segunda-feira, 28 de março de 2022

A ARTE DO FIO FAZENDO ARTE - PARTE 1

 


Por Silvia Quaresma - SP

othila.arteterapia@gmail.com

 

A VIDA POR UM FIO

A vida é um fio

Vem do cordão umbilical que nutre, quando cortado, ensina viver

A vida é um fio

Que nos alinhavos da infância a história começa tecer

A vida é um fio

Que nos nós da adolescência, ensina crescer

A vida é um fio

Que nos embaraços da juventude ensina amadurecer

A vida é um fio.

Que na fluidez da maturidade ensina o saber

A vida é um fio

Que no limiar da existência sabe como romper


O ato de tecer, fiar e costurar pode ser observado desde a Pré História como comprovam descobertas arqueológicas: agulhas de ossos, múmias revestidas de tecidos, fragmentos de plantações de algodão.

O homem construía seus abrigos entrelaçando vime em varas de madeira, assim como produzia a cama que dormia. Este era o rudimentar começo da manufatura têxtil.

A origem do ato de tecer perde-se na noite dos tempos na memória humana. Surgiu da necessidade de cobrir e proteger o corpo das intempéries. A criatividade do ser humano cuidou de transformar a necessidade de sobrevivência em experiência e expressão artística.  (PHILIPPINI, 2018, p.60). 

As fibras eram retiradas das plantas e animais e surgiu a necessidade de produzir outras em laboratório: a fibra química artificial.

Com o passar do tempo o uso de fibras mais macias como linho, algodão, lã e pelos de animais contribuíram para a evolução do fio e consequente para uma fiação individualizada, passada de geração para geração.

Apesar do incontestável uso utilitário do fio, a relação entre ele e o individuo começa a fazer sentido quando a beleza surge na produção de arte. E nesta relação, o olhar para si mesmo convida Kairós a participar do processo e a Chronos para envolver-se com outra tarefa.

Os trabalhos podem durar o momento do processo arteterapêutico, ou horas, ou às vezes dias, meses. 

Usar fios nos processos arteterapêuticos é explicar a vida: ajuda a escolher o suporte, (costura, bordado), a tecer os vínculos onde laços e nós simbolicamente correspondem às conexões (tecelagem, crochê, tricô, macramê).  Processos de atar e desatar nós, construir vínculos, tudo é aprendizagem contínua. 

No processo arteterapêutico, tecer equivale a ordenar, a articular, a entrelaçar, a organizar, a apropriar-se do próprio fluxo criativo e existencial. (PHILIPPINI, 2018, p.61).

 E para fazer arte o fio pode encontrar diversos caminhos.

O Bordado, técnica que traz a ancestralidade, transmitida de geração a geração, ativa memórias afetivas e tem o poder de desinibir. Quantos conteúdos observados a partir da conversa facilitada pelos pontos ordenados. É um percurso demorado que tem insights em todas suas fases: a escolha do suporte, dos fios, a necessidade ou não de gráficos. E para um momento reflexivo a necessidade ou não do “avesso” perfeito.

A costura traz sempre uma recordação (boa ou não): há sempre a lembrança de uma pessoa próxima costurando, do barulho das máquinas, das conversas, do uso do dedal para a costura a mão. Dos trabalhos com o fio, o que mais rápido vincula o grupo é o costurar.

Dos trabalhos com o fio, o que mais rápido remete à ancestralidade é o crochê pois sempre é executado por uma avó, mãe, tia, vizinha, irmã, prima, alguém próximo e é lembrado.  Sua execução permite uso de uma enorme variedade de fios, incluindo alguns inusitados (cobre, sacolas plásticas cortadas e tudo que possa ser transformado em fios). É mais rápido que outras técnicas (tricô, tear, por exemplo) mas em compensação o material “rende” menos e é feito com agulha com um gancho na ponta.

O tricô traz a figura da matriarca da família numa cadeira de balanço. Técnica onde são usadas além do fio, duas ou mais agulhas. Costuma ser mais demorado que o crochê, porém o material utilizado “rende” mais.

O macramê é a arte de fazer nós, e como tal serve para estruturar. É preciso saber como apertá-los, como deixar espaços vazios e como harmonizar o todo.

A tecelagem traz uma série de recursos, desde a escolha do suporte, das cores, dos diferentes fios, de como fazer, como finalizar: 

No contexto arteterapêutico, a produtividade da tecelagem é grande: tecer, tramar, urdir, produzir tessituras, dominar o fio e com ele formar estruturas. (PHILIPPINI, 2018, p.61). 

Em minha experiência como arteterapeuta tenho trazido várias técnicas para usar fios. E em cada processo este recurso mostra que o domínio sobre o fio inexiste, assim o resultado esperado é sempre diferente do obtido.

O fio desinibe, contribui, conduz, orienta, ata, desata, movimenta.

E parafraseando Jorge Vercillo, mostra o avesso: 

“O mais importante do bordado
É o avesso, é o avesso
O mais importante em mim
É o que eu não conheço
O que eu não conheço

 

 

Bibliografia

PHILIPPINI. Linguagens e Materiaias Expressivos em Arteterapia: uso, indicações e propriedades  Rio de Janeiro: Wak. 2018.

________________________________________________________________________________

Sobre a autora: Silvia Quaresma



Arteterapeuta

AATESP 665/0720

Graduada em Letras, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema - SP

Pós-Graduada em Finanças, Ibmec - SP

Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade – Instituto Freedom – Faculdade Vicentina em parceria com NAPE

Professora especialista de artesanato

Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia

Idealizadora Othila Arteterapia em ação (@othila.arteterapia)

Idealizadora do Fio que sente (@fioquesente)

Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários

Atendimento em Arteterapia (individual e grupos)



4 comentários:

  1. Silvia, que texto maravilhoso e rico de possibilidades de trabalhos com os fios. Ao ler o texto, sou imediatamente remetida ao passado, à infância e às memórias de minhas ancestrais na lida com os fios e a insistente tentativa de minha avó para que aprendesse crochê ou tricô: fiquei com bordado da minha maneira.. Obrigada pelo passeio... Parabéns !

    ResponderExcluir
  2. Muito bonito e inspirador seu artigo. Parabéns pela sua clareza, sensibilidade.

    ResponderExcluir
  3. Maravilhoso texto! Me remeteu a tempos de crises que recorri ao bordado, sem saber buscava interiorizar e me curar! Hoje entendo todo o poder da Arteterapia!

    ResponderExcluir
  4. Angelica Calcopietro Duarte13 de julho de 2022 às 09:52

    Maravilhoso texto! Me remeteu a tempos de crises que recorri ao bordado, sem saber buscava interiorizar e me curar! Hoje entendo todo o poder da Arteterapia

    ResponderExcluir