Por
Eliana Moraes (MG) RJ
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@naopalavra
No percurso de construção da
minha identidade profissional, houve um tempo em que me questionei sobre qual
seria a fronteira entre ser uma psicóloga que se utilizava de técnicas
expressivas e uma arteterapeuta propriamente dita. Intuitivamente busquei e encontrei
algumas respostas. Uma delas foi a necessidade de me dedicar ao estudo da Arte
em suas teorias, em especial a História da Arte.
De fato, esta foi uma grande
descoberta, antes de tudo como um ser humano inserido na história. Estudar
História da Arte amplia nosso olhar e percepções sobre a história da humanidade,
bem como a fatia da história ao qual estamos inseridos. No que se refere a
arte, ao longo do tempo ela desempenhou diversos papéis, sendo sempre um dos
pilares de sustentação da construção da história e seu registro.
De posse destes estudos, pude
entender o arteterapeuta como um portador da arte e do ofício de oferece-la ao
social em nossos tempos e tudo o que ele contém. Este insight trouxe a mim o
impacto de compreender a magnitude da profissão que abracei.
Os estudos sobre História da
Arte começaram intuitivamente e continuaram de forma um tanto autônoma. O
diálogo com a Arteterapia como embasamento teórico e inspirações práticas foi
tomando forma ao longo do caminho. Até que senti a necessidade de formalizar
estes estudos e me apropriar deste conteúdo. Decidi cursar um MBA em História
da Arte e definitivamente entendi que este é um estudo fundamental para alguém
que se reconhece como um arteterapeuta. Chegado o tempo de avaliações finais
deste curso, me sinto motivada a compartilhar alguns fragmentos deste percurso
tão instigante!
Considero-me ainda (e
eternamente) uma estudante de História da Arte, pois ela abarca um mundo de
conteúdos não tão próximos de minha formação original, a Psicologia.
Entretanto, percebo que esta ponte entre História da Arte e Arteterapia não é
um conteúdo muito explorado em nosso meio. Acredito que permanecer na motivação
original do blog Não Palavra – compartilhar enquanto estudo – pode ser
estruturante para mim mesma e de alguma forma colaborar para que outros
arteterapeutas também sejam “picados pelo bichinho” da História da Arte e suas
aplicabilidades na Arteterapia.
Por
que História da Arte na Arteterapia?
Na construção da história da
humanidade, alguns atores sociais sempre estiveram presentes e entre eles, o
artista. Dentre a pluralidade humana, os artistas são aqueles seres sensíveis
às questões mais profundamente humanas. Eles têm o dom de captar, sentir e
expressar conteúdos que pertencem ao coletivo traduzindo-o na linguagem de seu
tempo. Nas palavras de Nise da Silveira:
“O artista é ‘um homem coletivo que exprime
a alma inconsciente e ativa da humanidade’. No mistério do ato criador, o
artista mergulha até as funduras imensas do inconsciente. Ele dá forma e traduz
na linguagem de seu tempo as intuições primordiais e assim, fazendo, torna
acessíveis a todos as fontes profundas da vida.” (SILVEIRA, 1981, p 161)
Na esfera individual, o
artista pode trazer temas autobiográficos e expressar emoções a partir de sua
própria história. Entretanto, ao contemplarmos sua obra, podemos identificar
conteúdos que pertencem à humanidade. Um grande exemplo é Frida Khalo, que nos
conta sua biografia em sua obra, ao mesmo tempo em que podemos nos identificar e
nos reconhecer em suas pinturas.
Na esfera coletiva, o artista inserido
no social, pode constelar em suas obras os movimentos culturais de seu tempo,
fazendo um espelhamento à humanidade sobre o que tem produzido para si. Exemplo
disto é o movimento dadaísta, movimento emblemático do início do Séc XX, que em
sua essência denunciava a dor humana diante da Primeira Guerra Mundial.
Ezra
Pound, poeta e crítico literário americano, em seu livro “ABC da literatura”
diz-nos que todo grande artista é um “antena da raça”, pois funciona
como uma espécie de radar dos anseios e dos objetivos sociais e psíquicos do
mundo, aos quais consegue captar e revelar de forma simbólica em suas
obras. Ele captura tudo o que os desejos humanos querem ou precisam ver, ouvir,
aprender, descobrir e entender de seu momento histórico.
Em outras palavras, Wassilly
Kandinsky, pintor e teórico, diz-nos em seu livro “Do espiritual na arte”, que “Toda obra é filha de seu tempo e,
muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos”.
Neste contexto, cada vez mais
tenho acreditado na eficácia do estudo sobre a História da Arte pelos
arteterapeutas, para que tenham acesso e compreendam a magnitude da expressão
artística ao longo da história e possa desenvolver a escuta e o método de
aplicá-la em sua prática na Arteterapia.
A
História da Arte aplicada à Arteterapia
Na prática,
a História da Arte se mostra um riquíssimo instrumento de trabalho para o arteterapeuta.
Sendo por definição, a expressão de conteúdos profundamente humanos ao longo da
história, carregam em si um grande potencial de identificação e projeções
por parte dos espectadores/ experimentadores da Arteterapia.
Demonstra-se também um
estímulo bastante “democrático”, pois alcança todos os perfis de público em
diferentes idades, escolaridades, religiosidades, perfis psicológicos, ou
capacidade cognitiva para a abstração/simbolização. Basta apenas adequar a maneira de apresentá-la.
Como estímulos geradores,
apresenta algumas especificidades: tratam-se de fatos, histórias reais,
localizadas no tempo e no espaço, tornando-se assim imagens mais próximas e de
fácil acesso ao experimentador da Arteterapia, pois frequentemente não são totalmente
desconhecidas. Por vezes, são referências que são mencionadas no dia a dia ou
atualidade, como, por exemplo, quando trazemos ao setting arteterapêutico o
tema de alguma exposição ativa na cidade.
Em minha prática ao sustentar grupos
arteterapêuticos permanentes, a História da Arte como fonte de inspiração mostrou-se inesgotável, além de muito estimulante. De toda forma, demanda uma vasta pesquisa e estudo para convertê-la
em embasamentos teóricos e vivenciais aplicáveis à Arteterapia.
Em
meus estudos, conclui que para a Arteterapia, podemos nos utilizar de pelo
menos cinco campos da História da Arte:
- Movimentos
Artísticos e seus contextos: ao estudar os diversos homens
ao longo da história, podemos entrar em contato com eles e nos experimentar naquele
contexto sociocultural, estilo de criação, linguagens expressivas e motivações,
pois assim como os “arquétipos” da teoria junguiana, estes homens fazem parte de
nosso psiquismo e inconsciente coletivo. Em minha prática, destaco os movimentos da Arte Moderna e Contemporânea que
além de estímulos vivenciais próximos a nossa cultura, embasam nossa escuta do
social e do indivíduo de nossa época
- Produções
artísticas e obras de arte: conforme citado anteriormente, sendo as
obras de arte a constelação de conteúdos humanos, elas se configuram como estímulos
projetivos muito eficazes na prática da Arteterapia, em suas mais variadas
linguagens, como pinturas, esculturas, desenhos, poesias, músicas, filmes, etc.
Faz-se necessário que o arteterapeuta vá construindo seu repertório a medida
que vá experienciando a arte, coletando expressões artísticas que considere
próximas às questões que comparecem em sua prática.
- Artistas
e suas biografias: as histórias de vida dos artistas muitas
vezes dialogam com a história dos
experimentadores da Arteterapia. Podemos conta-la como uma história, porém
vivida por um ser humano como cada um de nós. Este diálogo entre artista e
cliente/paciente pode trazer a este, a sensação de não estar só, além do
estímulo para se utilizar da arte como instrumento de expressões, elaborações e
ressignificações ao longo de sua biografia.
- Os
processos criativos: ao estudarmos as técnicas e materiais desenvolvidos
por grandes artistas, adquirimos uma infinidade de técnicas que podem ser contextualizadas, experimentadas e
inseridas ao repertório do arteterapeuta. Basta conhecermos as motivações dos
artistas ao mergulharem nestes processos e associá-las as questões recorrentes
da escuta arteterapêutica.
Referência Bibliográfica:
SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. 7a edição. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1981.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
Comentário enviado por Tania Salete:
ResponderExcluirParabéns duplamente : pelo dia do arteterapeuta e pelo riquissimo e instigante texto. Certamente é um convite à pesquisas, buscas e aprofundamentos. Só gratidão pelo respeito com que voce lida e estimula outros à busca de uma arteterapia mais alicerçada em elementos teóricos diferenciados, como a história da Arte, por exemplo. Obrigada pela nutrição semanal que me proporciona! Sempre grata por tê-la conhecido!
PARABÉNS ! sou mediadora e participo de uma instituição chamada CASA DA ACOLHIDA DE SÃO JUDAS TADEU que desenvolve atividades que possibilitam as pessoas e se acessarem . Também sou diretora pedagógica do MediatuM - www.mediatum.com.br e gostaria de saber se tem interesse em dividir conosco esse aprendizado , através de uma palestra , um curso ...
ResponderExcluirAdorei o texto, Eliana. Obrigada pela riqueza teórica e conteúdo que nos leva a refletir sobre as nossas práticas e possíveis articulações com a linguagem artística.
ResponderExcluirJa tive a oportunidade de dizer a você o quanto tem influenciado de maneira muito positiva o meu início da jornada, de minha nova profissão. Aos 46 decidi mudar a vida profissional. De 25 anos anos no mundo corporativo a recém formada em Arteterapia. As vezes acho que foi ela quem me escolheu! Cada dia mais percebo que estar "emaranhada" a História da Arte é um caminho de total ampliação. Eu, início do zero, nessa questão. Eliana, parabéns pelo seu trabalho. O seu compartilhar ( a forma como o faz) em cada contato, curso, leitura traz uma nota altíssima sobre o pertencimento. E isso e muito importante, principalmente para iniciantes como eu. Sinto me pertencente a esse novo mundo. Sempre para você, uma chuva de flores pelo caminho.
ResponderExcluirJa tive a oportunidade de dizer a você o quanto tem influenciado de maneira muito positiva o meu início da jornada, de minha nova profissão. Aos 46 decidi mudar a vida profissional. De 25 anos anos no mundo corporativo a recém formada em Arteterapia. As vezes acho que foi ela quem me escolheu! Cada dia mais percebo que estar "emaranhada" a História da Arte é um caminho de total ampliação. Eu, início do zero, nessa questão. Eliana, parabéns pelo seu trabalho. O seu compartilhar ( a forma como o faz) em cada contato, curso, leitura traz uma nota altíssima sobre o pertencimento. E isso e muito importante, principalmente para iniciantes como eu. Sinto me pertencente a esse novo mundo. Sempre para você, uma chuva de flores pelo caminho.
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