segunda-feira, 15 de outubro de 2018

DESENHANDO E PINTANDO COM A TESOURA COMO O VOVÔ MATISSE




Por Tania Salete – RJ, atualmente residindo em Fortaleza CE
taniasalete@gmail.com

“É preciso enxergar o mundo com os olhos de criança”
Henri Matisse

INTRODUÇÃO:

            Dentre todas as lutas internas e externas que travamos, a capacidade de manter um “olhar de criança” sobre as realidades da vida é um desafio. Independente de nossa idade, preservar o olhar, a percepção infantil, traz leveza e muita gratidão ao coração. A vida certamente tem outras cores e formas quando conseguimos abrir este espaço em nós.

Matisse, o grande mestre e gênio, nos estende este convite através de seus últimos anos de vida, com belíssimos trabalhos dedicados à colagem.

Henri Matisse, nasceu na França em 1869, foi   pintor, desenhista, gravurista, escultor e um dos fundadores do “Fauvismo” – o primeiro movimento da arte moderna do século XX.  Foram assim denominados após a participação no Salão de Outono de 1905, em Paris, ao lado de outros artistas que já não aderiam mais suavidade da paleta dos impressionistas. Preferiam as cores fortes, traços mais expressivos e pinceladas bem marcadas. A crítica detestou esta ousadia e os artistas foram chamados de “fauves” (“bestas selvagens”). Surgiu então o Fauvismo, termo pejorativo para definir este movimento, mas que acabou sendo benéfico para divulgação e maior expansão das obras de Matisse, permitindo-lhe muitas viagens pela Europa, África, Ásia, conhecendo novas tendências e sendo por elas influenciados.

“UNE SECONDE VIE”



Após uma carreira bem consolidada, aos 71 anos, Matisse foi diagnosticado com câncer. Após duas cirurgias e pouca expectativa de vidaa, ficou acamado e cadeirante, sem possibilidade de pintar. Foi um tempo bem difícil, de muito sofrimento e dor para o artista. Entretanto, sua capacidade de reinventar-se, a resiliência diante da situação e a imensa vontade de manter-se produzindo, criando, foi mais forte e impulsionou-o à uma das melhores fases de sua vasta produção.
             “Une seconde vie”, uma segunda vida, foi assim que ele chamou seus últimos 14 anos de vida, que soube aproveitar como uma “fera selvagem”, aprofundando uma técnica iniciada em 1937. Matisse descrevia seu processo de criação nesta fase como “pintura com tesouras”, o que para ele jamais deixou de ser uma renúncia a pintura ou a escultura, mas uma espécie de aprimoramento e aprofundamento, com maior liberdade e intensidade de expressão. Matisse disse: “Só o que eu criei depois da doença constitui meu eu real: livre, liberado”. 
            Este novo estilo de viver levou-o a uma extraordinária explosão de expressão, com a simplicidade e vivacidade do olhar de uma criança.  Uma revolução radical em sua carreira que lhe permitiu criar o que sempre desejou: 
                         “Eu precisei de todo esse tempo para chegar ao estágio em que posso dizer o que quero dizer”.    Henri Matisse
 A técnica utilizada consistia em criar formas espontâneas, recortadas livremente em papel, muitas vezes em grande escala, chamadas de “guaches de découpés”. Depois eram pintadas com cores bem vivas e coladas nas paredes de seu quarto-ateliê. Assim, Matisse criava um mundo original, semelhante a um jardim, com formas, cores bem vivas e alegres. Uma celebração à vida envolvia o artista!        

                          "(...)o meu prazer pelo recorte aumenta a cada dia que passa! Por que é que não pensei nisto antes? Cada vez me convenço mais que com um simples recorte se pode expressar as mesmas coisas do que o desenho e a pintura”.    Henri Matisse

UNIVERSO INFANTIL NA MENTE DO VOVÔ MATISSE

Inicialmente, as colagens de Matisse sofreram resistência por parte dos críticos, devido a simplicidade foram comparadas a brincadeira de criança ou “distração de um velho doente”. Na época, as colagens não foram levadas a sério e nem se percebia a inovação radical desse trabalho, muito menos a escolha de cores, formas e como eram complexas e interessantes. Sobre a coragem e esforço para inovar, disse Matisse:      
“(...)o esforço necessário para libertar-nos exige uma espécie de coragem; essa coragem é indispensável ao artista que deve ver todas coisas como se as visse pela primeira vez; é preciso ver a vida inteira como no tempo em que se era criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma maneira original de expressão, isto é, pessoal”.
            Quando uma criança está diante de algo novo é tão agradável perceber o maravilhamento que a envolve, quantas possibilidades brilham em seus olhos, quanto desejo de usufruir do objeto admirado. Imagino que este mesmo sentimento envolvia Matisse diante de seus recortes e colagens. Como uma criança diante de algo completamente novo e cheio de possiblidades para uma mente tão criativa.
            O desenho no mundo infantil é algo natural e muito prazeroso, assim como pintar, colar, recortar, rasgar. Porém, o desenho é uma das maneiras que a criança tem de se comunicar, de expressar seu universo e de como se sente no mundo que a cerca. 
            Outro fato é que frequentemente elas preferem desenhar ou pintar aquilo que querem e não necessariamente aquilo lhe mandam fazer, pois apreciam a liberdade de criar, de expressar-se do seu jeito.  
            Segundo Nancy Rabello, “a criança quando desenha traz imagens mentais para o papel e cria sua obra de arte. Isso significa transformar o que tem na sua imaginação em linguagem artística”. (p 21).

UMA VIVÊNCIA ARTETERAPÊUTICA

      Em uma oficina criativa para um grupo de crianças, foi apresentada a obra de Matisse através da exibição de um vídeo bem curto, em desenho animado, focado nos últimos anos de seu trabalho. As crianças foram estimuladas a criar recortes do jeito que desejassem e depois poderiam colar em uma folha. A proposta era: vamos pintar de maneira diferente; vamos pintar como fez o Vovô* Matisse, usando a tesoura. Eles escolheram as folhas coloridas de gramaturas diferentes e rapidamente a liberdade de criar tomou conta do ambiente. Foi possível perceber o impasse de alguns quanto a forma que escolheriam, a dificuldade de outros com a tesoura, como organizar seus recortes na folha, o lidar com a frustração, pois nem sempre a imagem estava de acordo com o que imaginavam fazer, as inúmeras tentativas de cortar, o papel rasgar por aplicar mais força do que deveria, como  colar desta ou daquela forma. Os resultados foram muito interessantes, mas a melhor parte foi o prazer que as crianças sentiram em fazer uma obra de arte com a liberdade e com um instrumento diferente, no caso a tesoura.  
A vida de Matisse é uma inspiração em muitos aspectos, pela sua obra grandiosa, por sua capacidade de superação e por não abrir mão de seu olhar de criança sobre o mundo, as cores e as formas da vida. 
“Meu papel é apaziguar. Porque de minha parte, eu também preciso de apaziguamento."
Henri Matisse

*Pelo fato de Matisse, no vídeo ser um idoso, as crianças o chamaram de Vovô Matisse.

Bibliografia: 
Rabello, Nancy – O desenho infantil – Ed Wak, 2013
Oaklander, Violet – Descobrindo crianças – 17ª edição – Summus Editorial
Textos do Blog Não Palavra
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Sobre a autora: Tania Salete

Graduação em fonoaudiologia, pós graduação em psicopedagogia. Especialização em Arteterapia pela POMAR, Rio de Janeiro, atuando com grupos terapêuticos e de apoio em casa de recuperação feminina e masculina. Atualmente residindo em Fortaleza.

Instagram: .instagram.com/caminhartes.arteterapia/
Blog: caminhartesarteterapia.blogspot.com/

6 comentários:

  1. Vovô Matisse e crianças.
    Perfeita integração.
    Linda inspiração.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito interessante. Foi uma fonte de inspiração para uma de minhas atividades. Gratidão.

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  4. Adoro Matisse pela liberdade que expressa. Obrigada Tania por lembra-me dele. Saudades
    Bjs

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  5. Parabéns! Tania, você proporcionou às crianças momentos de construção interior e da poética visual! Muito bom! E também, celebrou um dos maiores artistas, com sua delicadeza de alma! Ótimo trabalho! Bjs.

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  6. Fantástico ver como podemos expor criancas à arte sem o pedantismo que os adultos têm com esse tema.

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