Paul Cézanne "Mount Sainte Victoire"
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No
percurso do grupo de estudos “Teorias da Arte e Arteterapia” em algum momento
nos deparamos com o movimento impressionista e nele mergulhamos por alguns
meses. Impulsionada por este estudo, hoje inicio uma série de três textos pelos quais compartilho possíveis contribuições do movimento impressionista para
a prática do arteterapeuta.
O Impressionismo
O
Impressionismo foi um movimento artístico que iniciou-se na França, entre 1860
e 1870. Nasceu com a ligação de Monet e Renoir e, como movimento, apresentou-se
pela primeira vez ao publico em 1874, com uma exposição de “artistas
independentes” no estúdio do fotografo Nadar.
Estes
artistas tinham em comum a aversão a arte acadêmica e a recusa dos hábitos e
métodos de ateliê, sendo assim, realizavam um estudo ao vivo, direto e
experimental. Rompendo as quatro paredes da academia, trabalhavam de preferência
às margens do Rio Sena, propondo-se a exprimir a sensação visual e representar
da maneira mais imediata e flagrante a impressão luminosa e a transparência da
atmosfera e da água. De fato, o termo “Impressionismo” nasceu de um comentário irônico
atribuído a uma pintura de Monet chamada “Impressão,
nascer do sol”, mas no fim das contas, o nome foi adotado pelo grupo de artistas.
Claude Monet "Impressão, nascer do sol"
Os
impressionistas ocupavam-se exclusivamente da sensação visual, e defendiam que a experiência da realidade que se realiza
com a pintura é uma experiencia plena e legitima.
Este
movimento que rompeu decididamente as pontes com o passado, abriu caminho para
a pesquisa da arte moderna. Neste momento de conversão histórica, o pensamento
analítico do artista estava sendo substituído pela sua visão. Conhecida como
uma pintura “retiniana” os pintores impressionistas eram verdadeiros
pesquisadores da impressão óptica do que era luminoso e transitório, no
instante daquela impressão, e como resultado na imagem, a cor era exaltada e a
forma, de certa maneira, negligenciada.
Do Impressionismo a
Arteterapia
"Nascer do sol" Trabalho de Arteterapia
A
articulação entre a História da Arte e a Arteterapia tem sido uma das minhas
grandes paixões. Através da História da Arte instrumentalizamos nossa escuta
para a cultura, o social que nos compõe e para o indivíduo que nele está
inserido e nos procura “em dor”.
A
clínica da Arteterapia me apresenta um perfil de pacientes que são um grande
desafio para a clínica da psicologia, uma vez que esta se sustenta
prioritariamente a partir da linguagem verbal: pacientes que demonstram um
grande esvaziamento, empobrecimento, embotamento, como em quadros depressivos
graves. Ou de forma mais ampla, pacientes que fizeram um extremo investimento
de energia psíquica para dentro, qual seja, um movimento de introversão. Este
esvaziamento se faz apenas de forma aparente, pois no mundo interno são
sujeitos em ebulição, mergulhados em seus conteúdos psíquicos e pensamentos
obsessivos. Desta forma, o mundo externo se mostra ameaçador. Segundo Jung:
“Quanto maior a multidão, maior se torna a resistência. Não está de modo
algum ‘com ela’ e não tem nenhum prazer no ajuntamento entusiasmado. Não se
mistura bem. Tudo o que faz, o faz a seu modo, pondo barricadas contra a influência de fora... Sob condições
normais, é pessimista e preocupado, porque o mundo e os seres humanos não são nem um pouco bondosos, e sim o
esmagam...
Estes esforços vêem-se constantemente frustrados pelas impressões
avassaladoras recebidas do objeto; este continuamente impõe-se a ele contra a
sua vontade, fazendo surgir nele os mais desagradáveis e intratáveis efeitos,
perseguindo-o a cada passo. Uma tremenda
luta interior se faz necessária a cada passo para ‘continuar em frente’. (JUNG in SHARP, 1991, p 100 -101)
No trabalho com este perfil de pacientes,
podemos tomar como inspiração a história dos pintores impressionistas, que não se contentaram com os interiores da
academia e em um ato simbólico, se
deslocaram para fora e se lançaram às experiências com a natureza. Seus
olhares curiosos não estavam mais para os modelos, objetos e técnicas
acadêmicas, mas passaram a buscar suas impressões ao olhar para o exterior.
"Paisagem" Trabalho de Arteterapia
A primeira possibilidade que aqui visualizamos,
quando for possível ao paciente, se dá ao estimularmos que ele exercite seu olhar para fora. Atendimentos
externos, seja no pátio da instituição, aos arredores do consultório ou até
mesmo abrindo a janela: um olhar para além das “quatro paredes”. Vale ressaltar que em nossa contemporaneidade, o excesso de informações
e a aceleração da vida cotidiana também nos rouba a capacidade de contemplação,
a oportunidade de demorar-se em observar a natureza e os acontecimentos ao
redor. Interessante destacar também, que em tempos de hiperinvestimento em
“realidades virtuais” em uma contemporaneidade atravessada pela cibercultura, o
investimento em deixar-se impressionar pelas percepções sensoriais trazem
experiências de vida. Exercitar um olhar
impressionista a cada dia é um desafio para todos nós.
Voltando ao cenário da introversão, a clínica
nos mostra a verdadeira luta interior travada pelo sujeito no eixo “para
dentro” e “para fora”. A relação com o próprio terapeuta e a formação do
vínculo, já se configura um grande desafio. O diálogo então, um penoso
trabalho. A arte, assim, se apresenta como um elemento terceiro, amenizador
deste enfrentamento. O olhar e as forças projetivas são divididas, o que
facilita ao sujeito baixar as resistências e em meio ao criar, se expressar.
Além disto, o criar naturalmente fará uma
força contrária, um empuxo de conteúdos psíquicos “para fora”, ganhando forma,
cores, concretude, matéria, contribuindo para um movimento de energia na
direção do mundo exterior:
“A extroversão caracteriza-se pelo interesse pelo objeto externo, pela
responsabilidade e pela pronta aceitação dos acontecimentos externos, pelo
desejo de influenciar e ser influenciado pelos acontecimentos, pela necessidade
de aderir e de ‘estar com’...” (JUNG in
SHARP, 1991, p 63)
Cada trabalho produzido no setting
arteterapêutico é efetivamente “um trabalho” para aquele sujeito com
investimento de energia tão reduzida para os objetos. Aquele resultado, que
muitas vezes se mostra empobrecido imageticamente, já demandou grande esforço e
neste está nosso estímulo como arteterapeutas. A nós, cabe o desafio de ter
paciência e empatia com este processo de reinvestimento de energia psíquica
para o mundo externo.
O diálogo com os pintores impressionistas nos
convida à extroversão, nos inspira à experiências de vida e à nos deixarmos
afetar e impressionar com aquilo que nos cerca. Nos próximos textos seguirei
compartilhando aspectos deste riquíssimo movimento da História da Arte e suas
possíveis aplicabilidades às práticas da Arteterapia.
SHARP, Daryl. Léxico Junguiano, Ed Cultrix, SP. 1991.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
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