segunda-feira, 2 de maio de 2022

PSICOLOGIA E LITERATURA, ENTRE(LAÇOS) NA CONSTRUÇÃO DE MODOS DE EXISTÊNCIA

 


Por Katia Santos - RJ

kreginapsi@gmail.com 

Em sua crônica “A função da arte”, presente em “O livro dos abraços”, Eduardo Galeano nos permite perceber que muitas vezes, temos dificuldade em dar conta daquilo que é belo, precisando assim, compartilhar nossas vivências, olhares e percepções, com o outro. Quando relata que o menino Diego, ao encontrar pela primeira vez, com o mar, fica extasiado, impactado, “mudo de beleza”, só conseguindo falar uma frase: “Pai, me ajuda a olhar”, o autor nos confirma a necessidade de partilharmos aquilo que nos emociona, nos afeta, e que, de alguma forma, nos leva em direção à nossa humanidade. 

A literatura se apresenta como um eficiente instrumento terapêutico que nos auxilia, não só a contemplar o belo, mas também, a olhar para dentro de nós mesmos. Isso porque, a leitura literária, incluindo poesias, contos, crônicas, romances, narrativas orais, entre outros, possui o que chamamos de linguagem simbólica, ou seja, são textos ricos em metáforas que, uma vez sendo responsáveis por afetar o leitor, são capazes de penetrar em lugares profundos de nosso ser, promovendo o reavivamento de memórias, a possibilidade de se falar sobre temas até então muito guardados e pouco falados e o processo catártico da liberação das emoções. 

O encontro do livro com o leitor é um momento de troca mútua, isto é, ambos oferecem aquilo que os constitui, suas histórias. E essas, são capazes de interferir nas formas de existência daqueles que as leem ou as escutam. A leitura atua como um dispositivo despertador de curiosidade, reflexão, introspecção, identificação, catarse, entre outras. E esses e outros conceitos, estão sistematizados em produções científicas, referentes à Biblioterapia, que de acordo com Clarice Caldin, “é o cuidado com o desenvolvimento do ser humano por meio das histórias, sejam elas, lidas, narradas ou dramatizadas”. (Caldin, 2010, Apud, Souza, 2021). Para a autora, a compreensão e a definição de cuidado, são vistas como uma condição existencial, como um facilitador nas relações interpessoais e como caminho para o resgate de processos saudáveis.

 

Os livros não mentem nem mudam de tema para nos distrair; não nos mandam brincar quando temos vontade de chorar; nem batem a porta no nosso nariz. Fazem, apenas, nos “co-mover”: nos dão a permissão de sentir com os outros, nos emprestam a experiência, a longa experiência da espécie para que possamos ver como outros viveram; como se viraram para viver; como se defrontaram com situações que, no fundo, são tão pouco originais, tão humanas. (REYES, 2012, p. 83/84)

 

 A Biblioterapia, ao cuidar do ser humano, o percebe de forma integral, não dissociando corpo e mente, uma vez que formam um todo ativo e participante. Ela apresenta possibilidades que convidam o sujeito a sair de seu desequilíbrio, avaliando e ressignificando suas posturas. Esse processo se dá através da linguagem, que é capaz de trazer autoconhecimento, beleza, bem-estar, aceitação e alegria. 

A utilização da Biblioterapia no trabalho do profissional da Psicologia, não é só um processo que envolve dois sujeitos. A Literatura no setting terapêutico, passa a envolver três sujeitos, ou seja, o profissional, o autor e o cliente. Assim, o autor, de certa forma, atua como coterapeuta neste cenário, uma vez que existe um compartilhar da atenção, em algo comum a ambos ou a todos os envolvidos. O leitor vive um processo que, simultaneamente ao seu autoconhecimento, vai descobrindo a obra que lê, em um movimento contínuo ao estabelecer leituras e releituras, ao escrever sobre o que lê e acabando por ler a si próprio.

 

Sendo a leitura um encontro entre o texto e o leitor, é sempre o leitor que, tornando-se agente e iniciador da ação, deve escolher entre as múltiplas proposições de justeza ética veiculada pela leitura. A identidade poética de um ser humano está em constante movimento. Pela leitura, pelo dinamismo, pela expressão e interpretação, quando é nesse momento que o texto é continuado, logo, ele não para de ser feito, desfeito e refeito. (OLIVEIRA, 2017, p.47)

 

Um texto que possua um potencial terapêutico, poderá provocar os diferentes componentes biblioterápicos, que são a catarse, a identificação e a introspecção. Tais componentes não se apresentam da mesma forma com todos os leitores. Cada pessoa, a partir de suas experiências de vida, desejos, alegrias, tristezas etc. recebe o texto de uma forma singular, e suas reações e afetações em relação a ele, é que fazem a diferença em seu processo de humanização através da literatura.

 

O que está em jogo a partir da leitura é a conquista ou a reconquista de uma posição de indivíduo. Pois os leitores são ativos, se apropriam do que leem, dão outro significado aos textos lidos, deslizam seus desejos, suas fantasias e suas angústias entre as linhas, desenvolvem toda uma atividade mental. Na leitura há algo mais do que o prazer, algo que é da ordem de um trabalho psíquico, no mesmo sentido de quando falamos em trabalho de luto, trabalho de sonho ou trabalho da escrita. Um trabalho psíquico que permite encontrar um vínculo com aquilo que nos constitui, que nos dá lugar, que nos dá vida. (PETIT, 2013, p.68)

 

 Na catarse, reações de choro ou de riso, revelam a transição entre um estado de tensão, para um estado de alívio ou harmonia,  na identificação, o sujeito vivencia situações no seu imaginário, atrelando a fantasia às emoções, apresentando várias personagens ficcionais que assumem caracteres passíveis de projeção ou introjeção, e na introspecção, pela observação podemos ter noção do que se passa no outro,  revivendo experiências dolorosas ou não, significando o fato psicológico ocorrido, e consequentemente o seu efeito, verificando que o que se sente, é algo próprio dos seres humanos, e sendo assim, encontrar possibilidades de convivência com tais demandas.

 

Na Biblioterapia, advoga-se que essa interação de subjetividades, essa interação de personagens ficcionais permite ao leitor, ouvinte ou espectador compreender seus conflitos à luz dos conflitos vivenciados pelas personagens de uma forma segura, indolor e prazerosa. (CALDIN, 2010, p.165)

 

O método biblioterapêutico pode ser aplicado de duas maneiras, ou seja, o Psicólogo em seu local de trabalho, atuando com um cliente, casal ou família, desenvolve a chamada Biblioterapia Clínica, onde a demanda específica é o foco para a escolha criteriosa de textos literários estimuladores dos componentes biblioterapêuticos próprios de cada situação. Entretanto, profissionais de outras áreas poderão atuar com a Biblioterapia de Desenvolvimento, quando seu trabalho estiver focado em grupos de pessoas que estejam interessadas em vivências em Biblioterapia, sem o viés psicoterapêutico, mas sim no seu autoconhecimento, fruição dos textos literários etc., ou seja, temas comuns a todos os seres humanos. 

O objetivo da Biblioterapia Clínica não é desviar do sofrimento, mas ir ao encontro dele, através de leituras que acessam o mais profundo e oculto por motivos vários, acolhendo-o para permitir sua expressão e para amenizar as dores da alma. (SEIXAS, 2014, p.80)

 

Um aspecto relevante sobre a utilização da Literatura, tanto na Biblioterapia Clínica como na de Desenvolvimento, é o fato de que após a leitura dos textos, o diálogo que, frequentemente ocorre, pode ser realizado através de um processo de dinamização, ou seja, uma forma de inspirar os participantes a se envolverem, ainda mais com as palavras que lhes atravessaram e consequentemente, os tocaram. Assim, são utilizadas diferentes estratégias de contato, sendo que uma das mais aplicadas é a Arte, em seus diferentes modos de apresentação.

 

As distintas formas de arte utilizam-se de materiais diversos como instrumentos de trabalho. No caso da literatura, a ferramenta de trabalho é a palavra, que comunica, interage e cria a possibilidade de expressar, através dos variados estilos literários, as demais formas artísticas, provocando emoções, produzindo efeitos estéticos e permitindo viagens infinitamente criativas. Da mesma forma, a Psicologia tem na palavra seu campo de atuação que, pela união com a literatura, pode encontrar nas possibilidades presentes no cotidiano, formas de desvendar o sofrimento e compreender a condição humana e suas maneiras de viver. (SANTOS, K.R.,2019, p.8)

 

No trabalho com literatura, os livros infanto-juvenis são bastante utilizados, não só com crianças e adolescentes, mas também com adultos e idosos. Isso porque sua apresentação, através de metáforas escritas ou visuais, possui um poder enorme sobre as pessoas, desencadeando todo o processo biblioterapêutico. Neste universo, é relevante abordarmos a importância do livro imagem, que não se trata apenas de um livro sem texto, mas uma opção do autor em traduzir sua história da palavra escrita para a linguagem artística, com cenários coloridos, de efeitos visuais encantadores.

Ao concluirmos este artigo, reforçamos a certeza de que há um entre(laçar) na construção de modos de existências, a partir da utilização da literatura no trabalho psicoterapêutico, uma vez que nossa experiência, tanto com a Biblioterapia Clínica como com a de Desenvolvimento, reflete esta realidade, mostrando a efetiva ação dos textos literários sobre a existência de cada pessoa envolvida no processo. Encerro com as palavras do escritor Bartolomeu Campos de Queirós que, apesar de nunca ter utilizado a palavra Biblioterapia, era, em sua essência, um maravilhoso biblioterapeuta:

 

Ler é um ato operatório. Por meio da leitura toda a nossa intimidade, mesmo a mais secreta, vem à tona – em liberdade – para desvendar o que as palavras nos reservam. Pela leitura, nossa realidade mais profunda é buscada para participar dessa prosa. Diante do texto literário, nos revelamos e nos abrimos para paisagens até então insuspeitadas. Viver se torna possível pela força da ficção. (QUEIRÓS, 2019, p.90)

                                                                  

Referências Bibliográficas: 

CALDIN, C.F. Biblioterapia: um cuidado com o ser. São Paulo, SP: Porto de Ideias, 2010, p.165. 

GALEANO, E. O livro dos abraços. Porto Alegre, RS: L&PM, 1997, p.15. 

OLIVEIRA, S. Janela da alma – pela prática da Biblioterapia. Natal, RN: CJA, 2017, p.47. 

PETIT, M. Leitura do espaço íntimo ao espaço público. São Paulo, SP: Editora 34, 2013, p.68. 

QUEIRÓS, B. C. Sobre ler, escrever e outros diálogos. São Paulo, SP: Global, 2019, p.90. 

REYES, Y. Ler e brincar, tecer e cantar. São Paulo, SP: Editora Pulo do Gato, 2012, p.83-84. 

SANTOS, K. R. “Navegar é preciso” – uma travessia entre a Literatura e a Psicologia. Monografia de conclusão do Curso de Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Orientação: Laura Cristina de Toledo Quadros, 2019. 

SEIXAS, C. Vivências em Biblioterapia – práticas do cuidado através da literatura. Niterói, RJ: Edição da Autora, 2014, p.80. 

SOUZA, C. Biblioterapia e mediação afetuosa da literatura. Florianópolis, SC: Edição da Autora, 2021, p.59. 

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Sobre a autora: Katia Regina dos Santos


Formação: Psicóloga Clínica com orientação em Gestalt Terapia, graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Pedagoga; Bióloga; Especialização em Psicopedagogia; Formação em Biblioterapia; Pós-Graduanda/Especialização em Biblioterapia e Mediação da Leitura Literária

CONTATOS:

E-mail  kreginapsi@gmail.com ou kpsirsantos@gmail.com

Instagram    @katiasantos.psicologa

                      @umpassarimliterario

Um comentário:

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