segunda-feira, 17 de março de 2014

“É o ato que se inscreve.”


Por Eliana Moraes


            Ultimamente tenho pensado sobre a palavra e o ato. Nas nossas relações cotidianas podemos falar através de palavras, mas tenho observado que estas podem ser ditas despretensiosamente ou facilmente “levadas pelo vento”. Mas falamos também através do ato: como nos posicionamos, ou não – o que já é um posicionamento - perante o outro e às situações. E ouso dizer que é por este que verdadeiramente nos falamos. E é através dele que de fato nos responsabilizamos.
            Estas são reflexões aquecidas nos diálogos com minha supervisora, psicanalista, e trago aqui uma de suas frases que recorrentemente vem a minha cabeça: “As palavras são enganosas. É o ato que se inscreve.”

            E o que isto tem a ver com nosso objeto de estudos aqui, a arteterapia? As psicoterapias em geral são estruturadas em sua maior parte pela comunicação verbal. E não há dúvidas de que elas têm o seu lugar. Mas creio que a arteterapia propõe um processo terapêutico que por definição abre espaço para o ato; neste contexto, o ato criativo.
            Há algum tempo escrevi um texto para este blog chamado “O Repetir, a Atuação e o Ato Criativo” trazendo citações do clássico texto “Repetir, Recordar e Elaborar” de Freud e defendi:
“...ao perceber na minha prática como arteterapeuta, que vejo o Ato Criativo também como uma atuação...     Quando o paciente tem dificuldade de iniciar um trabalho, quando este trabalho fica vazio ou cheio, demasiadamente organizado ou desorganizado, com cores intensas ou cores pastéis, se se debruça sobre ele ou o executa de forma rasa, seus movimentos corporais..., são apenas algumas das maneiras do paciente atuar no ato criativo.


            Dando prosseguimento à reflexão, vejo ato criativo como um ato. É fala, sem palavras. Na sessão de arteterapia o paciente faz uso das palavras mas em paralelo tem a oportunidade de falar através do seu ato criativo. Seu atuar enquanto cria, como lida com cada material, quando por meio de formas, movimentos, composições e cores, produz. Ato.
Esta é a razão pela qual cada vez mais divido com meus colegas arteterapeutas e membros do grupo de estudos que coordeno como meu olhar tem se ampliado, não apenas para o simbolismo do resultado do trabalho, mas o processo criativo do paciente; pois ele é ato.
E se o ato, por si só é o que se inscreve, em arteterapia a medida que criação vai se “coisificando” (termo utilizado pela arte), naturalmente o ato se inscreve em objeto. Objeto que servirá para o confronto de um diálogo interno entre o autor e sua obra.

            Esta inscrição do ato em objeto é um fenômeno tão intenso, que merece uma reflexão específica em breve!

Nenhum comentário:

Postar um comentário