Por Sandra Palma -SP
@sandrarteterapeuta
Os contos, de modo
geral têm uma narrativa curta. Focam em poucos personagens e buscam transmitir impressão
ou sentido. A estrutura se forma com a apresentação, seguida de um
desenvolvimento, um clímax e termina com o desfecho. Eles podem ser realistas,
fantásticos, de terror, de fadas, de ficção científica, populares e os infantis.
As características são diversas, dentre elas têm os de humor, históricos e
psicológicos.
Os
contos, como os mitos, as metáforas, as lendas, as parábolas, as histórias, são
utilizadas por décadas como meio de acessar o inconsciente de quem lê ou ouve.
Eles têm relação de vivência, pois representam o universo simbólico e os
problemas da humanidade. Quando se lê ou ouve simples palavras, podem afetar e trazer
à tona memórias, recalques, traumas ou lembranças, ou seja, sentimentos,
conflitos e inquietações que permeiam o pensamento das pessoas.
No setting
arteterapêutico, a contação do conto e mais o processo criativo por meio dos
materiais, se torna benéfico e transformador, pois há um mergulho no psiquismo,
e se torna presente por meio da arteterapia, a qual é projetada na arte em
forma de símbolos inconscientes. Estes serão identificados conscientemente,
observados, elaborados, ressignificado. O paciente/cliente junto do arteterapeuta,
dará voz ao não falado.
Para enfatizar a importância dos contos há
décadas, trago um recorte do artigo: “Redação Psicanalítica Clínica”:
“Freud... Os contos
funcionam como mediadores entre o mundo interno e a realidade externa,
permitindo que se explore suas emoções de forma segura... Em sua interpretação
dos sonhos, Freud, fala dos contos de fadas para explicar a interpretação dos
sonhos.
O livro de Bruno Bettelheim,
psicanálise dos contos de fadas (1760), tornou-se um clássico da abordagem
psicanalítica a esses relatos.
Os analistas
junguianos também estudaram os contos de fadas tanto teórico quanto
clinicamente. Jung atribuiu grande importância aos contos e disse que nessas
histórias pode-se estudar melhor a anatomia comparada da psique.
A psicoterapeuta analítica e escritora da
Alemanha, Marie Von Franz, enfatiza que esses contos são a expressão mais pura
e simples dos processos coletivos inconscientes.
Segundo Boaventure (1992), sociólogo
português, os contos nos mostram como os personagens processaram conflitos da
infância e da adolescência e como os grandes problemas da existência e da
sabedoria popular os resolvem. Há como que um encantamento, efeito observável e
misterioso, vindo de uma linguagem mágica.
Escrevi para esta Arteterapia o conto “Ibirá e
o Ipê”. A inspiração para escrever foi
devido as árvores de Ipê estarem floridas nos meses de junho até começo de setembro,
na região sudeste do interior de São Paulo, onde vivo, deixando os dias de inverno
alegre com suas diversas cores, começa com a florada do roxo, rosa, amarelo e
termina com o branco.
Este contoexpressão pode
se considerar um conto realista infantil, mas pessoas de todas as idades podem
dele participar. Possui narrativa simples, com personagens e cenários que
refletem o cotidiano. Tema de resiliência tanto da personagem quanto da árvore.
O final feliz pode ser visto como uma representação da busca da criança pela
maturidade e, pela resolução e superação de seus conflitos.
Ibirá era menina
magra de cabelos longos, tinha 8 anos, morava com seus pais em uma casa
modesta, com paredes bem coloridas, janelas de madeira e na frente da casa
tinha um lindo jardim florido; no quintal tinha um pomar, horta, árvores
frutíferas e uma grande árvore de Ipê roxo, que florescia nos meses de junho a julho.
Ela amava
observar a natureza, explorava tudo, principalmente o quintal da casa, antes de
ir para a escola, no período da tarde, passeava, observava, imitava e
conversava com as plantas, com as borboletas que iam nas flores, com os
pássaros que se banhavam em uma fonte de água e o que mais ela gostava era de
abraçar e conversar com sua arvore preferida, o Ipê, que deixava os seus dias
de inverno mais coloridos.
Quando ela estava
na escola, contava para as crianças que conversava e imitava tudo da natureza.
Todos a olhavam e achavam isso muito esquisito. Começaram a se afastar dela e
não brincavam mais com ela no intervalo das aulas. Também faziam brincadeiras
por causa do seu nome, ela não gostava e ficava muito triste, se sentindo
excluída.
Um dia, no caminho
da escola para a casa, Ibirá teve uma ideia e, chegando em casa perguntou para
os pais se poderia convidar os amigos na época das férias escolares para um
piquenique. Os pais concordaram, os convites foram feitos e eles foram no dia
escolhido. Neste mesmo dia, ela perguntou sobre o seu nome, e disse que todos
acham estranho, os seus pais explicaram que um dos significados era “árvore” na
língua tupi-guarani. Ela deu um lindo sorriso quando soube e não deixou mais ninguém
incomoda lá com isso.
Ibirá ficou tão
feliz quando viu as crianças chegando, já foi rapidinho chamando-as para ir ao
quintal, pedindo-lhes para que a ajudassem a colher frutos das árvores e
tomatinhos cereja da horta para colocar no centro da toalha, debaixo da árvore
de Ipê, junto do bolo que fez com mãe. Antes de comer, ela falou:
- Olhem essa árvore
como ela é alta e linda, é uma arvore de Ipê. Existem ipês de várias cores como
brancos, amarelos, rosa e o meu favorito é o roxo. Eu o chamo de chuva de
flores.
Vamos imitar que
estamos abraçando-a? Em pé, vamos deixar os dois pés bem firmes no chão, corpo
reto. Vamos contrair o abdome, olhar para um ponto fixo, colocar as mãos na
cintura, dobrar um joelho bem devagar e apoiar um pé na outra perna, colocar as
mãos juntas na altura do peito e ir subindo até o alto da cabeça, abrir os
braços e ir descendo até chegar na cintura, imitando a copa.
- Há muitas flores
caindo na minha cabeça, vou sentir o seu perfume puxando o ar profundamente pelo
nariz e soltando bem devagar pela boca.
- Olhem os beija flores, as abelhas e os pássaros nas suas
flores. Vamos imitar os pássaros como se voássemos, abrindo os braços. Eu me
sinto livre e vocês?
O tempo passou
rápido, fizeram mímica, brincaram de esconde-esconde, comeram e, de repente,
uma chuva bem fininha começou a cair. Alguns adoraram sentir as gotas de chuva caindo
no rosto, outros correram para se abrigarem, todos riram e se divertiram muito
vendo a natureza em festa, com o dia de sol e de chuva.
Os pais começaram
a chegar para buscá-los e eles foram já contando tudo que fizeram, ficaram
felizes com o dia e, a partir de então, não julgaram mais a Ibirá porque ela
imitava e conversava com tudo que existe na natureza. Começaram a brincar
novamente com ela e a respeitar o seu jeito de ser, pois não somos todos
iguais, cada um tem seu modo de ser e estar no mundo e, por isso, está tudo
bem.
Processo
criativo em grupo e a ferramenta conto:
Segundo Charles Fourier, é da nossa natureza
psicológica o fato de que todos nós nascemos para viver em grupo. Esse processo
de integração contínua é feito por meio de relações humanas, diálogos e comunicação
harmoniosa.
A maneira que desenvolvo a Arteterapia é com
grupo diversificado.
Antes da utilização dos materiais artísticos
na arteterapia, os participantes, além da atenção plena na narrativa do conto,
exploram também os sentidos e a expressão corporal. Primeiro todos ficam em torno
de um tapete redondo de tecido colorido, sentados em cadeiras ou no chão. No
centro ficam os diversos materiais artísticos a serem escolhidos pelos
participantes. Eles ouvem música suave
da natureza, It’s Your Day-Yiruma. Fazem
respirações profundas e durante a contação do conto, conforme os elementos vão
surgindo, fazem a expressão corporal. Quem quiser pode fechar os olhos. Neste,
especificamente, foi feito o movimento corporal da árvore, abraçando-a e
imitando aves, ou podem imaginar outro movimento de acordo com o conto,
conforme o objetivo da arteterapia.
A escolha dos
materiais artísticos para a arteterapia após a contação do conto é de acordo
com a necessidade do grupo. Ofereço a prática do desenho cego e, após a escolha
dos símbolos, os participantes criam uma paisagem usando os símbolos que
surgiram. Também, em outro encontro, apresento o artista impressionista Claude
Monet e suas series nos diferentes horários do dia, como por exemplo a serie das
“Três árvores”, dentre outras, e pede-se para que desenhem a sua árvore preferida,
na estação e horário que desejam e falem sobre ela.
As árvores são símbolos significativos para se
oferecer na arteteterapia, pois os seus ciclos representam vida em movimento. Elas
se modificam a cada estação e em horários diferentes do dia e os Ipê são
arvores que florescem no inverno e, são simbólicas, pois está ligada à
resistência, vitalidade, esperança, à força e à capacidade da natureza de se
renovar a cada ciclo.
Em outro encontro arteterapeutico começo com
um diálogo sobre o nome da personagem do conto, Ibirá (Ybyrá), que significa árvore
em tupi guarani e, peço que façam um acrostico do nome como forma de explorar
os sentimentos e falar de si.
No final os pacientes/clientes
escrevem uma palavra ou uma frase que exteriorize e expresse seus sentimentos.
O arteterapeuta
observa todo o processo artístico, há o diálogo na associação livre e na escuta
atenta dos conflitos internos projetados na arte em forma de símbolo. Estes são
observados junto ao paciente/cliente para se obter o objetivo
da Arteterapia: A transformação psíquica, o autoconhecimento e a autoestima.
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Eu sou Sandra Renata de Palma Tegon, graduada em Educação Artística,
com Especialização em Arteterapia e Psicanálise.
A arte sempre fez parte da minha vida, estudei
técnicas artísticas desde os meus 13 anos e aos 23 anos comecei a ministrar
aulas particulares de porcelana, faiança, tela, vitral, dentre outras e, por um
período curto atuei como arte-educadora em escola do Estado. Participei de
exposições nacionais e internacionais como Artista plástica, com pintura em
óleo sobre tela. Atualmente atuo como Arteterapeuta com grupos no presencial,
na cidade de Itatiba nointerior de São
Paulo, onde moro.


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