Pitangas
Por Claudia Maria Orfei Abe -
São Paulo/SP
leonardo.claudia@gmail.com
Minha amiga Rita Maria me
presenteou pitangas!
Na mesma noite fiquei
pensando: esta pitanga pode dar uma sessão de arteterapia. Separei uma
parte e levei comigo até a casa de meu pai.
Iniciamos a sessão
arteterapêutica como sempre; meu pai aos 86 anos e minha tia materna com 93
anos em 08/09/2020. Coloquei algumas pitangas em dois pratinhos, um para cada. Falei
que iriam desenhar e pintar pitangas, e que as frutinhas verdadeiras serviriam
de inspiração. Cada um escolheu um material. Pai escolheu pincéis, papel e
pastilhas para aquarela. Tia escolheu papel canson e lápis de cor aquarelável
(ofereci este por ser mais macio).
Minha tia ainda tem pânico ao
ver folha em branco, sem desenho, então olhamos algumas fotos de ramos de
pitangueira no Google, pelo celular, até ela escolher uma foto. Eu me baseei na
foto escolhida e fiz um desenho parecido à lápis e ela foi apontando onde
acrescentar alguma folha verde no desenho. Desenhei também as pitangas
distribuídas ao longo do galho. Já o meu pai, preferiu ele mesmo fazer o
desenho enorme da suposta pitanga.
Durante a sessão, lembrava-os
que deveriam olhar para as pitangas reais para se inspirarem.
Para a minha surpresa, meu pai
acabou trocando a aquarela pelo lápis aquarelável. Pintava, retocava, voltava,
acrescentava, pintava mais forte. Minha tia numa velocidade uniforme foi
pintando em tom suave, percorrendo todo o desenho. Demorou-se apenas na
primeira folha verde.
De repente, quando olho, meu
pai tinha comido uma pitanga !
Ao terminarem a pintura,
sugeri uma nova experiência que eles toparam no mesmo instante: colocar água na
pintura por meio de pincel e ver o que aconteceria. Ofereci primeiramente um
pincel fino. Logo em seguida, meu pai trocou sem eu perceber, por um pincel bem
mais grosso. E assim foram surgindo as cores vibrantes.
Ele optou por não pintar a
parte verde que ele caprichou tanto passando várias vezes três tons de verde. Ela,
por outro lado, colocou água em todo o desenho.
Esta
atividade nos remete ao movimento artístico Impressionismo, no qual o
pensamento analítico do artista foi sendo substituído pela visão:
Os
impressionistas ocupavam-se exclusivamente da sensação visual, e defendiam que
a experiência da realidade que se realiza com a pintura é uma experiência plena
e legítima. (MORAES, 2019, pág 149)
Eis que chegou o momento de
colocar o título nos trabalhos.
Quando fomos para o
compartilhamento, minha tia falou seu título em voz alta: “Ramo com folhas e
cerejas”. “Tia, eu falei o tempo todo PITANGAS!” - Ela caiu na
risada.
Meu pai sentiu dificuldade em
dar o nome. Quando eu falei que eram PITANGAS, ele disse: “Não era maçã?” -
E terminou dando o título de “Tomate”!
“a
pintura não deve representar o que está diante dos olhos, e, sim, o que está na
retina do pintor”. (MORAES, 2019, pág.154)
Pai: “Tomate”
Tia: “Ramo
com folhas e cerejas”
Olhei o pratinho dele,
restaram apenas os caroços, ele comeu todas as pitangas!
Para a palavra final, minha
tia simplesmente definiu toda a sessão: “Confusão”.
Esses dois estão me deixando
maluca!!!
Nota: Este texto serve de
alerta para todas as pessoas que fazem atividades com idosos. Evitem deixar
objetos pequenos sobre a mesa de trabalho durante a atividade, para evitar
riscos de deglutição, engasgo e/ou possível aspiração do objeto. Fiquem
bastante atentos pois quando vai ver, já foi!
Bibliografia
MORAES, Eliana – Pensando a Arteterapia: volume 2 /
Eliana Moraes. 1. ed. – Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial, 2019.
Se você quiser ler meus textos
anteriores neste blog, são eles:
O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
Escrita prá lá de criativa –
27/09/20
Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20
Tempo de Corona Vírus, Tempo
de se Reinventar – 13/04/20
Minha Origem: Itália e Japão –
17/02/20
Salvador Dali e “As Minhas
Gavetas Internas” - 11/11/19
“’O olhar que não se perdeu’:
diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
Sobre a autora: Claudia Maria
Orfei Abe
Arteterapeuta – atuei em
instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e
acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência
para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.
Atendo em domicílio e on line.
Sensacional a sua proposta! Quanta criatividade. Adorei.
ResponderExcluirProposta excelente! Ri, com o desenvolvimento da atividade, mas sem dúvida, existe um pacto amoroso entre vocês. Resultado delicioso: tomate e cerejas... Parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluirGostei muito da atenção e carinho com eles , lendo o texto parece que que estamos presenciando a sessão , parabéns 🌷
ResponderExcluirMuito divertido, esse processo, assim que senti ao ler sua vivência com eles , realmente a percepção é pessoal... Parabéns, fico encantada com está proposta.
ResponderExcluirCereja, maçã, tomate ou pitanga, o importante foi o processo de construção, as sensações experimentadas e os momentos felizes que tiveram!! Parabensss
ResponderExcluirCláudia Abe, como é divertido ler seus textos.A definição da "tia"sobre a sessão foi demais!!! Novamente, parabéns e grata por compartilhar a riqueza destas experiencias!
ResponderExcluirCláudia, seu texto é leve e divertido como você. Seu pai e sua tia com certeza passam momentos ótimos com suas sessões. Parabéns! Beijos
ResponderExcluirQue delícia ler seus textos... sua linda arte como as pitangas!!!
ResponderExcluirO mais legal, além de todo o processo arte terapêutico, foi a liberdade e satisfação (acredito eu) dos dois pacientes-artistas darem o título que veio do coração! Pitangas, maçãs, cerejas, etc...tá tudo maravilha! Beijos, Cláudia! 😘💚
ResponderExcluirQue sessão!
ResponderExcluirA dedicação do seu pai e da sua tia são admiráveis.
O seu texto dá a clara sensação que estamos na sessão ao vivo... acompanhando.
Parabéns! Este seu trabalho com o seu pai e tia é muito lindo!
E no fim tudo certo.
Que venham mais cerejas, maçãs e pitangas para a alegria deles e a nossa...
Do maridão,
Leonardo
Que Delícia ler o seu texto e como mencionaram, tive a sensação de estar lá com eles e tem mais, eu seria uma que cometia as pitangas, essa feirinha tão pequenina é carregada de memórias afetivas. Parabéns Cláudia, a sua dedicação para com eles é admirável!
ResponderExcluirDígito e sai tudo errado. Eu comeria , também, essa frutinha carregada de memórias
ResponderExcluirKkkkkk Ainda bem que foi engraçado e não trágico seu pai comer as pitangas!!!
ResponderExcluirNossa tem muita aqui no rancho!
E que interessante, no começo eles tinham a intenção de pintar pitangas mesmo, né?Mas no final ambos não viram suas obras como pitangas, perceberam que ficaram um pouco diferentes. E dá pra sentir que se divertiram...Gostei de ver!!!Agora é temporada de mangas Cláudia, que tal?Beijos a todos vocês!
Mais uma vez parabéns pelo belo e dedicado trabalho que você realiza com seus amados entes. Quiçá todas as pessoas que lidam com idosos tivessem essa pré disposição para em primeiro lugar, entender o quadro que se encontram. Segundo, procurar estabelecer uma conexão com estes idosos de forma harmônica, mesmo sabendo das dificuldades, e terceiro, ter o senso de gratidão e retribuição aos mesmos pelo legado que eles deixaram de amor, compaixão e generosidade! Feliz Natal a todos vocês e fiquem com Deus!
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