundo que sequer possui realidade filosófica e cuja própria
realidade material a descoberta do átomo fará vacilar.”
Ou seja, Kandisnky está descrente do mundo das formas, descrente de uma
arte que visa imitar a natureza e seus objetos tal como aparecem para nossos
olhos. Há algo por traz disso, há algo que antecede isso, algo mais puro, mais
essencial. Argan explica que Kandinsky buscava nas formas “um conteúdo intrínseco próprio; não um conteúdo objetivo ou de
conhecimento (como aquele que permite conhecer e representar o espaço através
de formas geométricas), e sim um conteúdo-força, uma capacidade de agir como
estímulo psicológico”[2].
Chegamos ao ponto onde arte abstrata de Kandinsky se aproxima da
psicologia. Pois ambos trabalham com forças que atuam sobre o homem e que
possibilitam um estímulo para a conscientização e um movimento de sua
existência.
Na análise de sua teoria e de suas obras somos convidados a conhecer um pouco mais sobre uma teoria da psicologia muito pouco falada nas formações e cursos de arteterapia, a Psicologia da Gestalt. Acredito que muitos profissionais podem não querer se aproximar devido ao objeto de estudo desta teoria, a consciência e como ela percebe o mundo. Há uma maior ênfase nas psicologias profundas, principalmente a Teoria Junguiana.
Em uma próxima publicação vamos compreender melhor
como a Psicologia da Gestalt pode contribuir para uma compreensão das obras
produzidas pelos nossos clientes e de como ele percebe o mundo ao seu redor
além de suas próprias necessidades.
Bibliografias usadas:
NICOLETTO, Ugo. RIZZON, Luiz Antônio. BISI, Guy Paulo. BRAGHIROLLI,
Elaine Maria. Psicologia Geral. Ed. Vozes. 23ª edição. Petrópolis, RJ.
FAGAN, Joen. SHEPHERD, Irma Lee. Gestalt-Terapia. Teoria, Técnicas e
Aplicações. Ed. Zahar 4ª edição. Rio de Janeiro, RJ
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. Ed. Martins Fontes. Rio de
Janeiro.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Ed. Companhia das Letras.
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