segunda-feira, 25 de março de 2019

ARTE E GESTALT: UM CAMINHO


Por Valéria Diniz - RJ
valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50


O que é necessário pra ser uma boa psicóloga?
Essa era minha indagação e inquietude nos primeiros anos de trajetória profissional. Tudo era encantadoramente assustador.
Procurava em curso, workshops, terapia pessoal, leitura e mais leitura. Queria chegar naquele nível de meus mestres .Pessoas que me inspiravam na vida e na carreira. Queria ser tão boa como eles!
Algum dia, eu, de fato, poderia ajudar alguém? Como apurar a escuta? Como entender o que não é possível ser falado? Como ouvir o que não pode ser dito?
Meu primeiro supervisor e mestre para a vida me convidava a “desenvolver a percepção”.
Gente, como se faz isso?
Ele me chamava carinhosamente de “garotinha”. Aborrecia-me, mas, no fundo estava certo.
Era apenas o começo, o primeiro estágio no SPA (Serviço de Psicologia Aplicada). Tinha muito ainda que caminhar!
“Tá tudo bem, ainda vou fazer a especialização!”. Era um jeito de diminuir minha cobrança.
Escolhi fazer a formação em Gestalt por ser uma abordagem criativa. Meus supervisores na formação me estimulavam através de vivências e experimentos a desenvolver a percepção através do sentir, de estar em contato.
Isso não facilitava, era mais difícil!
"Como saber qual técnica, qual experimento usar?  E quando, e como, e para quê?"
Por que não desisti?
Porque desde menina sempre gostei de estórias. E ser psicóloga é ter o privilégio de acompanhar histórias únicas. Conhecer bem de perto seu autor, e, talvez, contribuir um pouquinho para esse enredo que se constrói diante de mim.
Logo nos primeiros anos  da minha caminhada conheci as histórias de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e violência doméstica no serviço público.
Chorei com muitas mães.
Sim, chorei.
Mas, psicólogos não choram em seus atendimentos. E a postura profissional? E a escuta técnica?  Leve suas dores para sua terapia.

Mais uma pós para, quem sabe, virar um boa profissional. E mais uma sensação de impotência diante de bebês agredidos. Meninas e meninos violados.
Noites em claro debruçada sobre livros.
Na clínica surgiam as compulsões, as tentativas de suicídio, as perdas, as dores¸ a psicopatia. A vida humana com suas histórias de beleza e horror. Preciso de mais uma pós. E de mais noites em claro.
Melhor, vou fazer um mestrado e estudar a “loucura”. Deve ser o que preciso para “virar fera”. E, no hospital psiquiátrico me deparo com oficinas em técnicas expressivas. Pintura, colagem, argila, música, teatro.
“Onde estava tudo isso por favor???”  Agora a inquietude dá lugar a indignação e revolta. “Por que não aprendi isso antes?”
Minha adolescente interior mostra a cara. Julgando o mundo acadêmico, o projeto pedagógico, as faculdades, os professores, a formação, a psicologia, o CRP (Conselho Regional de Psicologia) e o mundo ao meu redor.
Posso lembrar agora enquanto escrevo esse texto de uma voz firme e suave que dizia: “O artista aprende muito mais do íntimo do outro que um médico (ou psicólogo).”
Meu primeiro contato com a arte e sua potência terapêutica foi iluminada pela genialidade, criatividade, garra e força de Nise da SiIveira. Mestra querida!
De lá até aqui já se vão alguns anos.
Viajei por outras estradas. Conheci outras áreas da psicologia: Educação, Empresarial. Mas, ainda carregava a indignação do “tempo perdido”. Minha adolescente ainda gritava. Entendi que precisava apresentar o mundo das possibilidades artísticas para outros profissionais. Venho oferecendo uma oficina por mês em Técnicas Expressivas.
E tudo, finalmente, faz sentido. Fechei essa Gestalt ou, na linguagem comum, cheguei à compreensão.

Minha pergunta no começo era: Como ser uma boa psicóloga? Quando eu ia virar fera?
A gente não “vira” como um passe de mágica. A gente se “faz”.
Fui me “fazendo”, me “construindo”, com estudo sim, com cursos sim, com terapia sim, com supervisão sim.
E para se fazer é preciso desconstrução. Isso é arte!
Fui desenvolvendo a percepção abrindo o peito e deixando o outro chegar. E estar disponível é estar em contato consigo e com o outro.
Tocar o outro é Arte!
Não perdi o gosto pelas histórias, continuo apaixonada.
Ouvir histórias é Arte!
Manter viva a “garotinha”, que meu supervisor enxergava, e, o que na verdade sempre foi um elogio. A minha criança interior que se permite brincar e se divertir para não endurecer.
E brincar é fazer arte!
Permitir que a adolescente rebelde faça seus apelos com a coragem de mudar o mundo.
                              Acreditar em mudanças pelo caminho da Arte!
Nesse meu caminho integrei a Gestalt e a Arte.
Não virei fera. Não preciso mais.
Tudo continua encantadoramente assustador.
Não me debruço mais sobre os livros durante a noite. Prefiro estudar de dia porque a vista já anda cansada.
Faço-me uma psicóloga arteira. A cada dia, em cada encontro, em cada nova história, em cada oficina.
Meu consultório é meu ateliê. Pinto, colo, crio, experimento, construo possibilidades, descubro caminhos sozinha ou acompanhada daqueles que graciosamente me presenteiam com suas histórias.
Parei de chorar.
Sim parei.
Agora são apenas meus olhos que ficam molhados diante da alegria e da dor.
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Sobre a autora: Valéria Diniz

Psicóloga 
Gestalt terapeuta
Mestra em Saúde Mental
Atendimento individual e casal .
Oficinas de Técnicas Expressivas em Gestalt 

9 comentários:

  1. Comentário enviado por Tania Salete:

    Oi, Valéria! Agora quem chorou fui eu! Identifiquei-me demais com tudo isso! Que texto claro, transparente, destemido, verdadeiro, repleto de sensibilidade de alguém que já andou bastante e finalmente está mais apascentada em sua caminhada profissional! Parabéns e obrigada por compartilhar suas experiencias! Sinto que não estou só! Tania Salete Moreira, tambem no caminho com o Caminhartes/Fortaleza.

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  2. Muito grata pelo seu comentário tão carinhoso . Vamos seguindo, acreditando na potência e valor do nosso trabalho .

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  3. Tenho muita sorte e orgulho de ser supervisionada por vc em minha caminhada na clinica da gestalt-terapia! Muito obrigada!

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    1. O caminho é seu. Fique orgulhosa de si mesma, da sua busca, do seu trabalho .

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  4. Adorei seu texto e sua autenticidade e sinceridade! Estou começando minha caminhada e espero chegar "lá" através da arte (terapia). Obrigada por suas palavras encorajadoras.

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    1. Obrigada pelo carinho
      Desejo que você chegue com sucesso no seu " lá ".

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  5. Texto encantador e profundo. Nunca nos sentiremos plenos em nada. Que nossa incompletude nos mova na busca e aceitação.

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  6. Teu texto é realmente Muito mobilizador e Inspirador. Amei! Cibele. Port alegre

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