segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O CONTO NA ARTETERAPIA



 Por Sandra Palma -SP

@sandrarteterapeuta

     Os contos, de modo geral têm uma narrativa curta. Focam em poucos personagens e buscam transmitir impressão ou sentido. A estrutura se forma com a apresentação, seguida de um desenvolvimento, um clímax e termina com o desfecho. Eles podem ser realistas, fantásticos, de terror, de fadas, de ficção científica, populares e os infantis. As características são diversas, dentre elas têm os de humor, históricos e psicológicos.

      Os contos, como os mitos, as metáforas, as lendas, as parábolas, as histórias, são utilizadas por décadas como meio de acessar o inconsciente de quem lê ou ouve. Eles têm relação de vivência, pois representam o universo simbólico e os problemas da humanidade. Quando se lê ou ouve simples palavras, podem afetar e trazer à tona memórias, recalques, traumas ou lembranças, ou seja, sentimentos, conflitos e inquietações que permeiam o pensamento das pessoas.

       No setting arteterapêutico, a contação do conto e mais o processo criativo por meio dos materiais, se torna benéfico e transformador, pois há um mergulho no psiquismo, e se torna presente por meio da arteterapia, a qual é projetada na arte em forma de símbolos inconscientes. Estes serão identificados conscientemente, observados, elaborados, ressignificado. O paciente/cliente junto do arteterapeuta, dará voz ao não falado.

      Para enfatizar a importância dos contos há décadas, trago um recorte do artigo: “Redação Psicanalítica Clínica”:

 “Freud... Os contos funcionam como mediadores entre o mundo interno e a realidade externa, permitindo que se explore suas emoções de forma segura... Em sua interpretação dos sonhos, Freud, fala dos contos de fadas para explicar a interpretação dos sonhos.

     O livro de Bruno Bettelheim, psicanálise dos contos de fadas (1760), tornou-se um clássico da abordagem psicanalítica a esses relatos.

     Os analistas junguianos também estudaram os contos de fadas tanto teórico quanto clinicamente. Jung atribuiu grande importância aos contos e disse que nessas histórias pode-se estudar melhor a anatomia comparada da psique.

    A psicoterapeuta analítica e escritora da Alemanha, Marie Von Franz, enfatiza que esses contos são a expressão mais pura e simples dos processos coletivos inconscientes. 

       Segundo Boaventure (1992), sociólogo português, os contos nos mostram como os personagens processaram conflitos da infância e da adolescência e como os grandes problemas da existência e da sabedoria popular os resolvem. Há como que um encantamento, efeito observável e misterioso, vindo de uma linguagem mágica.

     Escrevi para esta Arteterapia o conto “Ibirá e o Ipê”.  A inspiração para escrever foi devido as árvores de Ipê estarem floridas nos meses de junho até começo de setembro, na região sudeste do interior de São Paulo, onde vivo, deixando os dias de inverno alegre com suas diversas cores, começa com a florada do roxo, rosa, amarelo e termina com o branco.  

   Este contoexpressão pode se considerar um conto realista infantil, mas pessoas de todas as idades podem dele participar. Possui narrativa simples, com personagens e cenários que refletem o cotidiano. Tema de resiliência tanto da personagem quanto da árvore. O final feliz pode ser visto como uma representação da busca da criança pela maturidade e, pela resolução e superação de seus conflitos.

 

 

      Conto: “Ibirá e o Ipê”.

      Ibirá era menina magra de cabelos longos, tinha 8 anos, morava com seus pais em uma casa modesta, com paredes bem coloridas, janelas de madeira e na frente da casa tinha um lindo jardim florido; no quintal tinha um pomar, horta, árvores frutíferas e uma grande árvore de Ipê roxo, que florescia nos meses de junho a julho.   

       Ela amava observar a natureza, explorava tudo, principalmente o quintal da casa, antes de ir para a escola, no período da tarde, passeava, observava, imitava e conversava com as plantas, com as borboletas que iam nas flores, com os pássaros que se banhavam em uma fonte de água e o que mais ela gostava era de abraçar e conversar com sua arvore preferida, o Ipê, que deixava os seus dias de inverno mais coloridos.

    Quando ela estava na escola, contava para as crianças que conversava e imitava tudo da natureza. Todos a olhavam e achavam isso muito esquisito. Começaram a se afastar dela e não brincavam mais com ela no intervalo das aulas. Também faziam brincadeiras por causa do seu nome, ela não gostava e ficava muito triste, se sentindo excluída.

    Um dia, no caminho da escola para a casa, Ibirá teve uma ideia e, chegando em casa perguntou para os pais se poderia convidar os amigos na época das férias escolares para um piquenique. Os pais concordaram, os convites foram feitos e eles foram no dia escolhido. Neste mesmo dia, ela perguntou sobre o seu nome, e disse que todos acham estranho, os seus pais explicaram que um dos significados era “árvore” na língua tupi-guarani. Ela deu um lindo sorriso quando soube e não deixou mais ninguém incomoda lá com isso.

      Ibirá ficou tão feliz quando viu as crianças chegando, já foi rapidinho chamando-as para ir ao quintal, pedindo-lhes para que a ajudassem a colher frutos das árvores e tomatinhos cereja da horta para colocar no centro da toalha, debaixo da árvore de Ipê, junto do bolo que fez com mãe. Antes de comer, ela falou:

  - Olhem essa árvore como ela é alta e linda, é uma arvore de Ipê. Existem ipês de várias cores como brancos, amarelos, rosa e o meu favorito é o roxo. Eu o chamo de chuva de flores.

     Vamos imitar que estamos abraçando-a? Em pé, vamos deixar os dois pés bem firmes no chão, corpo reto. Vamos contrair o abdome, olhar para um ponto fixo, colocar as mãos na cintura, dobrar um joelho bem devagar e apoiar um pé na outra perna, colocar as mãos juntas na altura do peito e ir subindo até o alto da cabeça, abrir os braços e ir descendo até chegar na cintura, imitando a copa.

 - Há muitas flores caindo na minha cabeça, vou sentir o seu perfume puxando o ar profundamente pelo nariz e soltando bem devagar pela boca.

- Olhem os beija flores, as abelhas e os pássaros nas suas flores. Vamos imitar os pássaros como se voássemos, abrindo os braços. Eu me sinto livre e vocês?

      O tempo passou rápido, fizeram mímica, brincaram de esconde-esconde, comeram e, de repente, uma chuva bem fininha começou a cair. Alguns adoraram sentir as gotas de chuva caindo no rosto, outros correram para se abrigarem, todos riram e se divertiram muito vendo a natureza em festa, com o dia de sol e de chuva.

      Os pais começaram a chegar para buscá-los e eles foram já contando tudo que fizeram, ficaram felizes com o dia e, a partir de então, não julgaram mais a Ibirá porque ela imitava e conversava com tudo que existe na natureza. Começaram a brincar novamente com ela e a respeitar o seu jeito de ser, pois não somos todos iguais, cada um tem seu modo de ser e estar no mundo e, por isso, está tudo bem.          

   

   Processo criativo em grupo e a ferramenta conto:

    Segundo Charles Fourier, é da nossa natureza psicológica o fato de que todos nós nascemos para viver em grupo. Esse processo de integração contínua é feito por meio de relações humanas, diálogos e comunicação harmoniosa.

    A maneira que desenvolvo a Arteterapia é com grupo diversificado.

    Antes da utilização dos materiais artísticos na arteterapia, os participantes, além da atenção plena na narrativa do conto, exploram também os sentidos e a expressão corporal. Primeiro todos ficam em torno de um tapete redondo de tecido colorido, sentados em cadeiras ou no chão. No centro ficam os diversos materiais artísticos a serem escolhidos pelos participantes. Eles ouvem música  suave da natureza,  It’s Your Day-Yiruma. Fazem respirações profundas e durante a contação do conto, conforme os elementos vão surgindo, fazem a expressão corporal. Quem quiser pode fechar os olhos. Neste, especificamente, foi feito o movimento corporal da árvore, abraçando-a e imitando aves, ou podem imaginar outro movimento de acordo com o conto, conforme o objetivo da arteterapia.

    A escolha dos materiais artísticos para a arteterapia após a contação do conto é de acordo com a necessidade do grupo. Ofereço a prática do desenho cego e, após a escolha dos símbolos, os participantes criam uma paisagem usando os símbolos que surgiram. Também, em outro encontro, apresento o artista impressionista Claude Monet e suas series nos diferentes horários do dia, como por exemplo a serie das “Três árvores”, dentre outras, e pede-se para que desenhem a sua árvore preferida, na estação e horário que desejam e falem sobre ela.

     As árvores são símbolos significativos para se oferecer na arteteterapia, pois os seus ciclos representam vida em movimento. Elas se modificam a cada estação e em horários diferentes do dia e os Ipê são arvores que florescem no inverno e, são simbólicas, pois está ligada à resistência, vitalidade, esperança, à força e à capacidade da natureza de se renovar a cada ciclo.

    Em outro encontro arteterapeutico começo com um diálogo sobre o nome da personagem do conto, Ibirá (Ybyrá), que significa árvore em tupi guarani e, peço que façam um acrostico do nome como forma de explorar os sentimentos e falar de si.

   No final os pacientes/clientes escrevem uma palavra ou uma frase que exteriorize e expresse seus sentimentos.

   O arteterapeuta observa todo o processo artístico, há o diálogo na associação livre e na escuta atenta dos conflitos internos projetados na arte em forma de símbolo. Estes são observados junto ao paciente/cliente para se obter o objetivo da Arteterapia: A transformação psíquica, o autoconhecimento e a  autoestima.

____________________________________________________________________________

Sobre a autora: Sandra Palma



Eu sou Sandra Renata de Palma Tegon, graduada em Educação Artística, com Especialização em Arteterapia e Psicanálise.

    A arte sempre fez parte da minha vida, estudei técnicas artísticas desde os meus 13 anos e aos 23 anos comecei a ministrar aulas particulares de porcelana, faiança, tela, vitral, dentre outras e, por um período curto atuei como arte-educadora em escola do Estado. Participei de exposições nacionais e internacionais como Artista plástica, com pintura em óleo sobre tela. Atualmente atuo como Arteterapeuta com grupos no presencial, na cidade de Itatiba  nointerior de São Paulo, onde moro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário