segunda-feira, 6 de julho de 2015

Um olhar sobre a formação de um Arteterapeuta

por Maria Cristina de Resende

Nise da Silveira

A Arteterapia enquanto ocupação profissional é recente no Brasil, ainda que a expressão das questões humanas já fossem presentes desde os primórdios da humanidade. Mas nas décadas de 40 e 50, a pioneira Nise da Silveira trouxera para o ambiente psiquiátrico hospitalar, à partir da iniciativa do Dr. Fábio Sodré, a terapia ocupacional como possibilidade de tratamento para os doentes mentais crônicos e alguns casos agudos. À partir dessa inserção e dos primeiros resultados obtidos – sempre alvos de descrédito pela categoria médica – o trabalho foi ganhando cada vez mais corpo e aqueles que participavam do projeto começaram a receber aprimoramento técnico-teórico sobre o manejo do trabalho. Para Nise era muito importante a capacitação do monitor que estava ao lado do doente e por isso era oferecido cursos intensivos no Hospital Pedro II para a formação de monitores, e as seguintes disciplinas eram ministradas: Noções de Psicopatologia, Noções de Psiquiatria e Noções de Teoria da Terapêutica Ocupacional. Sobre a formação Nise disse:
Tínhamos a convicção de que se o monitor de uma oficina, hábil no seu ofício, não adquirisse alguns conhecimentos de psiquiatria e de teoria da terapêutica ocupacional, teria sempre muito maior interesse pelos trabalhos realizados do que pelos doentes. Entusiasmar-se-ia pelo ‘doente bom’, isto é, aquele capaz de uma produção quase normal e acharia absurdo ‘perder tempo e material’ com pacientes em estado de profunda regressão, que mal poderiam fazer coisas inúteis”.
Reconheço essa crítica quando ouço profissionais valorizarem a estética da obra mais que o seu processo de criação. É a cultura do “como ficou bonito”! Penso que não importa se é belo ou não, mas é no impacto que ela exerce sob quem a fez durante e depois de fazê-la que habita a beleza da Arteterapia.

Voltando a Nise, um profissional poderia me questionar dizendo que não trabalharia com doentes mentais e por isso tais conhecimentos seriam desnecessários diante de sua prática. De fato esta é uma opção de trabalho, ainda que pudéssemos discorrer por um longo tempo o conceito de doença mental, mas ainda que um profissional, hoje chamado de Arteterapeuta, não se debruce sobre as patologias psiquiátricas, estará diante de um indivíduo que tratará sua mente e suas emoções, e a partir desses elementos e através deles que qualquer terapêutica se dedicará. Por conseguinte, Jung em Psicogênese das Doenças Mentais, nos diz que a estranheza dos conteúdos do inconsciente não define um indivíduo como esquizofrênico, já que todos nós possuímos tais conteúdos. A diferença está na habilidade de lidar com eles, logo, o não louco transita pelo mesmo território que o louco, apenas não se aproxima do núcleo psicótico, já o louco o ultrapassa. Ele também fala sobre a psicose latente, explicando que esta se esconde por trás de uma neurose. Por isso, aquele profissional, que escolheu não atender psicóticos, pode receber em seu consultório/ateliê um neurótico nosso de cada dia que pode na verdade encobrir uma psicose latente. E se ela, durante o “lindo” processo criativo irromper? Como proceder?

Então chegamos à questão da formação do profissional de Arteterapia hoje, 60 anos depois dos primeiros passos da Dr. Nise da Silveira.

Sara Pain

Sara Paín, argentina Psicóloga e Doutora em Filosofia, nos dá um grande acréscimo teórico em sua publicação Fundamentos da Arteterapia, publicado pela Vozes em 2009, onde ela apresenta todo um pensamento sobre o que constitui a Arteterapia e seu corpo prático e teórico. E assim como Nise, porém dentro do conceito atual de Arteterapia, ela nos traz a seguinte questão a respeito da formação do profissional da área:
“Visto que hoje em dia a Arteterapia é mais uma atividade que uma disciplina institucionalizada, convém definir quais são os conhecimentos e cultura necessários para organizar um ateliê com fins terapêuticos. Eles pertencem basicamente a três campos: o da técnica das atividades plásticas, o da psicologia da representação e da psicanálise, e, por último, o domínio da arte, de sua significação e de sua história. Para não assustar os potenciais candidatos, é preciso assinalar que a cultura assinalada não implica numa especialização em cada uma dessas disciplinas, mas exige tratamento contínuo bem determinados, de conhecimento teórico e prático”.
Essas citações vieram ao encontro com algumas reflexões que venho fazendo à partir da observação de textos, oficinas, aulas, conversas e outros encontros onde fui sentindo cada vez mais a necessidade de encorpar tudo o que me fora transmitido, pois fui percebendo que a prática a qual me dedicava estava se tornando uma prescrição de receitas deixando pouco, ou quase nenhum espaço para a criatividade espontânea, para a produção livre que desencadeia de fato o processo criativo, único e individual à partir da relação do indivíduo com os materiais e o espaço oferecido.

O discurso sobre o uso de materiais estruturantes para pessoas desorganizadas e materiais mais fluidos para os mais obsessivos foi ficando cada vez mais raso diante da imensidão que se revelava para mim a cada descoberta em livros, vídeos e novas discussões. Os materiais possuem sim sua linguagem, mas será muito mais eficaz se forem descobertos pelo próprio paciente, sendo o arteterapeuta aquele que vai apontar os obstáculos ao longo do processo e sua “oferta” de material é para pontuar uma resistência, provocar uma reflexão ou ainda facilitar a expressão em alguns casos específicos.

Claro que essa apresentação acerca do papel do arteterapeuta está incompleta, e infelizmente assim ficará neste resumo, pois o objetivo dessa explanação é concluir que a replicação de técnicas acabara por revelar a minha própria limitação criativa dentro do encontro terapêutico, pois até então minha formação de base, a psicologia, abarcava as noções de psicopatologia e relação terapêutica, mas durante os estudos em Arteterapia pouco do âmbito das artes fora introduzido.
“A arte, através de sua história e suas variações, apresenta diversos códigos de significação, nos quais as produções individuais podem encontrar sentido. Quanto maior for o domínio da multiplicidade de códigos, mais facilmente o arteterapeuta descobrirá os valores (luz, cor, contraste, etc) com os quais o sujeito trabalha, e poderá ajuda-lo a enriquecer sua linguagem plástica e sua capacidade de simbolização. É necessário, portanto que o profissional seja um visitante assíduo de museus e exposições para acumular as diversas formas de ‘dizer’ das imagens. Requer tanto uma cultura artística como um saber técnico, além da capacidade de compreensão psicológica”.
Conclui com todas as minhas críticas e reflexões que ser um arteterapeuta é mais difícil que se pensa, seu alcance é mais profundo do que se pratica e por isso, a responsabilidade para uma boa formação deve abarcar tanto o estudo da arte quanto o estudo da psicologia como fundamentação teórica da profissão. Percebo, cada vez mais, a importância do estudo continuado em psicologia, técnicas e materiais, teoria e história da arte, como fundamental na formação de um bom profissional de arteterapia, seja para sua atuação clínica, educacional ou institucional, pois em qualquer uma delas estaremos sempre lidando com indivíduos, suas mentes conscientes e inconscientes, em seus processos criativos no caminho da individuação.

Eu estou buscando cada vez mais essa tríplice formação, e você?!

Links para complementar a leitura.

Referências Bibliográficas
PAÍN, Sara. Os fundamentos da Arteterapia. Vozes, 2009.
SILVEIRA, Nise. Terapia Ocupacional – Teoria e Prática.

CONTATO: naopalavra@gmail.com

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