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Ultimamente tenho investido na gravura como mais uma possibilidade no
atendimento terapêutico. Fiz minha estreia aqui no blog com um texto sobre
monotipias e agora dedico este espaço para falar da serigrafia, um dos
processos em gravura, também conhecido com silkscreen
ou gravura planográfica. Falarei, porém de forma “enviesada”, através da obra
de um artista que dialogou com a fama, consumo e imagem usando a serigrafia
para potencializar sua mensagem e tornando-a cúmplice de seus sentimentos e
pensamentos.
Andy Wahrol (1928-1987), americano, filho de
imigrantes, tornou-se uma figura lendária e profetizou que um dia todos teriam
direito a 15 minutos de fama. Hoje sua “profecia” é realidade e o poder da
imagem e das mídias sociais, assim como seus desdobramentos nocivos na vida dos
indivíduos e famílias, nos impacta.
Retrocedendo um pouco na história da Arte para
compreendermos essa faceta de nossa contemporaneidade, constatamos que na década
de 1960, os Estados Unidos, principalmente Nova York, já se consolidara como
grande centro artístico. O expressionismo abstrato perdia força para dar lugar
a Arte Pop, a arte como caráter
público, como mercadoria e objeto de consumo. Nada mais convincente para uma
sociedade que privilegiava o efêmero, o sucesso, a escalada social e o
enriquecimento.
Andy Warhol, de origem humilde, não
escapou dessa filosofia. Rapidamente ganhou fama e sucesso desenvolvendo uma
relação ambígua entre sua vida e sua arte. Começou como desenhista
publicitário, trabalhou para revistas como Vogue
e Harper’s Bazaar conquistando um
lugar no mercado. Seu empenho e dedicação no setor publicitário, além de seu
espírito observador, acabaram por revelar-lhe a real faceta do consumo. Não
mais focado na venda de produtos para uma elite, voltou-se para grande massa.
Seu interesse não residia mais no consumo elitizado, mas no consumo de uma
forma geral, no consumo de uma cultura, a americana. Percebeu a grande ilusão
por trás de tudo o que era consumido e como isso afetava não apenas um grupo de
pessoas, mas toda uma comunidade e mesmo uma nação, revelando a dimensão
psicológica por trás das imagens publicitárias. Latas de enlatados,
refrigerantes, estrelas de cinema, celebridades, encarnavam o jeito americano
de ser e eram vendidos através de repetidas veiculações nas diversas mídias.
Warhol transpôs a imagem desses produtos de consumo para a tela fazendo referência
a esta realidade e viabilizando o ingresso do mundo popular no mundo da arte e
seu próprio ingresso na estrita esfera da arte.
Ao mesmo tempo em que criticava essa sociedade
e seus hábitos de consumo através de suas telas, revelava seu jogo
publicitário, criando lendas e fofocas de sua própria vida, num jogo ambíguo
onde não se sabe o que é verdade e o que é mentira. Warhol transformou sua vida
em obra. A grande verdade para ele era a imagem publicitária que poderia passar
uma ideia verdadeira ou falsa num frenético jogo do consumo e da ilusão. A
grande verdade revelada é o consumo por trás dessa imagem, onde reside a lenda,
o mito do sonho americano. É, portanto, uma imagem abstraída, mítica e efêmera,
que dura o tempo que um desejo leva para ser substituído por outro, num
processo ininterrupto de consumo. A rapidez desse processo revela o caráter
mortal da imagem. Warhol dizia que tudo que fazia tinha a ver com a morte. Os
produtos de consumo de massa que usava em sua obra, como as sopas, os molhos,
refrigerantes, sabão, todos eles tinham relação com a morte. Seja por seu
rápido desgaste ou consumo; seja pela morte provocada por seu consumo. Warhol
começou então a, literalmente, estampar a morte em sua obra, como no caso das
pessoas envenenadas por atum enlatado, ou mortas por acidentes de carro ou de
avião. Todas mortas por terem consumido uma ideia de praticidade, luxo,
aventura, modernidade. A morte também aparece na imagem de pop stars como Marilyn Monroe e Elvis, que foram vítimas da fama,
ou de outras celebridades cercadas por uma aura de tragédia.
"As duas Marilyns",1962
Serigrafia sobre tela 55 x 65cm
Elvis Triplicado, 1964
Serigrafia sobre tela, 209 x 152 cm
Apesar de parecer distraído e
desligado da realidade, o artista observava friamente a sociedade por trás de
suas máscaras, registrando o conformismo e o consumo psicológico. Conforme
Argan (1998 p. 647), Warhol estaria interessado em analisar a trajetória
desintegradora da imagem de massa, os efeitos da repetição da notícia que se
tornariam, segundo ele, um mito de massa que passaria para o inconsciente. Warhol transpunha para a tela as mesmas
imagens e fotografias das manchetes de jornal, já maciçamente conhecidas e
consumidas de antemão, e apostava na repetição usando a técnica serigráfica a
seu favor. Através dela conseguia repetir a mesma imagem diversas vezes, em
preto e branco ou em cores, com mais tinta ou menos tinta, com técnica
descuidada ou mais apurada, criando uma dissolução dessa imagem, revelando
assim uma nova imagem, abstraída daquela da realidade. Portanto, sua pintura
não é figurativa, não é uma mimese da realidade como ela é, mas uma abstração
da mesma. A planariade de suas pinturas reforça a ausência de realidade e a
bela e cuidada imagem publicitária é manipulada de forma a tornar-se suja,
borrada, transformada, denunciando a mentira, o consumismo, a verdade da
cultura de massa. Ao mesmo tempo, o processo serigráfico permite uma reprodução
estereotipada das imagens e uma produção mecanizada que reforça o caráter
impessoal e massificante das imagens produzidas e da cultura fabricada. As
distorções conseguidas pelas manipulações na impressão retiram as
características pessoais e subjetivas dos retratados, pasteurizando a imagem
para consumo.
Gregory Battcock (1975, p. 51), em
seu texto A Geração Warhol, diz que “a arte de Warhol pode subverter (até um certo
ponto) a arte formal e, ao mesmo tempo, oferecer documentos socialmente
provocadores ao cidadão de classe media”. Cita a aversão do artista pela
cultura, por identificar nela uma função policial repressiva. A arte de Warhol
refletiria, então, uma cultura oficial de repressão, mais do que de vida, sendo
exemplos disso suas pinturas de cadeira elétrica, de ataques policiais, e dos
homens procurados pela polícia.
Passadas algumas décadas ainda são
bastante atuais as reflexões e percepções de Andy Warhol sobre o american way of life. A dimensão irônica
e crítica de sua arte acabou por perpetuar o consumo por este estilo de vida,
criando um ciclo vicioso onde a ideia por trás da imagem ganha mais força
quanto mais for veiculada. Entenda-se como ideia o próprio american way of life. O estilo então criticado foi consumido e
absorvido perdendo sua força enquanto crítica, mas ganhando força enquanto
estilo de vida. Isso acaba por tornar sua arte sempre válida e, ao mesmo tempo,
a cultura de massa passível de crítica, uma vez que não percebe sua estrutura e
repete sempre o mesmo processo.
Danto (1990, p. 9) afirma que a obra
completa de Warhol é menos um retrato da consciência contemporânea, mas a
própria consciência contemporânea, materializada pelas imagens que exprimem
nossas fantasias e nossos sentimentos. Para ele Warhol só morrerá realmente
quando não mais soubermos quem foi Marilyn, ou quando não mais existir a sopa
Campbell’s.
Latas de Sopas Campbell
Serigrafia sobre papel
Atualmente a obra de Warhol ainda
nos seduz e nos convida a consumi-la em diversos produtos, como almofadas,
bolsas, caixas, chaveiros etc.. Paralelamente também é possível estampar a
própria imagem nas redes sociais, ter seguidores e tornar a própria vida uma
vitrine aberta 24 horas por dia, indo, talvez, muito além das previsões de
Warhol. Acredito que a função do arteterapeuta deve ser mais do que a oferta de
materiais e linguagens artísticas, cabendo a ele também conhecer a obra de
artistas das mais variadas épocas e estilos e poder usá-las como referência em
seus atendimentos. Tomar a vida e a obra deste representante da Pop Art pode ser um disparador para
estabelecer uma dimensão crítica e um olhar questionador sobre o consumo
excessivo, o “desgaste” da imagem nas inúmeras postagens em rede, entre outros
fatores. Como estimular a busca pela essência para além das aparências; como
desviar o olhar da imagem externa para uma reflexão interna; como reconhecer os
vazios interiores e cuidar deles? A
Arteterapia é uma excelente ferramenta na busca do si mesmo, e pode ser mais
potente ainda quando auxiliada pelas obras dos grandes mestres da Arte, que tão
sensivelmente nos deixaram um legado de imagens passíveis de profundos
mergulhos em zonas sombrias.
Que Andy Warhol possa ser compreendido
de forma mais ampla, para lá da aparente futilidade. Que possamos olhar para as
inúmeras Marilyn’s, estampadas em variadas formas, efeitos e cores, e refletir
sobre nós mesmos!
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências Bibliográficas:Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
ARGAN,
Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
BATTCOCK,
Gregory. Geração Warhol in A Nova Arte. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1975.
DANTO, Arthur C..
Qui était Andy Warhol?. Les Cahiers
du Musée National d’Art Moderne. Pais, 1990.
HONNEF,
Klaus. Andy Warhol: A Comecializaçao da Arte. Colonia: Taschen, 1992.
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Arteterapeuta e Arte-educadora, especialista em História da Arte e
pós graduanda em Psicologia Junguiana. Faz atendimentos individuais e facilita
oficinas e vivências em Arteterapia.
Leciona
Artes Visuais na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Tem interesse em
Arte, Psicologia, Yoga, Vedanta, Espiritualidade, Sustentabilidade, Cinema,
Dança e Paisagismo. Acredita na Harmonia, Amor e Respeito entre os Seres.
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