Por Annamaria Bruno Riscarolli - RJ
@tessituradoser
Construir um diálogo entre
metodologias me recorda como percebo a escrita. Para mim, o ato de escrever
guarda em si o gesto de tecer entre palavras e imagens. As ideias, os fios,
podem surgir de uma imagem, uma frase lida aqui ou acolá. Pouco a pouco vão se
unindo organicamente em versos formando estrofes, um tapete com ideias...
Convidando o leitor a dançar pelas cores e texturas, por entre ritmos e
entrelaçamentos de histórias, memórias, conectando e despertando novos
caminhos, uma trama de possibilidades compondo uma grande tapeçaria que é o
viver.
Os fios se encontram : o plantio do
“Projeto EntreSaberes: Semeando Gentilezas”
Com muita alegria e gratidão partilho
com vocês o trabalho realizado no XV Congresso Brasileiro de Arteterapia, em
Vitória, Espírito Santo, em novembro 2024. Uma experiência tão enriquecedora
que contou com grande aceitação da comunidade científica e dos participantes.
Este “plantio” surge da importância do
trabalho conjunto das metodologias integrativas da Arteterapia, Biodança e
Dança Circular. Desde 2017 estas metodologias foram incluídas como práticas
integrativas e complementares (PICs) pelo SUS, fortalecendo e confirmando esse
diálogo. Esse é fio condutor do Projeto EntreSaberes, desenvolvido no Espaço
Tessitura do Ser na promoção de processos de autoconhecimento.
Confiante que este diálogo entre
Arteterapia, Biodança e Dança Circular poderia impulsionar mais reflexões
naquele Congresso, resolvi inscrever meu trabalho, dentro do eixo temático da
Criatividade, na modalidade de apresentação de vivência arteterapêutica.
O tecer dialógico: Arteterapia,
Biodança e Dança Circular
Saber dialogar é uma habilidade para
criar consciência. É um espaço de compartilhamento de significações onde
aprende-se a pensar junto, ainda que diferentemente. Da mesma forma, Arteterapia,
Biodança e Dança Circular podem dialogar. Cada metodologia possui
características específicas enquanto manejo de estratégias e métodos, mas todas
têm um princípio em comum: estão a serviço de um melhor viver, por meio da
linguagem não verbal. Não são processos de ordem puramente estética, mas sim de
expressão do mundo interior. É justamente neste ponto que se observa o efeito
terapêutico e educacional do entrelaçamento das três metodologias.
Progressivamente e com regularidade, os participantes vão ampliando as
descobertas de si mesmos, ampliando suas habilidades no campo relacional com o
outro e com o ambiente, participando de forma mais integrada da dança do viver.
Como aprendi com Rubem Alves: “A fala só é bonita quando nasce de uma longa
e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele
termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.”
O sabor do entrelaçar para
multiplicar: Autoconhecimento precisa ser um bem acessível ao maior número
de pessoas
Os gestos de trançar, de entrelaçar,
abarcam conexões, histórias e proteção, sendo, assim, um símbolo de identidade
e pertencimento. Atuando profissionalmente há bastante tempo em trabalhos
sociais e comunidades, ou seja, em ambientes menos favorecidos, constatei que
promover entrelaces é fundamental para desenvolver alternativas para construir
vínculos de confiança mútua.
Nestes trabalhos, especialmente com
pessoas em situação de vulnerabilidade social, aprendi a acolher saberes, a
olhar subjetividades, a enxergar invisibilidades. Por isso sempre foi um
movimento muito natural tecer a comunicação entre as metodologias que conduzo,
guardando e respeitando suas singularidades, e colocando-as a serviço, de modo
conjunto, de um viver mais pleno e significativo.
Trabalhos
realizados com pessoas em
situação de vulnerabilidade social
Círculo
de Acolhimento promovido pela AARJ - 2023
Estudos no campo da neurociência
trazem importantes descobertas para uma transformação através da interação
entre a arte e o movimento. Muitas vezes, compreender algo somente sob o
aspecto intelectual não será suficiente para uma mudança de estilo de vida. Processos
neurocientíficos mostram como a criatividade e a interação afetam o cérebro,
estimulando a plasticidade neural e fortalecendo conexões. Quando nos movemos
de forma livre e conectada, superamos barreiras psicológicas e sociais. Criamos
espaço para a expressão autêntica e reencontramos o equilíbrio, onde o sistema
límbico desempenha um papel central na integração de emoção e memória.
A arte, a dança e a conexão humana
podem ativar as áreas responsáveis pela empatia, pela autorregulação e pela
criatividade, ampliando nossa capacidade de nos transformarmos. Este é um ponto
de comunhão, dialógico, entre a Arteterapia, Biodança e Dança Circular. A
partir da utilização da linguagem não verbal, em vivências integradoras, as
três metodologias promovem uma efetiva mudança interna, uma vez que convidam os
indivíduos a ampliarem sua percepção de como experienciam o mundo.
O “Projeto EntreSaberes: Semeando
Gentilezas” nasce do tecer e vivenciar junto, de saberes que originalmente são
atividades milenares: arte e dança. Atravessam o tempo e a história. A
pré-história narra esses diálogos. Já de muito tempo o homem deixa registros de
seu cotidiano, das suas interações, oferecendo notícias do nosso
desenvolvimento humano e social enquanto processo evolutivo.
Trazer a arte e a dança para resgatar
o valor simbólico que nasce do sentir do corpo, como uma fonte confiável de
conhecimento, é promover o pertencimento, num processo de transformação e
ressignificação. Sabemos que a linguagem verbal é rica de significados, e que
vivemos em um mundo verbal. Mas muitas vezes essa linguagem verbal carece de
autenticidade e afetividade. Daí a proposta de trabalhar de maneira conjunta as
três metodologias: primeiramente, “preparar” o corpo por meio das vivências de
Biodança e Dança Circular, e depois apresentar as possibilidades arteterapêuticas
expressivas dos materiais plásticos que vão registrar o mundo interior dançado.
Esta abordagem proporciona um ampliar de fala mais coerente e conectada com
eixo do sentir-pensar-agir, promovendo progressivamente um encontro mais
harmonioso com Ser essencial do participante.
Assim, posso afirmar com convicção
que, no Projeto EntreSaberes, Arteterapia, Biodança e Dança Circular estão unidas, tecidas e
vivenciadas sob um único propósito: tornar mais humana a experiência da
transformação, seja pela arte, pelo movimento ou pela ciência, como uma grande
ciranda.
“Minha ciranda não é minha só, ela e de todos
nós...” Música
“Minha ciranda” de Capiba
Trabalhos realizado no Espaço Tessitura do Ser – RJ
Bibliografia
ALVES, Rubem. Educação dos Sentidos
e Mais... . Campinas: Verus Editora, 2012.
ARCURI , Irene Gaeta. Arteterapia e
o Corpo Secreto – Técnicas expressivas coligadas ao trabalho corporal. São
Paulo, SP: Vetor 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da
Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 29ª Ed. São Paulo, SP:
Paz e Terra, 2004.
FREITAG, Vera Lucia; BADKE, Marcio
Rossato. Práticas Integrativas e Complementares no SUS – o (re)conhecimento
de técnicas milenares no cuidado à saúde contemporânea. Curitiba: Nova
Práxis, 2019
RISCAROLLI, Annamaria Bruno. Vida:
uma grande teia afetiva e social: Biodanza promovendo a comunicação afetiva
nas relações sociais. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Formação de
Facilitadora de Biodanza) – Escola de Biodanza Rio-Barra, Rio de Janeiro, 2013.
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Sobre a autora: Annamaria Bruno Riscarolli
Bacharel em Publicidade e Propaganda
Arte-educadora social
Arteterapeuta UBAAT 01/159/1004
Pós-graduada em Arteterapia em
Educação e Saúde
Facilitadora de Biodanza RIOB 1302
Focalizadora de Dança Circular
Facilitadora Biocêntrica
Professora de Oficina de Artes em
curso de pós-graduação de Arteterapia
Professora de Expressão Corporal/Dança
em cursos de formação em Arteterapia
Coordenadora do Espaço Tessitura do
Ser (@tessituradoser)