segunda-feira, 22 de maio de 2017

GRANDES ARTISTAS NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA: ABRAHAM PALATNIK


Por Eliana Moraes
naopalavra@gmail.com 

Há algum tempo pensar sobre os artistas tem me instigado. Penso que dentre a pluralidade humana, os artistas são seres que possuem uma sensibilidade singular às questões mais profundas da alma. Possuem o dom de perceber, sentir e expressar através das mais variadas linguagens da arte, emoções que todos sentimos, mas não sabemos nomear ou traduzir.  

A sensibilidade do artista pode se manifestar nas esferas coletiva/social/cultural ou individual. Quanto à primeira, podemos pensar na História da Arte como a história da humanidade registrada ao olhar não dos historiadores ou jornalistas, mas a partir do olhar tão sensível do artista. Como exemplo podemos citar os dadaístas, aos quais as expressões artísticas estavam altamente atravessadas pelo contexto social da época, a Primeira Guerra Mundial.  

Na esfera individual, quantos artistas podemos trazer à memória aos quais a arte serviu como expressão e instrumento de elaboração de emoções tão profundas, despertadas a partir de suas histórias, mas para além da singularidade de cada biografia, sentimentos que pertencem ao ser humano. Como exemplo, Frica Kahlo, que não esconde o quanto a arte lhe fez suplência para o atravessamento de uma biografia tão intensa. Suas telas nos impactam, tamanha potência das emoções ali expressadas. Naturalmente nos impactam porque, de alguma forma, também nos pertencem.  

Nise da Silveira considera o artista como: 

 “‘um homem coletivo que exprime a alma inconsciente e ativa da humanidade’. No mistério do ato criador, o artista mergulha até as funduras imensas do inconsciente. Ele dá forma e traduz na linguagem de seu tempo as intuições primordiais e assim, fazendo, torna acessíveis a todos as fontes profundas da vida.” (SILVEIRA, 2007)

Assim, vejo como essencial que o arteterapeuta se dedique a conhecer sobre os mais variados artistas em seus mais variados contextos: suas biografias, obras, processos criativos e movimentos artísticos. Primeiramente porque tornar-se íntimo dos artistas exercita a sensibilidade para expressão e escuta através da arte. Além disto, oferece subsídios para a prática da Arteterapia em sua riqueza de possibilidades!

Hoje o protagonista: Abraham Palatnik

Uma obra de arte não deve transmitir mensagens, mas ter vida própria. Não pode ser mero suporte de uma mensagem como um telegrama, que depois de ser lido jogamos fora.” Palatnik





Uma das formas de se conhecer grandes artistas está em frequentar exposições de arte oferecidas pela cidade. E foi assim que conheci Abraham Palatnik. No período entre 1º de fevereio a 24 de abril de 2017 o Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro manteve em cartaz a exposição “Abraham Palatnik: A reinvenção da pintura”. Palatnik, um artista brasileiro ainda vivo, nascido em natal em 1928. Uma das formas de se conhecer grandes artistas está em frequentar exposições de artes oferecidas pela cidade. E foi assim que conheci Abraham Palatnik e desde então venho pensando e escrevendo sobre este inspirador artista brasileiro, ainda vivo, pioneiro da arte cinética. No período entre 1o de fevereiro a 24 de abril de 2017, o Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro manteve em cartaz a exposição "Abraham Palatnik: a reinvenção da pintura". Nesta riquíssima exposição, tive a oportunidade de conhecer várias fases do artista aos quais aos poucos, venho me aprofundando e pensando sobre possibilidades de diálogos com a Arteterapia, em seus estímulos e práticas. Neste texto compartilho minhas reflexões até o momento.


Minha primeira surpresa na exposição se deu quando descobri que o artista viveu parte da sua infância e adolescência na Palestina, onde teve a oportunidade de estudar arte. Retornou ao Brasil e ao final dos anos 40 foi convidado a visitar o Hospital Psiquiátrico Pedro II, onde conheceu o trabalho da dra Nisa da Silveira. Palatnik fica profundamente impactado com as obras dos pacientes, sobretudo de Raphael Domingues e Emygdio de Barros. Perguntava-se como aquelas pessoas produziam imagens tão densas sem jamais terem passado por uma escola de artes ou objetivarem qual o significado da expressão “arte”. Assim o artista entrou em crise com a pintura e concluiu: “Pensava que eu era um artista formado. Resolvi começar de novo. A disciplina escolar, de ateliê, não servia para mais nada.” E foi assim que começou o seu processo de reinventar a pintura.

Seguindo sua intuição e desenvolvendo um estilo muito próprio, Palatnik acabou por flexibilizar as fronteiras entre a pintura e a escultura. O artista não abre mão da artesania,  o que podemos perceber pelo uso de materiais como o vidro, barbante, cartão e hastes metálicas, elementos baratos e abundantes no comércio varejista e popular. Naturalmente, seu processo criativo como artista e inventor, refletia em seu ateliê, que poderia ser confundido com uma oficina, “lugar de concepção do novo”, que continha materiais industriais e cotidianos, parafusos, pregos além de aparatos eletrônicos criados pelo próprio artista.
(foto da exposição no CCBB-RJ)


Aqui, vale destacar que Palatnik e seu processo criativo nos inspira como arteterapeutas a medida em que ampliamos nosso olhar para a riqueza de possibilidades em materiais que podem ser utilizados no ato de criar. A expressão em arte se dá à medida da (liberdade) criatividade. Sendo assim, o ateliê/consultório do arteterapeuta deve conter materiais muito atém dos clássicos de desenho ou pintura, mas tudo aquilo que possa servir de subsídio para o despertar da intuição do cliente/paciente em seu singular processo criativo.


Rompendo as fronteiras das categorias estabelecidas:

“Eu me considero um pintor embora ao longo do tempo eu tenha mudado radicalmente a forma como a pintura aparece [...] Gosto de experimentar várias técnicas, realizar trabalhos com motores e articulações. Não considerei a pintura especificamente como uma finalidade absoluta.” Palatnik

Palatnik segue seu caminho, sempre aberto ao novo e ao diálogo com tudo aquilo que poderia compor sua expressão, sua arte. Segue agregando a tecnologia, mecânica, luzes, movimentos, motores, até que em 1951 marcou a arte cinética no mundo quando trouxe o primeiro “Aparelho Cinecromático”. Utilizando motores e luzes em sua estrutura (e a primeira obra desta série ainda possuía barbante em seu interior), o aparelho ampliava o termo “escultura” na história da arte e ainda mantinha um diálogo profundo com a pintura.

Conta-se que esta obra foi julgada para participação na 1ª Bienal de São Paulo, mas decidiu-se que não faria parte da exposição porque “não era pintura, nem escultura, não dava para encaixar”. Porém, devido à ausência da delegação japonesa, seu “Cinecromático azul e roxo em primeiro movimento” foi incluído na Bienal e por fim recebeu menção honrosa do júri internacional.

Esta passagem na história de Palatnik me tocou de forma particular pois ilustra momentos em que há uma demanda externa para o “encaixe” naquilo que é tradicional. Palatnik em seu processo criativo nos ensina sobre a liberdade no criar, para além de categorias pré estabelecidas, mantendo-se comprometido e fiel ao que há de mais essencial: sua arte.

Palatnik nos inspira como arteterapeutas que buscam seu estilo próprio de trabalho a partir das mais variadas influências teóricas. Inspira também aos clientes/pacientes de Arteterapia, que vão utilizar como matéria prima do ato criativo sua mais profunda intuição.


"Minha função como artista é disciplinar o caos." Palatnik

Se por um lado Palatnik nos inspira quanto à liberdade no ato de criar, por outro, nos lembra que muitas vezes a criação funcionará como um processo organizador. O artista trás como reflexão os inúmeros estímulos sensoriais puros que vamos captando no dia a dia - o caos - e o processo de torna-las percepções a partir da ação cerebral, transformando "o complicado em simples", buscando "... alguma coisa derivada do caos que atinja um certo ritmo..."  

Esta citação me impressiona e inspira para a prática da Arteterapia, pois muitas vezes os clientes/pacientes que recebemos no setting arteterapêutico apresentam-se em forma de caos, das mais diversas ordens. Desta forma, a função da arte e o despertar do artista naquele sujeito será justamente para a organização do caos.


Para visualizar e saber mais sobre a obra de Palatnik, recomendo o documentário "Disciplina no caos: Ocupação de Abraham Palatnik", disponível no youtube.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!

* As citações e referências deste post foram extraídas de legendas da exposição “Abraham Palatnik: A Reinvenção da Pintura” e do documentário "Disciplina no caos: Ocupação de Abraham Palatnik"
No período entre 1º de fevereio a 24 de abril de 2017 o Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro manteve em cartaz a exposição “Abraham Palatnik: A reinvenção da pintura”. Palatnik, um artista brasileiro ainda vivo, nascido em natal em 1928.
Referências Bibliográficas:
Silveira, Nise. Jung Vida e Obra

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